sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Orgulho e preconceito

Mal "fechadas" as urnas, e a onda de insatisfação explodiu Brasil afora. Gente que votou em Aécio, claro, e que não se conforma com o fato de o PT ter garantido, pelo voto democrático, mais quatro anos no poder. Vitória apertada, é verdade, que o elemento "bombástico", a que me referi na coluna de sábado, aconteceu (a matéria sórdida da Veja), embora não tendo sido capaz de reverter o que previra em Não ao ódio e à intolerância.
 
Desde então, as redes sociais e alguns dos nossos mais prestigiosos jornais, para não falar da Globo, exorbitam matérias as mais odientas contra o resultado da eleição. Mas há,felizmente, gente que sabe dignificar o ato de escrever, a exemplo de Luiz Fernando Viana, cujo texto, Orgulho e Preconceito, teve repercussão nos quatro cantos do país, e que tomo a liberdade de reproduzir no espaço da minha coluna de hoje. Bom proveito!
 
RIO DE JANEIRO - Tratado como pornográfico e pervertido, Nelson Rodrigues alegava que era preciso mostrar no palco nossos "pântanos íntimos". Exorcizando-os no teatro, conseguiríamos a civilidade fora dele.
As reações ao resultado da disputa presidencial mostram que estas eleições cumpriram um objetivo rodriguiano: trouxeram à luz os pensamentos mais sombrios.
 
É pedagógico ver os abastados vociferando contra os "pobres", os "ignorantes", os "vagabundos". Quem já tinha perdido qualquer esperança no PT pôde constatar que as mudanças dos últimos 12 anos foram significativas.
 
Quando pessoas tiram suas imbecilidades do recato recomendável e gritam que estamos numa "ditadura", que o PT é "terrorista" e que os iluministas paulistas --que já elegeram Maluf, Pitta, Quércia, Fleury e sofrem com a seca-- devem ser separados dos "atrasados" nordestinos, cujo PIB cresce mais do que os das outras regiões (2,55% no segundo trimestre ante queda nacional de 0,6%), algo se revela.
 
Domésticas têm carteira assinada; jovens negros entram na universidade e disputam os empregos; aeroportos estão cheios. O país do quartinho de empregada está enfraquecido. Há quem não se conforme.
 
O "país dividido", mais um clichê no rol da imprensa, não surgiu agora, mas há uns cinco séculos. Está é ficando mais nítido. Ainda bem. Galvão Bueno e o coração brasileiro batendo ao som do Olodum não existem. A Família Scolari tomou de 7.
 
É pena que alguns colunistas disseminem o preconceito. Insinuaram até que eleitores de Marina e Dilma poderiam não saber usar a urna eletrônica. Entrevistam poucos bípedes, mas conversam muito com o "mercado". As Marias Antonietas estão perdendo a cabeça, e o povo já anda comendo brioches. Que assim continue, apesar da crise econômica no Sudeste. 
                           

 
      

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Não ao ódio e à intolerância

Premido pelo horário de fechamento da edição do jornal, escrevo esta coluna horas antes do último debate entre os candidatos a presidente. Corro o risco, por isso, de errar em alguma previsão pessoal do que será a eleição de domingo 26. Na hipótese de não ocorrer um fato bombástico, Dilma deve se reeleger com uma diferença em torno de 10% dos votos válidos. Considerando-se que se trata da mais disputada das eleições, pelo menos desde a redemocratização do país, urge tentar identificar o que, em tese, pode explicar a reviravolta em favor da candidata do PT. Antes, no entanto, miremos aspectos relevantes do que dizem os números dos principais institutos de pesquisa nos levantamentos dessa sexta-feira.
 
Aécio cai entre os eleitores das classes alta e média alta. Tinha 74% e 67% das intenções de voto, agora são 64% e 58%, respectivamente. Não é uma perda pequena, uma vez que nesses segmentos sociais encontram-se 30% do total de eleitores, o que representa para o candidato do PSDB uma perda de 2 dos 4 pontos de sua queda, por exemplo, na pesquisa do Datafolha. O tucano desliza para baixo, ainda, entre os mais ricos: tinha 21, agora são 19 pontos. Soma 14% entre os eleitores de condição financeira intermediária e 14% nos de renda mais baixa.
 
Segundo o Datafolha, isso indica que se Aécio tinha mais votos entre os pobres que Dilma entre os ricos, o que lhe assegurava a dianteira de duas semanas atrás, a situação agora se inverteu em favor de Dilma Rousseff. Nos três níveis do estrato (classe média alta, intermediária e média baixa) a candidata do PT soma, agora, 12, 17 e 24 pontos, respectivamente.
 
Esses resultados, mais a sua expressiva vantagem nas classes C e D, dão à Dilma Rousseff 53% das intenções de voto, contra 47% de Aécio Neves. Essa diferença, sabe-se, é maior segundo os números do Ibope, que dá à candidata à reeleição uma dianteira de 8 pontos. A menos de 48 horas da votação, momento em que produzo a coluna de hoje, reforço, ouso arriscar que Dilma Rousseff será reeleita nesse domingo 26.
 
Não desprezando o que é de fato mais relevante para a mudança de cenário, economia relativamente estável (só os economistas da pior imprensa dos países em desenvolvimento ou desenvolvidos insistem em negar), menor índice de desemprego em 12 anos, inflação sob controle, níveis de satisfação dos brasileiros em alta, programas vitoriosos de combate à desigualdade social, projeto de futuro mais exequível etc., sem contraditórios que mereçam um mínimo de credibilidade, na linha do que tem procurado fazer Aécio Neves, outros fatores não deixam de contar como explicação para a realidade eleitoral do país na reta de chegada. Vamos a eles.
 
- "Dilma!, vá tomar no c...!" (Expressivo número de ricos paulistas, no estádio do Corinthians, referindo-se à uma mulher, e presidente da República)
- "Fora Dilma. E leve o PT junto" (Adesivo odiento disputado entre os riquinhos de grandes cidades brasileiras, Fortaleza, por exemplo)
- "Gente que vota em Dilma porque pobres e desinformados!" (FHC, em entrevista à Folha de S. Paulo)
- "Por que não ocorre uma guerra ou o vírus do ebola não acaba com esses mortos de fome nordestinos?" (Mote paulista recorrente entre os militantes do PSDB nas redes sociais)
- "Candidata, a senhora é leviana, mentirosa!" (Aécio Neves, dirigindo-se a Dilma Rousseff em debate na BAND)
- "Vamos acabar com o PT e sua corja!" (Grito de guerra de militantes do PSDB Brasil afora)
 
Esses e outros fatos, que servem para evidenciar a truculência, a falta de discernimento político, de conteúdo ideológico, de tolerância com as diferenças, de compreensão dos valores fundamentais da existência humana, de densidade propositiva, de incapacidade para reconhecer avanços e conquistas etc., em alguma medida, explicam o que se confirmará amanhã. O não ao ódio e à intolerância vencerá.