sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A atualidade de Graciliano Ramos

Na edição de quinta-feira 27, a Folha de S. Paulo publicou um belo texto do escritor Sérgio Rodrigues intitulado o ressentimento será sua ruína. Nele, o autor de O Drible e Viva a Língua Portuguesa, traz a lume uma oportuna reflexão sobre a atualidade do romance São Bernardo, do alagoano Graciliano Ramos, tomando por base o Brasil contemporâneo, em que pontuam o que algo em torno de trinta por cento dos brasileiros não enxergam ou fingem não enxergar, por inocência, conveniência ou falta de vergonha: o país está sendo governado pelo que existe de pior em termos morais, não bastasse o que há de chucro por trás das práticas gerenciais que levam o país, e aí vem o que o próprio título do texto deixa explícito, à mais absoluta ruína.

Como é vocação deste escriba enveredar, sempre que possível, pelo campo estético (Da arte e outras questões é como se define este espaço no jornal), concluí a leitura do texto de Rodrigues fazendo, ainda na cama, onde leio os jornais a cada manhã, ponderações sobre o livro antológico do autor de Vidas Secas --- e da força que possui a literatura enquanto obra de arte como um todo.

Lançado em 1934 e adaptado de forma extremamente bem sucedida para o cinema por Leon Hirszman em 1971, São Bernardo é obra polifônica, marcada pelo ritmo psicológico, em que pese ser estruturado a partir do que se convencionou chamar de tempo cronológico, isto é, aquele tempo que obedece à lógica do relógio, o que se pode observar nas recorrentes referências ao passar dos dias e das horas. Este aspecto, pois, dá ao romance uma certa dubiedade: é romance, a um só tempo, de extração temporal e psicológica, registrando os vícios de um Brasil agrário e atrasado, em que os interesses é que ditam as regras do jogo, bem na linha do que ainda se vê, apesar da maquiagem que dá ao país uma aparência de modernidade: Paulo Honório, personagem central do livro, é o típico brasileiro que enriquece por força de seu oportunismo e práticas de violência que lembram à perfeição os milicianos que governam o país. Mas, como sugeri antes, a obra de Graciliano dá um salto do regional e datado para o universal, do social para o psicológico, explorando os conflitos mais profundos do homem diante do dilema hamletiano do ser ou não ser. Paulo Honório escreve a sua própria história, real e ficcional, livro dentro do livro, através de cujo artifício se pode perceber o confronto do bem contra o mal que é mesmo a espinha dorsal do romance. Casado com Madalena, mulher sensível e cultivada, Paulo Honório se vê diante de uma realidade pontuada pela contradição, a do capitalista sem pudor que é, que não mede os meios para conseguir a ascensão social num país em que o ter espezinha o ser, e a da esposa, inconformada com os mecanismos de exploração por que o marido orienta o seu dia a dia na fazenda São Bernardo, adquirida com o dinheiro espúrio da agiotagem.

Mas o romance de Graciliano Ramos é muito mais que isso. A relação de Paulo Honório com Madalena apodrece, ainda, por outras razões: seres assim tão diferentes, marido e mulher vivem em dois mundos, mesmo fincados fisicamente diante de uma só realidade. Não tarda, pois, a surgir o ciúme doentio que leva Paulo Honório a ver na mulher uma ameaça. Inicialmente a acusa de "comunista", para depois escorregar pelo despenhadeiro da desconfiança mórbida rotulando-a de adúltera. De livro emblemático da literatura regionalista dos anos 1930, São Bernardo redimensiona-se, ganha em profundidade psiquiátrica, revelando a face dostoievskiana de Graciliano Ramos, bem na perspectiva do que fará, de forma mais assumida, em outro de seus grandes romances: Angústia (1936).

A grandiosidade de São Bernardo, diga-se em tempo, ainda permite outra leitura: nele, está a metáfora do choque entre dois modelos de sociedade: a do capitalismo contra o socialismo.

Deixemos isso de lado, todavia, antes que me tachem de comunista. Por enquanto, apenas recomendemos a leitura deste grande livro.

P.S. Preso como comunista, em 1936, embora sua filiação ao Partido tenha se dado anos depois, Graciliano Ramos morreu em 1953, pobre e ainda pouco reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos.  

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

80 anos do assassinato de Leon Trotski

Há exatos 80 anos, era assassinado no México Lev Davidovitch Bronstein, ou simplesmente Leon Trotski, um dos nomes de maior destaque da Revolução Russa. Líder e teórico político de reconhecida competência, Trotski é autor de importantes textos, que vão do memorialismo, a exemplo de sua excelente autobiografia, Minha Vida (1930), à História da Revolução Russa, produzida entre 1930 e 1932.

Natural da Ucrânia, mais precisamente da cidade de Yvanovka, Leon Trotski nasceu a 7 de novembro de 1879. Já muito jovem ingressa na atividade política, funda a União dos Operários do Sul da Rússia, organização de esquerda em que se notabiliza por seu discurso desconcertante e uma refinada compreensão das ações coletivas por que orientaria mais tarde a primeira tentativa de revolução socialista, em 1905, e, posteriormente, as revoluções de fevereiro e outubro de 1917, ladeado por Vladimir Ulianov, o Lênin (1870-1924), e  J. Stálin (1878-1953).

Ideólogo e responsável pela elaboração da Teoria da Revolução Permanente, em que professa a necessidade de se transformar a revolução liberal-burguesa numa ação globalizante, embora nascida no contexto de uma sociedade agrária e atrasada como a Rússia de início do século 20, numa leitura teórica que se afasta sob alguns aspectos do pensamento de Marx e Engels, para quem a revolução só seria possível na perspectiva de uma sociedade industrial, como a da Alemanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos, Trotski passa a ser considerado um traidor do marxismo, perseguido por Stalin e alvo de recorrentes atentados que culminariam com o seu assassinato em 21 de agosto de 1940.

É dessa fase pós-revolucionária, notadamente a partir de 1930, que Trotski escreve muitos dos seus textos definitivos. Em Minha vida, por exemplo, sua notável autobiografia, deparamos com um texto de qualidade literária que vai muito além do simples memorialismo, constituindo um documento profundo e extremamente bem escrito. Na mesma linha, preservados os critérios historiográficos, lega-nos uma das mais belas páginas acerca da Revolução Russa. Versátil na construção do pensamento crítico, escreveria, ainda, sobre cultura e arte, com destaque para o inigualável Literatura e Revolução, este no início dos anos 20.

Decorridos 80 anos de seu assassinato, revisitar a história de Leon Trotski, bem como dedicar-se a ler algumas de suas obras, com destaque para os livros aqui mencionados, é mais que oportuno, num mundo em que se fazem perceber, no Brasil e no mundo, como cancros de uma sociedade gravemente "adoecida", as monstruosas contradições do modelo capitalista. Desses, são mais que recomendadas as edições da Editora Sundermann, de 2017, quando das comemorações do primeiro centenário da Revolução Russa.

 

Inês é morta

Sabe aquela delação do Palocci liberada para divulgação, por Sérgio Mouro, a seis dias da eleição, com a finalidade de ajudar Bolsonaro a ganhar a eleição, tornar-se ministro da Justiça e ser indicado para o STF... Que a Folha de S. Paulo estampou com destaque na primeira página do jornal... Que a revista Veja publicou como matéria de capa... Que a Globo explorou por um quarto de hora no JN... Que os grã-finos do Meireles foram à Praça Portugal festejar... Que centenas de milhares de babacas da classe média alardearam como a prova definitiva de que o ex-presidente Lula era ladrão? Pois é... Era tudo coisa retirada da internet, fake, agora desmentida pelas investigações e arquivada como acusações sem fundamento feitas ao sabor de conchavos inconfessáveis. Brasilllllllll!