quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Almodóvar

Não tive tempo de assistir ao último filme de Almodóvar, em cartaz há dois ou três dias em Fortaleza. Entre amigos, comentava com entusiasmo: - "Vou ver Almodóvar amanhã." E M., respeitado amante da sétima arte, dispara: - "Um chato!" Como quisesse que justificasse o rótulo peremptório, tergiversou: - "Muito mexicano para o meu gosto." Referia-se, depreciativo, à linhagem mais cult do cinema espanhol, um tanto preso à realidade de um povo marcado culturalmente, o que se faz notar nos perfis psicológicos das personagens de Almodóvar. Visão de superfície. Penso que o cineasta espanhol está para além dessas delimitações. Aliás, considero-o um dos artistas da hora mais universais na abordagem dos grandes conflitos de nosso tempo. Arrisco afirmar que existe em Almodóvar algo de Bergman, guardadas as diferenças da análise psicológica que move um e outro.

Explico-me: acho que Bergman sobressai pela abordagem quase existencialista dos dramas humanos, da consciência de que estamos todos condenados ao pesadelo da desesperança, onde a morte põe em relevo o não sentido das coisas. É aí, quero crer, que me parece possível a comparação entre artistas tão 'pessoais'. Talvez essa proximidade esteja nas diferenças já conhecidas da vida de um e outro. Bergman teve uma vida 'sueca', tome-se o adjetivo pela condição social que lhe assegurou tranquilidade para estudar a sua arte e compreendê-la intelectualment desde os primeiros passos. Privilégio que não teve Almodóvar, filho de uma família extremamente pobre, que sequer pode ser um frequentador assíduo dos cinemas.

Que os aproxima, então? O fato de que as grandes dores, se por um lado estão sempre associadas às condições sociais em que vive o homem, por outro independem dessa realidade, são consequências naturais do próprio existir de cada um de nós. Como não perceber isto em filmes como Fale com ela ou Volver, para me reportar a dois grandes momentos de Almodóvar? Quem, além de Bergman (ou Antonioni) fixou com tamanha atenção as grandes indagações existenciais que permeiam a história dos homens? Acho que não é atrevido defender essa depreensão dos conflitos do homem, da mulher, notadamente, nas obras gigantescas do sueco e do espanhol. Por isso me fascinam os filmes de Almodóvar, pelo que revelam, exploram, discutem sobre dramas tão rotineiros de nossas vidas. De forma visceral, verossímil, assumidamente real.

Que seja muito 'mexicano' para seu gosto, amigo M., admito. Mas vou ver Almodóvar amanhã.

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