sábado, 9 de junho de 2018

Do bisonho à grande arte


Sentava-me diante do computador para produzir a coluna semanal do jornal 'A Praça' e percebo, no monitor do celular, a mensagem de um amigo, cujo conteúdo, em palavras ligeiras, é este: -- "Agora entendo por que o Brasil é o único país em que professor vota em analfabeto" (sic).

O texto servia de legenda para um "infográfico" que destaca o Brasil  --- sem premiação --- entre os países agraciados com o prêmio Nobel. Ato contínuo, respondo: "Só mesmo num país em que Bolsonaro pode vir a ser eleito presidente pode-se considerar aceitável esse tipo de argumento.

Também médicos, cientistas, intelectuais de toda ordem e escritores brasileiros jamais foram contemplados com um Nobel, e, nem por isso, é aceitável ignorar que os temos da melhor qualidade, muitos com prestígio em meios acadêmicos dos EUA e da Europa.

Isso se confunde com a nossa história de atraso e pequenez assumida, algo como aquilo que o teatrólogo Nelson Rodrigues definiu como "complexo de vira-lata". A minha indignação, claro, é menos com o amigo, tolo, e mais com o conteúdo do post, contra o preconceito bisonho do que pretende ser uma reflexão inteligente e desinteressada. Concluo: O "analfabeto" a que tacanhamente o texto alude, devia-se saber, é doutor honoris causa em pelo menos 20 universidades, muitas europeias, entre as quais a Universidade de Coimbra, em Portugal, que tive a alegria de visitar há poucos dias. Por curioso, havia lá uma pixação: "Lula Livre!"

Mas era outro o assunto da coluna de hoje, ao qual me reporto agora.

A poucos dias do início da Copa do Mundo, visito a cidade russa de São Petesburgo, levado, devo dizer, pelo amor à cultura desse país imenso, por sua literatura, suas tradições nos campos da inteligência e da estética, seu teatro, sua Arte, enfim. Eis que deparo com uma cidade alucinantemente bela, com suas avenidas largas, seus numerosos parques povoados de árvores a perder de vista, monumentos e estátuas que são, antes de qualquer coisa, obras-primas da escultura imperial. Mas, acima de tudo, e na contramão daquilo para o que fui equivocadamente preparado, descubro-me diante de um povo simpático, atencioso e acolhedor.

Aqui está o Hermitage, um conjunto paladino que surpreende pela grandeza e suntuosidade, tendo como eixo central o Palácio de Inverno, admirável exemplar do barroco russo, antiga morada dos imperadores, ao redor de cujo edifício se estendem numerosas outras grandes construções, não menos suntuosas e belas, pontuadas todas pela harmonia de ritmos arquitetônicos e proporcionalidade. Aqui está, pois, um dos mais importantes museus do mundo, e aquele que abriga, de longe, o maior número de quadros de quantos museus existem. Aqui está, insisto, o Hermitage, ícone da cultura e orgulho de um povo que se notabiliza pela desmedida telúrica e pela capacidade de tudo transfigurar em tradição russa.

Para que se tenha uma ideia do que representa o Hermitage para o mundo artístico, não se sabe com exatidão quantas peças de arte existem no seu acervo. O folder que tomo nas mãos ao adentrar o museu, aponta para números impressionantes: em torno de três milhões de obras (você não leu errado, três milhões), da escultura egípcia sem datação possível às pinturas joviais e festivas do estilo rococó, de Jean-Honoré Fragonard e Antoine Watteau; da arte inglesa dos séc. XVI - XIX ao impressionismo francês, de Renoir, Cézanne, Monet, Manet; da Judite (princípios dos anos 1500), obra-prima do renascentista Giorgione (Giorgio da Castelfranco) à famosa O Jovem do Alaúde, de Michelangelo Merisi da Caravaggio, expoente da arte barroca italiana; de Dança, de Henri Matisse, às composições alegres de Vassili Kandinsky. 

Um pouco europeu, um pouco asiático, a um só tempo ocidental e oriental, aqui vive um povo diferenciado, que produz uma literatura soberba, um teatro que não tem par... e que renasce do que diziam cinzas, para se reafirmar como uma superpotência que o mundo por inteiro se vê na obrigação de respeitar.  

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

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