quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Natal com você
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
Patrimonialismo, ausência de princípios e desfaçatez
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Conto a Dalton Trevisan
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Glória e tradição
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
Passé composé*
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Sempre Paris
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
O amor não é necessário
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
A beleza salvará o mundo
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
A morte como exercício poético
sexta-feira, 18 de outubro de 2024
De onde nasce a crônica
terça-feira, 8 de outubro de 2024
A lição de Roberto e outras lições
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
Eis a [velha] questão
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
A política e a politicagem
sexta-feira, 13 de setembro de 2024
De poesia e subjetivações
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
A bossa nova e outras bossas
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
À mesa de um restaurante
São de Chico Buarque os versos sublimes: "Oh pedaço de mim/Oh metade arrancada de mim/Leva o teu olhar/Que a saudade é o pior tormento/É pior que o esquecimento/É pior do que se entrevar//Oh pedaço de mim/Oh metade exilada de mim/Leva os teus sinais/Que a saudade dói como um barco/Que aos poucos descreve um arco/E evita atracar no cais".
Dia desses, num restaurante, estando próximo à mesa em que conversava um casal, ouço a frase impiedosa: "Ela gosta de sofrer, se não já tinha esquecido esse homem." Entre invasivo e inoportuno, falei com meus botões: "Aí está alguém que nunca sofreu por amor. É isso. Há dores que precisam ser curtidas, do contrário jamais desaparecerão.
A dor de um amor que termina é um desses casos. É como a dor das grandes perdas, como a dor pela morte do amigo querido, do parente próximo, é como o aperto no peito quando a cadeira de balanço --- vazia --- lembra o pai que se foi.
Rosa Monteiro, citando o escritor Alejandro Gándara, diz, em "A louca da casa": "Amar apaixonadamente uma pessoa sem ser correspondido é que nem estar num barco e enjoar: você pensa que vai morrer, mas nos outros só provoca risadas."
E, no entanto, a dor que se sente é insuportável.
Todo fim de relacionamento, sobretudo daqueles que tiveram vida longa, é desconcertante. E não adianta insistir dizendo que "foi melhor assim", que "isso passa e logo vai aparecer alguém", que "o importante é amizade que ficou" etc., palavras e expressões que nada dizem para quem desaba abismo abaixo naquele instante.
Não há separação tão equilibrada que atenda à vontade dos dois. Um lado vai sair machucado, invariavelmente. E só quem já passou por uma situação assim é capaz de entender a extensão e a profundidade dessa dor.
A propósito, sobre a dor da perda, li certa vez uma crônica de Nelson Rodrigues que é mesmo uma pérola. Está em "O óbvio ululante", que tomo agora nas mãos. Nelson recebe o convite de um amigo para um almoço. Entre risadas, marcam o encontro para o dia seguinte. Ao meio-dia, estavam num restaurante. É aí que Nelson percebe que o amigo marcara o almoço como um pretexto para que o visse chorar, dilacerado de saudade do pai, que havia morrido. "Éramos amigos e fundamos naquela mesa a nossa solidão (a perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real!)".
O amigo lhe abria o coração: "A morte de meu pai... Nunca me recuperei." Nelson confessa ter sentido vontade de pedir-lhe: "Nem se recupere, nunca, nunca. Eis a nossa degradação, sofrer menos, menos, até esquecer".
As palavras não valem quando se afoga na dor das grandes perdas. A companhia silenciosa, a mão sobre o ombro, o afago sincero, valem muito. As palavras, não. Ainda que nascidas das melhores intenções, não valem. Toda grande perda vem acompanhada da pior das sentenças: "Nunca mais!" E é em nome dessa sentença que é preciso curtir a dor, que só o tempo será capaz de curar.
Também de Nelson Rodrigues é a sábia afirmação: "Os psiquiatras e os psicanalistas deviam-se incumbir dos que esquecem fácil." E lembra que estamos tão esquecidos de sofrer, que a dor nos parece, e cada vez mais, uma doença, quase uma loucura.
"Tão curto o amor e tão longo o esquecimento", ecoa o verso de Neruda.
Vindas da mesa ao lado, no cair daquela tarde, as palavras que me chegam aos ouvidos me fazem recordar o poeta chileno.
E como ignoram o que é perder alguém que se ama...
sexta-feira, 23 de agosto de 2024
Quase noite em Copacabana
quarta-feira, 14 de agosto de 2024
De fatos e memórias
Vez e outra, da pena hábil de Paulo Elpídio, leio os belos textos de memórias, vazados no estilo elegante e delicadamente poético com que ressignifica momentos de sua trajetória mundo afora. Diferentemente do autobiográfico, o texto memorialístico resulta da confluência do registro realista com o voo da subjetivação, não raro permitindo ao escritor, por isso mesmo, dar asas à imaginação.
É que recordar é trazer de volta ao coração, e os fatos trazidos cobrem-se do matiz saudosista que dá gosto e perfume à coisa vivida. Assopra-se a lembrança, afastando-se da cena guardada a poeira com que se deixou cobrir pelo passar do tempo. Esta é a razão por que, no mais das vezes, o texto autobiográfico ressente-se da literariedade, enquanto as memórias ganham a beleza da arte, porque predomina-lhe a função poética da linguagem em detrimento da referencial. Ocorre-me reviver, assim, no instante em que escrevo, na linha do que faz exemplarmente o amigo, algumas dessas recordações. E volta-me o tempo perdido, como a um Proust provinciano, vesgo e melancólico.
Montmartre é um dos bairros mais interessantes de Paris. Vejo-o de perto, ainda que da distância desses muitos anos.
No alto da colina, agiganta-se a belíssima Igreja Sacré-Coeur, à qual se chega enfrentando-se centenas de degraus ou tomando-se o lúdico bondinho que leva dos jardins ao adro da basílica.
Construída desde 1876, a igreja é uma homenagem dos franceses ao Sagrado Coração de Jesus, e consta que foi erigida em gratidão pelo fim da Guerra Franco-Prussiana, deflagrada oito anos antes. O certo é que esta, que é uma das mais visitadas atrações turísticas de Paris, é realmente bela, e adentrar seu interior é uma experiência mágica, incomunicável, sobretudo à noite, horário em que C., a socióloga Zaira Bueno, nossa anfitriã, seu filho e artista plástico Batista e eu, chegamos ao local.
Decorrido um par de horas, pouco mais ou menos, ainda fizemos fotos da plataforma da colina, de cujo alto vislumbra-se uma poética paisagem da noite parisiense. Perto dali, está o famoso Moulin Rouge e, nos arredores, um sem-número de casas noturnas dedicadas ao turismo sexual e imortalizadas por Toulouse-Lautrec e Edgar Degas.
Ao escrever estas memórias, chego a lembrar com uma saudade imensa dos pequenos detalhes, como a expressão facial de C. (mulher sempre além do seu tempo e pouco afeita a escandalizar-se com o que quer que fosse), a mão à boca, um sorriso entre tímido e assustado diante de uma vitrine em que se veem os mais inimagináveis instrumentos eróticos. E caímos todos numa sonora gargalhada, que, estou convicto, por um instante chama muito mais a atenção dos muitos turistas que ali se encontravam que o arsenal de chicotes, mulheres infláveis, pênis e vaginas espalhados por trás da vitrine.
Antes de visitarmos o Moulin Rouge, contudo, percorremos as ruas de Montmartre, eu emocionadíssimo por lembrar que ali estiveram um dia Théodore Géricault, Camile Corot e, mais tarde, alguns dos meus pintores preferidos, como Amedeo Modigliane, embora morasse ele em Montparnasse, um bairro também marcado pela presença de grandes artistas em seu tempo, que eu só visitaria alguns anos depois, noutra viagem à França.
Ali estive nos pequenos museus existentes, nos espaços culturais e, com particular entusiasmo, no Espace Montmartre Salvador Dalí, onde se veem algo em torno de duas centenas de trabalhos do pintor espanhol. Já à época a pintura me despertava interesse quase tanto quanto a literatura.
Fim de noite, exaustos das muitas caminhadas, voltamos para o apartamento de Zaira e ficamos por um longo tempo conversando sobre a viagem, até que, vencidos pelo sono, C. e eu nos entregássemos aos sonhos da memorável madrugada. Era fevereiro de 1978.