segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ano Novo, Ano Bom

Enquanto aguardávamos o momento da confraternização em família, à mesa do happy hour, ouço a declaração pessimista: - "Quanta hipocrisia!" O amigo fazia alusão aos cumprimentos, não raro mecânicos, com que pessoas às vezes estranhas desejavam-se feliz Natal. Ousei ponderar. Acho que a data, como que em milagre, opera transformações momentâneas nas pessoas. É como se, por instantes, o amor vencesse a desfaçatez. Por isso, em que pese entender o comentário feito meio que em protesto, prefiro crer na beleza desses dias do ano e na possibilidade (utópica?) de que os corações estejam de fato tocados pelos bons sentimentos.

Estamos a poucas horas da virada do ano. Acho que não há melhor oportunidade de fazermos uma reflexão sobre o ano que termina, que, sabemos, não terá sido muito bom para tanta gente. É claro que para muitos 2009 foi o ano em que se perdeu a chance tantas vezes sonhada, que o dinheiro não deu para a viagem que se quis fazer, que houve perdas, desilusões, que choveu em excesso aqui, que faltou chuva acolá, que o amor acabou etc. Mas chorar sobre o leite derramado, sobre o que poderia ter sido e não foi, sobre o que fizemos de errado... interessa tão-somente na medida exata em que puder contribuir para o nosso crescimento como pessoa. Só assim estaremos dando o primeiro passo para o desconhecido que vem com a passagem do ano, e que pode ser bom se nos entregarmos ao movimento das mudanças que se darão para melhor.

Decepções, fracassos, desencantos etc., são coisas naturais, que fazem parte da vida por inteiro, que ela não é só feita de graças. O amigo faltou, a namorada desistiu de tentar, o sonho da viagem não se tornou possível? Fazer o quê? Entregar-se à tristeza, à saudade que dilacera, à frustração que silencia a nossa capacidade de sonhar? Acho que a virada do ano traz consigo a possibilidade de sermos melhores, de darmos o troco ao que não deu certo nutrindo a esperança de que no Ano Novo haverá de dar, de conquistarmos novas amizades, de que o dinheiro, se bem gasto, poderá ser suficiente para aquela viagem com que você sonhou, de que a natureza seja mais generosa, de que surgirá o grande amor, de que poderá se dar o reencontro, de que tanta coisa boa está por acontecer. A vida é bailarina, já nos dizia o poeta, e nenhum ponto inerte anula o eterno viravoltear das coisas.

Que o Ano Novo venha cheio da sabedoria que nos faltou, da fé que não tivemos, da certeza de que Deus é bom e nunca faltará com aqueles que acreditam na eternidade de sua existência. Que o Ano Novo nos renove naquilo que ficou envelhecido, que se desgastou pelos tantos equívocos que cometemos, pelas faltas que poderíamos ter evitado, pela intolerância com que nos tratamos tantas vezes uns aos outros. Que o Ano Novo, de tão bom, seja o ano de nossas vidas!

Feliz 2010!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Natal

Enquanto sento diante do computador para escrever a coluna de hoje, ouço, vinda da tevê, a notícia hedionda: padrasto assume ter introduzido mais de quarenta agulhas em enteado de quatro anos. Queria escrever sobre o tema do Natal, uma vez que esta é a última edição do jornal antes da festa de nascimento do Menino-Jesus. Não saberia fazê-lo mais, é o que me passa pela cabeça neste instante. Numa data que mais alegra o coração das crianças, como será o Natal desse menino a quem se destinou tanto ódio, por que se fez dele o objeto de ação tão diabólica?

A cada Natal, vem com a lembrança da noite abençoada um pouco de crença na possibilidade de um mundo melhor, em que pese ter-se 'industrializado' tanto o que deveria ser a festa do amor desprendido, do amor desinteressado e gratuito. E como nos deixa desesperançado o gesto diabólico desse homem. Que o fez assim tão monstruoso, que força do destino moveu a mão criminosa com tamanha fúria? São perguntas que não querem calar no momento em que pensava poder produzir uma crônica sobre os bons sentimentos de que deveriam estar eivados todos os corações. E a realidade ceifa com um golpe certeiro toda a poesia, todo o encanto, toda a ternura com que viera escrever esta crônica.

Tenho a consciência de que o fato ocorrido com essa criança é apenas um dos muitos casos que parecem negar o significado do Natal. Peço desculpa se manifesto assim tão indignadamente a minha revolta contra tudo isto. A data deixa com efeito o coração da gente mais sensível. A cada ano, por força das transformações que a vida nos impõe, ficamos tristes e nostálgicos, cada vez mais voltados para o tempo que passou, e que nos pareceu melhor. Acontece de acharmos um ou outro Natal o mais sem cor desde muitos anos. Mas não podemos, quando isto acontece, deixar de crer na certeza de novas alegrias, coisas passageiras que chamamos felicidade. Vamos em frente, tirando dos escaninhos da alma as boas recordações.

Sobre o Natal, no que há de silencioso e solitário na vida de algumas pessoas, resolvi escrever o conto que segue:

Natal na Rua do Fogo

Desde que o marido morrera, havia muitos anos, dona Lili vivia na mais absoluta solidão. Dedicava-se, mal raiava o dia, a costurar na velha Singer. A rotina de sempre: receber clientes, cada vez mais raros nestes tempos de griffes, fazer a entrega das encomendas, comprar botão, zíper, tubos de linha, agulha, alfinete - "Se Deus quiser pago tudo depois das festas - dizia ao dono do armarinho, que a coisa melhora véspera do Natal e do Ano-Novo."

Todos os dias, à luz dos primeiros raios de sol, dona Lili arrumava a casa, o quintal e, zelosa, ia ao velho guarda-roupa de jacarandá organizar as gavetas do finado - o dourado da abotoadura esfregado no vestido para conservar o brilho. Com o desvelo das apaixonadas, dobrava cada gravata, cada cueca... E eram vinte e sete anos de viuvez!

No começo, passados os quatro ou cinco primeiros anos, as freguesas diziam que dona Lili haveria de achar um marido novo: - "Quarentona muito da bem-apanhada", brincavam.

Mas o tempo, tão afeito a surpresas, não trouxe surpresas para dona Lili. A vida-vidinha passando sem novidades, e com ela a beleza e o encanto da velha costureira, o verde dos olhos ainda chamando a atenção de todos. Não tivera filhos, e Maria, a empregada vinda das bandas do Quixelô, que fora a companhia de dona Lili anos a fio, voltara para os confins, desde que a catarata roubara-lhe dos olhos os derradeiros fiapos de luz.

Contudo, tendo como amiga a eterna solidão, dona Lili não maldizia a vida: - "É assim mesmo, até que Deus me leve outra vez para os braços de Murilo", que Murilo era como se chamava o marido de dona Lili.

Com a proliferação das butiques, as dificuldades aumentavam, as freguesas escasseando com o passar dos anos.

Hora existia na solidão de dona Lili, que lhe passava pela cabeça largar a velha Singer e tentar recomeçar a vida, balconista de loja de tecido, manicure, vendedora de produtos de beleza... Depois, recomposta a lucidez e a solenidade da velhice, dona Lili via com clareza que já não era tempo de recomeçar. E voltava, alfinete à boca, a dobrar o corte de fazenda de que surgiria o vestido de término de curso da filha de Zenaide, a mulher do tabelião, "tão exigente!", pensava com seus botões.

Dia após dia, a rotina era de tristeza e solidão na velha casa. Varrer, lavar, passar, fazer a comida e arrumar o guarda-roupa de Murilo, o dourado da abotoadura arrastado no vestido de organdi, para retomar o brilho.

Certo dia, véspera do Natal, à tardinha, banho tomado, a travessa azul segurando o penteado simples, o cheiro da alfazema a se espalhar no ar, dona Lili debruçou-se na pedra da janela para admirar o mundo. Ao longo da Rua do Fogo, que era o nome da rua em que dona Lili morava, as barracas de guloseimas, de bugingangas, de brinquedos baratos, fizeram-na lembrar que se comemorava o nascimento de Jesus, dali a poucas horas. E que a vida, no viravoltear das coisas e na repetida utopia dos homens, anunciava-se nova, porque era Natal.

Alforriando o olhar cansado para o além, dona Lili deixou-se transportar para os tempos ao lado de Murilo, a tão esperada missa-do-galo na Matriz, o calçadão da praça - o braço enlaçado à cintura do homem amado - e a sensação há tanto esquecida de que a vida pode ser feliz.

Exausta, que foram muitas as encomendas do fim de ano, dona Lili fechou lentamente a janela, percorreu, passo trôpego e tateando o ar, o corredor que levava ao quarto. Ainda uma vez, antes de deitar, dona Lili abriu a gaveta do guarda-roupa, reorganizou as gravatas, as cuecas, o pente, a navalha de barbear, a aliança de Murilo - "Ainda mando o relojoeiro tirar os riscos!" - o dourado da abotoadura contra o vestido, para reconquistar o brilho.

Sob o domínio da insônia, companheira de toda noite, dona Lili ainda pode escutar o pipocar das bombas, o badalar do sino da Matriz. E, antes de soprar a vela, bruxuleante sobre a mesa de cabeceira, como fazia há vinte e sete anos, antes de dormir beijou o retrato de Murilo.

Dessa vez, no entanto, dos olhos verdes de dona Lili, duas lágrimas, grossas e cristalinas, rolaram serenamente pelas maçãs do rosto.

Na manhã seguinte, a muito custo, conseguiu-se entrar na casa de dona Lili, onde a encontraram sem vida, em decúbito dorsal, o par de abotoaduras preso a uma das mãos, já endurecidas.

Ao enterro, rigorosamente contadas, compareceram dezoito pessoas - onze homens, seis mulheres e um menino.

Dizem que do interior daquela casa enorme e vazia, à meia-noite, por muitos anos, ouviu-se o barulho da velha máquina de costurar.






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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Do amor e outras crônicas - Intervenções

Nas livrarias a partir de hoje, Do amor e outras crônicas circulou por toda a semana passada 'informalmente' pela cidade e chegam comentários sobre o livro por e-mail, alguns dos quais tenho a motivação de responder neste espaço.

Leitora diz ter adorado o livro, mas observa ter "uma atmosfera triste e desencantada sobre o tema", o que afirma poder ser desinteressante para "os amantes mais felizes."

- Agradeço o comentário e concordo em parte. Acho que na nota do autor procurei explicar tal leitura dos relacionamentos, sem deixar de apontar para o lado bom e feliz dos mesmos. As crônicas pretendem explorar a face mais realista da vida amorosa, passada a fase de enamoramento que leva à equivocada impressão de que a felicidade é para sempre.

Uma outra elogia o trabalho e aplaude o que diz ser "o olhar do homem sobre questões tão femininas, algo não muito comum entre eles (sic)." Mas acrescenta: - "As mulheres sofrem muito mais que os homens e seu livro parece não levar isso em conta."

- Não percebi, acredite, que tenha estabelecido perspectivas de olhar sobre a dor decorrente das separações. Sendo mais claro: acho que homens e mulheres passam inevitavelmente por momentos de sofrimento quando o relacionamento acaba. O que é fato, quero crer, é que o rompimento vai doer muito mais em quem se sente preterido, independentemente de ser homem ou mulher. Ademais, cada um reage de forma diferente diante das turbulências, seja ele ou ela. Se você, leitora, exige de mim uma posição sobre ser um ou outro quem mais sofre nessas horas, penso mesmo que a mulher lida com mais equilíbrio com as dificuldades, as perdas, as desilusões passionais. O que não significa dizer que não sofra também. É que antes, antigamente, digamos, a decisão de terminar o relacionamento partia mais do homem. A mulher se submetia a relacionamentos falidos, renunciava ao direito de recomeçar sua vida sozinha e os casamentos, por exemplo, eram duradouros, para sempre, mesmo quando o amor deixara de existir ou mesmo nunca existira . Hoje, posso afirmar sem medo, os rompimentos decorrem em maior escala da decisão da mulher sobre continuar ou não o casamento, os namoros, as relações amorosas de qualquer ordem. Faz parte da sua bagagem de conquistas, da sua liberdade para decidir sobre a sua vida em todos os campos. O amoroso sobremaneira.

Ainda uma leitora diz que o livro é "pessimista e muito pra baixo, embora bem escrito e bonito (sic)."

- Com efeito o livro trata enfaticamente dos desencontros, o que me parece ser coisa recorrente em nossos dias. É ver por qual perspectiva é o amor cantado em prosa e verso na literatura, no cinema, no teatro, na música popular etc. Sem falar que poucas vezes dispensei ao tema a realidade da traição, do adultério, que, está no belíssimo "História do amor no Ocidente", de Denis Rougemont, confunde-se com a própria história do amor na cultura ocidental.

Por último, quero me referir a um comentário sobre o texto propriamente dito. Diz uma leitora: - "Embora já conhecesse suas crônicas do blog, li o seu livro e gostei muito. Tenho recomendado para as amigas. Como fazer para adquiri-lo.

- Que bom que você gosta do meu texto. É uma coletânea de crônicas tiradas do blog, de fato, o que dá ao livro um jeito de coisa mal alinhavada e, como digo na nota do autor, canhestra. É uma tendência que vem se afirmando na literatura de hoje, textos ligeiros, um tanto 'marginais', destituídos do bom acabamento da literatura 'maior'. Quanto ao que fazer para comprá-lo, está a partir de hoje na livraria Siciliano do Shopping Deo Passeo" e, na semana que vem, na Saraiva do Iguatemi. E, em meados desta semana, na Sicialiano da Santos Dumont. Obrigado pela divulgação.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Almodóvar

Não tive tempo de assistir ao último filme de Almodóvar, em cartaz há dois ou três dias em Fortaleza. Entre amigos, comentava com entusiasmo: - "Vou ver Almodóvar amanhã." E M., respeitado amante da sétima arte, dispara: - "Um chato!" Como quisesse que justificasse o rótulo peremptório, tergiversou: - "Muito mexicano para o meu gosto." Referia-se, depreciativo, à linhagem mais cult do cinema espanhol, um tanto preso à realidade de um povo marcado culturalmente, o que se faz notar nos perfis psicológicos das personagens de Almodóvar. Visão de superfície. Penso que o cineasta espanhol está para além dessas delimitações. Aliás, considero-o um dos artistas da hora mais universais na abordagem dos grandes conflitos de nosso tempo. Arrisco afirmar que existe em Almodóvar algo de Bergman, guardadas as diferenças da análise psicológica que move um e outro.

Explico-me: acho que Bergman sobressai pela abordagem quase existencialista dos dramas humanos, da consciência de que estamos todos condenados ao pesadelo da desesperança, onde a morte põe em relevo o não sentido das coisas. É aí, quero crer, que me parece possível a comparação entre artistas tão 'pessoais'. Talvez essa proximidade esteja nas diferenças já conhecidas da vida de um e outro. Bergman teve uma vida 'sueca', tome-se o adjetivo pela condição social que lhe assegurou tranquilidade para estudar a sua arte e compreendê-la intelectualment desde os primeiros passos. Privilégio que não teve Almodóvar, filho de uma família extremamente pobre, que sequer pode ser um frequentador assíduo dos cinemas.

Que os aproxima, então? O fato de que as grandes dores, se por um lado estão sempre associadas às condições sociais em que vive o homem, por outro independem dessa realidade, são consequências naturais do próprio existir de cada um de nós. Como não perceber isto em filmes como Fale com ela ou Volver, para me reportar a dois grandes momentos de Almodóvar? Quem, além de Bergman (ou Antonioni) fixou com tamanha atenção as grandes indagações existenciais que permeiam a história dos homens? Acho que não é atrevido defender essa depreensão dos conflitos do homem, da mulher, notadamente, nas obras gigantescas do sueco e do espanhol. Por isso me fascinam os filmes de Almodóvar, pelo que revelam, exploram, discutem sobre dramas tão rotineiros de nossas vidas. De forma visceral, verossímil, assumidamente real.

Que seja muito 'mexicano' para seu gosto, amigo M., admito. Mas vou ver Almodóvar amanhã.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As time goes by

Leitor comenta crônica que publiquei sobre Casablanca e discorda de que a cena final do filme seja a mais bonita. Gosto à parte, faz referência à cena em que Laszlo, ao ver soldados cantarem o hino da Alemanha, manda que a orquestra do Rick's Bar execute a Marselhesa, que, a uma só voz, é entoada pelos franceses que ali se encontram. De fato emocionante, esta cena é o outro grande momento do filme Michael Curtiz.

Acho, contudo, que a cena final de Casablanca diz mais do enredo do filme, a história de amor que envolve Ilsa, Rick e Laszlo. A propósito, uma outra cena é particularmente tocante. Refiro-me ao encontro de Ilsa e Rick, quando fica evidenciado que os ex-namorados continuam apaixonados. Ao deparar com Ilsa, Rick manda que o pianista Sam toque a belíssima As Time Goes By, música que marcara o seu romance com Ilsa em Paris:

Você precisa lembrar disso:
Um beijo é sempre um beijo
Um gesto de emoção.
Coisas marcantes acontecem
Enquanto o tempo passa.

E quando dois amantes
Declaram que se amam
Esteja certo
Que o futuro não importa
Enquanto o tempo passa.

Os luares e as canções de amor,
O ciúme e o ódio
Que movem os corações apaixonados.
Tudo tem seu tempo.
A verdade é que
O homem e a mulher
São partes um do outro.

Esta história é a mesma velha história:
Na luta pelo amor e pela glória
Se ganha aqui, se perde ali.
O mundo sempre vai censurar os amantes
Enquanto o tempo passa.

A licenciosa tradução que apresento acima para As Time Goes By dá uma demonstração da força poética de Casablanca. Um filme inesquecível sobre o amor e seus desencontros. Vale rever.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Casablanca

A cena final de Casablanca é sem dúvida uma das mais bonitas do cinema. Como nem todo leitor desta coluna terá visto o filme - e os que o viram talvez não recordem dele amiúde -, sinto-me motivado a (re)contar o que me parece essencial na história, que se passa nos anos 40 do século passado.

Vencedor do Oscar de 1943 como melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro, Casablanca se passa no Marrocos, à época uma possessão francesa em que aportavam aqueles que queriam fugir dos horrores da Grande Guerra rumo à América. Era uma travessia complicada: em sua grande maioria, os refugiados partiam de Paris, seguiam para Oran, na Argélia, e de lá para Lisboa, de onde era possível o sonho de chegar à América. O sucesso dessa empreitada, como é comum em tais circunstâncias, envolvia corrupção da polícia. O clima era terrificante e os que não tinham dinheiro esperavam meses até obter seus vistos de saída.

Nesse cenário de angústia e medo, pois, se passa essa belíssima história de amor, um triângulo entre Ilsa (interpretada pela estonteante Ingrid Bergman em momento culminante de sua carreira), Rick, seu ex-namorado, e seu marido Victor Laszlo. O filme, em flashback, dá-nos a conhecer o romance de Ilsa e Rick. Os dois têm de deixar Paris com a invasão dos alemães, mas Ilsa, na hora do embarque, não aparece, enviando para Rick um bilhete de despedida. Algum tempo depois, já casada com Laszlo, Ilsa chega a Casablanca e depara com seu ex-namorado Rick. A cena transcorre no Rick's Bar. O filme coloca, assim, as primeiras reflexões sobre o amor: pode-se amar duas vezes a mesma pessoa? Ou o amor de Ilsa jamais morrera? O que justifica, então, não ter partido com Rick de Paris? Já existira Laszlo em sua vida? Que bela trama, tão simples e ao mesmo tempo tão complexa.

É antológica a fala de Rick na cena em que Ilsa apresenta-o a seu marido dizendo conhecê-lo de Paris. Na contramão do que se diz sempre sobre os homens, que nada lembram dos encontros amorosos, Rick diz: - "Eu me lembro de todos os detalhes. Os alemães vestiam cinza e você azul." Noutra cena emocionante, Ilsa pede a Rick os vistos de saída para que possa salvar Laszlo. Num rompante da paixão, Ilsa e Rick abraçam-se e decidem partir juntos. A proxima-se a cena final de Casablanca, que disse considerar uma das mais bonitas do cinema.

No aeroporto, minutos antes da partida, encontram-se Ilsa, Lazslo e Rick. São dois os vistos e alguém terá de ceder. Numa atitude estóica, que arrebata os espectadores dessa obra grandiosa, Rick abre mão do seu amor por Ilsa em favor de Laszlo. Tomada de paixão pelo ex-namorado, Ilsa indaga: - "E nós, Rick?" E ele, do alto de sua dignidade, desfecha: - "Nós sempre teremos Paris." Arrepiante.

Acho que esta cena, na simplicidade de seus recursos, reedita de forma tocantemente poética a história de tantos amantes. Quantas vezes na vida temos de renunciar a um grande amor. Na dilacerante dor de tantas decisões, quantas vezes temos de sacrificar um grande amor. O amor de Rick transforma-se, na gratuidade de um instante, na memória dolorosa dos momentos felizes. Na vida de todos nós, aqui e além, o amor está condenado a ser apenas uma bela recordação. Mas como dói!






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