Eufórico, por razões óbvias, leitor alvinegro pede-me que escreva sobre as conquistas do Botafogo na temporada. Faço-o, à sua carinhosa provocação, repetindo neste espaço texto meu já conhecido, a que acrescento uma e outra palavra, atualizando-o. Está em livro de memórias intitulado "Depoimento", disponível na rede.
Em inícios dos anos 70, sofri um grave acidente que me deixaria algumas cicatrizes, e, durante um tempo, certa tensão psicológica. Eu tinha 16 anos, era um tipo bonito e já participara, como modelo, creiam-me, de pelo menos dois desfiles de moda. O que não fiz? Para o jovem inexperiente e vaidoso de então, as cicatrizes eram muito mais que sinais na pele, depois da ferida curada. Era uma lembrança dolorosa, traumatizante, estigmática, no corpo belo e viçoso do adolescente de então.
Um ano depois, por volta de 1973, começo uma série de viagens ao Rio de Janeiro para me submeter a cirurgias plásticas. Entre uma hospitalização e outra, aproveito a minha estada na cidade para me dedicar a uma das minhas maiores paixões: o Botafogo de Futebol e Regatas.
Ia com regularidade e assiduamente à sede de General Severiano, assistia aos treinos, fotografava com os jogadores, meus primeiros ídolos. Se hoje, amando o Botafogo, dou menor importância ao futebol, à época era um torcedor fanático, obsessivo. Não raro, sabia de cor o nome de registro de todo o elenco alvinegro. Pasmem, de alguns, sabia em que lugar haviam nascido, com quem namoravam, com quem eram casados. Tola meninice!
Botafogo! Botafogo!/Campeão – desde 1910./Foste herói em cada jogo/Botafogo,/Por isso é que tu és/E hás de ser/Nosso imenso prazer/Tradições,/Aos milhões tens também./Tu és glorioso/Não podes perder/Perder pra ninguém/Noutros esportes/Tua fibra está presente/Honrando as cores/Do Brasil de nossa gente/À estrada dos louros/Um facho de luz/Tua estrela solitária/Te conduz.
Cantava emocionado o hino de Lamartine Babo antes e depois de cada jogo. Minto: se o time da estrela solitária perdia, faltavam-me forças e razões para cantar, e caía (literalmente!) em prantos. Uma loucura, uma psicose. Uma paixão sem nome.
Ocorre-me, neste instante, lembrar do cronista Mário Filho: – "Ser botafoguense é mais do que pertencer a um clube, a um grande clube. É pertencer a uma casta, com o seu tipo especialíssimo, inconfundível." Ou, para revelar uma marca realmente inconfundível de todo bom botafoguense, do seu irmão Nelson Rodrigues, para quem […] "há, no alvinegro, a emanação específica de um pessimismo imortal."
Nada, não. O certo é que, naquela geração de fins dos anos 60 (o Botafogo fora bi-campeão da Taça Guanabara e do Campeonato Carioca, em 1968), havia em General Severiano uma verdadeira máquina de fazer gols, já não bastasse o espetáculo de elegância e estilo a cada jogo: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César.
Dia desses, revendo a história do alvinegro carioca, encontrei o "time de todos os tempos" escalado por um botafoguense célebre, Sérgio Augusto: Manga, Carlos Alberto Torres, Leônidas, Nilton Santos e Marinho Chagas; Didi e Gérson; Garrincha, Jairzinho, Heleno de Freitas e Paulo César.
Como se vê, o jornalista dá um jeitinho para ter no mesmo time, quem não o faria?, Nilton Santos e Marinho Chagas, embora os dois atuassem na lateral-esquerda. Para não falar de Didi, o "Folha Seca", que aparece na sua seleção como médio-volante. Coisas de botafoguense. Se é difícil, a gente dá um jeito!
Quanto a mim, até onde sei, constitui motivo de orgulho figurar como torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas ao lado de gente que admiro pelo que realizaram fora das quatro linhas, como escritores, cineastas, jornalistas etc. Vamos citar alguns? Aí vai: João Saldanha, Olavo Bilac, Vinicius de Moraes, Glauber Rocha, Augusto Frederico Schmidt, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Antonio Candido, Dalton Rosado, Armando Nogueira, Ana Botafogo, Beth Carvalho, Adriana Calcanhoto, Claudio Marzo, Paulo Betti, Visconde de Taunay, Agildo Ribeiro, Ciro Gomes ("Nove entre dez, lembra?, diz o comercial da bateria Moura), Cid Moreira, Carlos Eduardo Novaes, Carla Camurati, Bernardinho e tantos e tantos apaixonados pelo Glorioso.
Orgulha-me, sobremaneira, ter feito amizade com o ex-jogador botafoguense, médico --- e uma das pessoas mais elegantes, generosas, irrepreensíveis de caráter, que pude conhecer ---, Afonsinho, eterno ídolo do clube de General Severiano. Voz da democracia, amigo dos justos, dos humildes e dos sábios: "Prezado amigo Afonsinho/Eu continuo aqui mesmo/Aperfeiçoando o imperfeito/Dando um tempo/dando um jeito/Desprezado a perfeição".*
Campeão do mais importante certame da América, em 2024 (mesmo para um botafoguense ressabiado com o destino), o Botafogo de Futebol e Regatas deverá neste domingo, 8 de dezembro, conquistar o Brasileirão, no Nilton Santos, sobre o São Paulo Futebol Clube. Reencontra-se o Glorioso com sua origem, renova-se o que é tradição. Tal qual fênix, o Botafogo renasce das cinzas para disseminar, em partículas incandescentes e impalpáveis, o fogo exuberante da suprema consagração.
*Primeira estrofe da letra de "Meio de campo", composição de Gilberto Gil em homenagem a Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário