Eis que termina 2019. O saldo da conta, sabe-se, não é animador. O Brasil, mesmo a custo de conduzir a assustadora maioria de sua população para uma condição de pobreza quase irremediável, com os números de sua desigualdade social atingindo proporções desumanas, cresce um "tiquinho", e a redução dos níveis de desemprego se prende às demandas das festas de fim de ano, razão por que, certamente, voltarão a elevar-se já nos dois primeiros meses de 2020.
A corrupção, cujo combate foi a principal bandeira do atual presidente, não só continua a afligir o país: agora se alastra por diversos ministérios e acerta em cheio o clã de Jair Bolsonaro, com evidências de práticas de crimes do filho Flávio que se estendem da apropriação do dinheiro de seus funcionários na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, lavagem de dinheiro em imóveis e em lojas de chocolate, à manutenção de um a organização criminosa para qual, ainda em fase de investigação, apontam fortes indícios de envolvimento com o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
Ao lado disso, 2019 foi marcado do ponto de vista político por ações de perseguição às minorias, desmanche das instituições educacionais de níveis fundamental, médio e universitário; ataque à cultura em suas diferentes frentes --- cinema, teatro, artes visuais e música ---, com cortes irresponsáveis de recursos à produção de eventos e obras nas diversas linguagens estéticas.
A Secretária da Cultura, sucedânea do que foi um dia o Ministério da Cultura, tem a sua frente o terceiro titular desde janeiro (Roberto Alvim, a quem se deve a inaceitável referência à atriz Fernanda Motenegro pouco antes de assumir o cargo). Na mesma avalanche de desmandos e insensatez, figuras despreparadas e reacionárias, sem nenhuma história de relevo em suas áreas de atuação, foram indicadas para a Funarte, a Biblioteca Nacional e a Fundação Palmares.
Como nada é tão ruim que não possa piorar (com permissão para o uso do batido chavão), reeditando hediondos atentados da ditadura militar, coquetéis molotov são criminosamente jogados contra a sede do programa humorístico Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, num desfecho revoltante de um ano marcado pela intolerância e obscurantismo que, resta claro, apenas deixam evidenciadas as regras do que deverão ser as práticas bolsonaristas, em 2020, sempre que seu fundamentalismo religioso e seu nacionalismo fascistóide se sentirem contrariados.
Pautando suas ações entre janeiro e dezembro do ano que finda por uma cartilha esclerosada, incapaz de observar as mais elementares normas de conduta ética, de liturgia do importante cargo que ocupa, Jair Bolsonaro termina 2019 como o mais inoperante, autoritário, covarde e desumano dos governantes brasileiros desde a redemocratização do país.
Por último, na ausência de quaisquer sugestões que me façam encarar com entusiasmo o Ano Novo, reproduzo aqui a feliz ironia de Mariliz Pereira Jorge na edição de quinta-feira do jornal Folha de S. Paulo: "Mais três anos. Trinta e seis meses, 1.095 dias. Mais de 26 mil horas, aguentando com o fígado esse gente desqualificada que decide por um país inteiro. Meu palpite sobre 2020: será oh, uma bosta. Como nessa época sempre fico mais otimista, quero acreditar que serão só mais três anos. Longos e duros anos. Mas apenas mais três".