Contos, crônicas e crítica literária de Alder Teixeira

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Natal com você

Se há uma demonstração de amor que me convence, é alguém, uma vez que seja, prescindir da família para passar o Natal com você. Amigo, amiga, namorada, não importa. É alguém que veio estar ao seu lado na mais significativa das festas. Veio porque considera você alguém especial, seja o que isso for.
Li numa crônica de Martha Medeiros, em que está plasmado este texto, que a dispersão é aceitável no Ano Novo, não no Natal. Perfeito. A pressão é grande, e todos vão querer contar com você na ceia natalina, momento de confraternização que torna os corações mais gelatinosos, mais vocacionados para o perdão e mais propensos a facilitar o (re)encontro das almas, que, por alguma razão, desentenderam-se num momento qualquer do ano.
É preciso muito carinho para alguém estar com você, muitas vezes sacrificando o convívio dos familiares. Quando se mora na mesma cidade, sobretudo se numa cidade não muito grande a ponto de tornar inviáveis os deslocamentos, pode-se ir de uma casa a outra: "A gente fica na casa de seus pais até perto da meia-noite, e o resto do tempo com os meus". E o que parecia um problema sem solução, é, de repente, pela simples força do diálogo, algo contornável. Claro que há os casos de intolerância, quando o egoísmo é maior que a razão, e a pessoa, arvorando-se merecedora de todas as renúncias, não é capaz de abrir mão de suas vontades.
"Longe da mamãe, nem pensar!" E o outro ou a outra, vai cedendo, o peito aberto em metades.
Conheço alguém que fez disso o estopim de uma separação, o relacionamento já em pedaços: "Com os meus pais ou com os seus?" Desapontado e insensível, domado pela emoção ruim, derramou sobre a mulher adjetivos que me recuso a dizer aqui. Foi a gota-d'água para a separação, que, felizmente, para a mulher, veio tarde antes que nunca. O casamento carecia de um pretexto para despencar de vez. E o espírito do Natal passara ao largo daquele coração, para quem o simbolismo da manjedoura não foi bastante para ressaltar dentro dele os bons sentimentos, os sagrados valores da renúncia e da compreensão.
Quando alguém, morando longe, abre mão da família a fim de estar com você na noite mais linda e mais doce, compartilhando o nascimento do Menino-Jesus, isso quer dizer amor. Se você, dia desses, foi ou virá a ser objeto desse amor, lembre-se de agradecer aos céus.
"Vou passar com você!". Que bela declaração de amor.
 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Patrimonialismo, ausência de princípios e desfaçatez

Enquanto sento em frente ao computador para escrever a coluna de hoje, tem início na Assembleia Legislativa do Ceará a sessão em que será aprovada a indicação de Onélia Santana, esposa do ex-governador e atual ministro da Educação, Camilo Santana, para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas do Estado. Reafirmo: "será aprovada" a indicação, pois que os deputados do Ceará, com raríssimas exceções, apenas confirmam legalmente o que interessa a Camilo, hoje a maior expressão política do estado.
Sem qualquer formação técnica que justifique tal indicação (Onélia Santana é formada em letras e atua como psicopedagoga), a nova conselheira perceberá R$ 39,7 mil reais mensais, fora as mordomias inerentes ao cargo e outros penduricalhos mais.
O fato, em si, não envolve qualquer ilegalidade, uma vez que a súmula que impede o nepotismo foi alterada a fim de que se abrisse uma brecha para beneficiar familiares de políticos Brasil afora. Estão nessa situação, por exemplo, Waldez Góes e Renan Filho. Na esteira da falta de escrúpulos, acrescente-se, vieram a fazer o mesmo, há pouco, dois quadros do PT, Wellington Dias e Rui Costa, cujas esposas já usufruem das benesses conferidas aos conselheiros dos Tribunais de Contas do Piauí e da Bahia, respectivamente.
Quanto a Camilo Santana, a situação ainda mais se agravou em demonstração de desfaçatez e falta de correção ética. Em entrevista recente, reportando-se ao fato, o ministro da Educação soltou a afirmação indigna na tentativa de amenizar a indecência em que incorre: "Este é um assunto da Assembleia", disse, esquivando-se a tecer considerações sobre a indicação da esposa para o Tribunal de Contas do Ceará.
Sabatinada pelos deputados estaduais, conforme é necessário ocorrer em tais nomeações, a psicopedagoga Onélia Santana tornou a emenda pior que o soneto. Disse estar "quebrando barreiras", enquanto mulher, "... num ambiente político ainda predominantemente masculino". E, como a assustar os presentes (deputados à parte), concluiu afirmando estar "abrindo caminhos para as novas gerações". Arre.
Não teve a nova conselheira, sequer, o discernimento de não confundir alhos com bugalhos (que me desculpem o chavão!), indo além na insensatez do que afirmava. Num país em que impera a desigualdade, no qual ser mulher ainda mais é um elemento agravante, lançar mão de raciocínios esdrúxulos e inapropriados, a exemplo do que fez Onélia Santana, ontem, na Assembleia Legislativa do Ceará, é algo a um só tempo inaceitável e revoltante.
Ocorrem-me, na ocasião em que escrevo esta coluna, as teses de Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Hollanda, entre tantos outros, acerca da formação do caráter nacional brasileiro, o que me enseja apontar para livros fundamentais sobre o patrimonialismo, o embaralhamento entre o público e o privado, a prática desenfreada do nepotismo e a ausência de impessoalidade no serviço público.
Cumpriria ao ex-governador Camilo Santana, mesmo vestindo mal a camisa do PT (que nunca lhe coube bem, diga-se em tempo), preservar-se de envolvimento em atos assim, eticamente vexaminosos e nada republicanos. Perde mais uma vez em conceito público, manchando sua imagem e assumindo, desavergonhadamente, o rótulo de oportunista.
Lamentável.