quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A luz e a escuridão

Desde pelo menos a segunda metade do século XVIII, mais precisamente nos anos que se seguiram a 1780, quando se pode testemunhar o ápice do Iluminismo e do ativismo do que os alemães chamavam de Aufklärung, isto é, a defesa da ciência e racionalidade crítica, contra a religiosidade ingênua, a superstição e os dogmas impostas pelo ideário de diferentes igrejas, pensava-se na política como caminho para a conquista das liberdades individuais e os direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso do poder.

É espantoso o que se vê no Brasil hoje, pelo menos a concluir pelo protagonismo que a grande imprensa confere ao que se define, de forma vaga e generalizada, como "evangélicos", nas eleições que se avizinham. Na contramão de qualquer lógica, mesmo a de natureza numérica, pois que os evangélicos representam algo em torno dos 31% dos brasileiros ante os 50% dos católicos, é como se o segmento (embora importante e digno da melhor atenção), fosse determinante numa campanha em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera com folga todas as pesquisas de opinião nos últimos sete ou oito meses.

Não se leia no que vai escrito, claro, que o candidato do PT possa, sob qualquer aspecto, descuidar do discurso em relação aos evangélicos, aos quais, é sabido, dedicou, em dois mandatos, o respeito e a atenção de que são merecedores, assim como o são os católicos e os identificados com religiões de matriz africana, os espíritas, os agnósticos e ateus. Não se trata, pois, de traçar um projeto que observe a fé religiosa como algo a ser colocado acima ou abaixo do conjunto de deveres do Estado para com o cidadão.

O que se quer, ou se deveria querer, é que a questão religiosa ocupe na cena da política nacional a dimensão que lhe é devida. Afinal, a sociedade moderna e a teoria crítica no pensamento contemporâneo são herdeiros do Século das Luzes nesse sentido: a razão é o caminho pelo qual o homem busca a sua plenitude, e essa é uma conquista que cabe ao Estado lhe assegurar através de governantes escolhidos pelo povo em eleições livres, transparentes e seguras, a exemplo do que, para o nosso orgulho, tornou-se realidade no Brasil com o voto secreto em urnas eletrônicas.

Quanto à filosofia iluminista em si, no que diz respeito à questão ora explorada no presente texto, com a rapidez e a superficialidade do que é possível nos limites de uma coluna de jornal, valho-me das palavras premonitórias de Voltaire no verbete sobre Deus do seu Dicionário filosófico: "Ano a ano o fanatismo que se espalhou pela Terra recua em suas explorações detestáveis (...) Se a religião já não faz nascer guerras civis, é apenas à filosofia que o devemos; as disputas teológicas começaram a ser vistas da mesma forma que as brigas de João e Maria na feira. Uma usurpação odiosa e ofensiva, fundada por um lado na fraude e por outra na estupidez, está sendo, a cada instante, minada pela razão, que está criando o seu reinado".

Diante do que tem norteado os noticiários brasileiros, ainda quando se tratando dos maiores, a exemplo do jornal Folha de S. Paulo e da rede Globo de televisão (os comentaristas da Globonews, à exceção de Fernando Gabeira, são panfletários nesse sentido), Voltaire haveria de enrubescer seu avantajado nariz.

Em outros países em que são numericamente dominantes os cristãos*, como os Estados Unidos, de Thomas Jefferson a Joe Biden, a determinação iluminista de separar Igreja e Estado é uma premissa inarredável. Imposições igrejeiras, de qualquer matriz, são garantia de tiranos. E tirania, para a Alfklärung ou qualquer vertente do "esclarecimento", é um anátema a ser condenado e combatido.

Acenda-se a luz ou morreremos "de" escuridão.

*Pesquisas recentes apontam equivalência quantitativa entre evangélicos, católicos e ateus nos EUA.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Farinha do mesmo saco

Ao sentar-me diante do computador para escrever a coluna desta quinta-feira 18, ocorreu-me lembrar da frase atribuída ao escritor americano Mark Twain: "A História não se repete, mas rima por vezes". É o que concluo ao acompanhar através da imprensa o movimento das Forças Armadas com relação ao 7 de setembro que se avizinha.

No ano em que se comemoram os 200 anos de nossa Independência, mais que nunca era de se esperar um desfile cívico marcado por ações de cunho solene e celebratório, mesmo que o país se encontre na situação difícil em que se encontra, com índices sociais que beiram o inacreditável. Nunca é muito lembrar que existem hoje no Brasil 33 milhões de famintos.

Na contramão dessa expectativa, no entanto, leio nos jornais o que seria impensável num país minimamente respeitoso para com a sua História, tenha sido ela bem ou mal contada na perspectiva do discurso oficial. Seja como for, a data assinala o simbolismo de nossa libertação, pelo menos no que diz respeito aos primeiros vínculos de dependência a outra Nação; no caso, Portugal, a partir do que se convencionou chamar romanticamente de Grito do Ipiranga: "Exército cancela desfile e estará apenas em ato bolsonarista no 7 de setembro no Rio".

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, "O anúncio atende aos desejos de Bolsonaro, que enfrentava (frise-se) resistência do Alto Comando do Exército. Além da força terrestre, o presidente já havia determinado a participação da Marinha e da FAB (Força Aérea Brasileira), no ato na orla carioca".

Num trocadilho de quinta, pode-se dizer: 'Uns querem. Outros, não. Mas, no fundo, todos querem.'. Não importam os meios...

Aqui entra a frase atribuída a Twain. Nos manuais de literatura, entende-se por "rima" a repetição de sons iguais ou similares, quer vogais ou consoantes, quer a combinação delas em uma ou mais sílabas, usualmente acentuadas e ocorrendo em intervalos determinados e reconhecíveis", para citar a famosa definição de Babette Deutsch. A metáfora do escritor americano equivale a afirmar, portanto, que a História se não se repete com rigor, ecoa aqui e além, como as sonoridades de um poema, fatos que marcaram o seu desenrolar.

A exemplo do que se vê hoje na perspectiva de um golpe improvável, por força da mobilização da sociedade civil organizada, também em 1964, e nos anos que se seguiram, a oficialidade mostrava-se dividida. É ler os bons autores sobre o período, a exemplo de Elio Gaspari e Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, para constatar a "rima".

Moniz Bandeira, em livro notável sobre o período, afirma com clareza: "Os militares vinculados ideologicamente à antiga 'Cruzada Democrática' foram os que então se apossaram do poder e, sagrando o putsch como 'Revolução Democrática' ou 'Revolução Redentora', recorreram aos métodos de guerra civil para destruir a oposição e esmagar toda e qualquer forma de resistência".

Na outra ponta, ainda citando Moniz Bandeira, "... os generais Olympio Mourão Filho, Augusto Cézar de Castro Moniz de Aragão e Justino Alves Bastos, entre outros, julgavam que Castelo Branco não enfrentava com a necessária energia os problemas políticos e, como parte do oficialato, também se opunham ao programa econômico e financeiro, de caráter liberal, implementado pelo embaixador Roberto Campos, ministro do Planejamento, e por Octávio Gouveia de Bulhões, ministro da Fazenda, de conformidade com as diretrizes e os interesses de Washington e do FMI".

A juntá-los, como farinha de um mesmo saco --- para além da preguiça histórica e do apego à boquinha, que, também agora, colocam do mesmo lado fundamentalistas do bolsonarismo-raiz e "resistentes" aos arroubos do atual presidente ---, o poder. Entenda-se, com isso, a reeleição de Jair Bolsonaro.

Assim, nos 200 anos da Independência, o 7 de setembro será comemorado com um comício gigantesco em Copacabana, ainda que contra a democracia e o Estado democrático de Direito.

Na literatura, costuma-se dividir a rima quanto à natureza, quanto ao acento, quando à qualidade e quanto à disposição. Na política, não é muito diferente.

Mark Twain tinha razão.  

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Um cidadão brasileiro (II)

Como ocorreria a outros tantos intelectuais e artistas, entre 1964 e 1985, período em que durou a ditadura militar, Caetano Veloso não raro seria considerado de esquerda pelos conservadores, e de direita pelos militantes da esquerda. Incompreendido, jamais abriria mão de pensar livremente o país. Como uma personagem saída de um romance de Dostoiévski, acreditou sempre que a beleza haverá de salvar o mundo.

Já no álbum de estreia, de 1967, derramava-se em lirismo na belíssima canção Avarandado, mesmo o país estando no ápice da repressão: "Cada palmeira da estrada/tem uma moça recostada/uma é minha namorada/e essa estrada vai dar no mar//Cada palma enluarada/tem que estar quieta parada/qualquer canção quase nada/vai fazer o sol levantar/vai fazer o sol nascer//Namorando a madrugada/eu e minha namorada/vamos andando na estrada/que vai dar no avarandado do amanhecer/no avarandado do amanhecer".

A beleza, como disse, a salvar o mundo.

A voz doce, irrepreensivelmente afinada, no ritmo de acordes ao mesmo tempo sofisticados e simples, observando o desenho limpo da música, o jeito de cantar de Caetano, doce e calmo, como que anunciava o encontro consagrador com outro baiano que exercera sobre ele reconhecida influência: João Gilberto.

O encontro, aliás, dar-se-ia em agosto de 1971, sob as bênçãos de Fernando Faro, respeitado produtor de rádio e televisão a quem coube programar o momento histórico. Em seu último livro, dedicado a João, Amoroso: Uma biografia de João Gilberto, lançado pouco depois de sua morte, em 4 de outubro de 2020, Zuza Homem de Mello assim descreve o encontro: "Às seis da tarde de um sábado de agosto de 1971, estavam todos reunidos no estúdio das Emissoras Associadas no Sumaré, esperando João para o que seria uma espécie de ensaio para a gravação de domingo, quando Caetano chegaria. Passou-se meia hora, uma hora, uma hora e meia, duas horas, e nada de João. Alguns não aguentaram e desistiram, exceto Augusto de Campos e Pica Pau, que não queriam perder a oportunidade de rever João".

Com atraso, como não seria incomum em se tratando do criador (?) da bossa nova, João, Caetano e Gal acertaram detalhes da gravação, passaram a música e, no domingo, entraram no estúdio para realizar a gravação. Estava selada uma amizade que daria novo brilho à MPB.

Incontornável, é de 1967 a música Tropicália, verdadeiro manifesto do movimento que marcaria o início de profundas transformações na arte brasileira, e cujas raízes, nomeadamente presas ao movimento modernista de 1922, reeditam a antropofagia de Oswald de Andrade.

O nome, inspirado em importante exposição do artista plástico Hélio Oiticica, por si só remete ao que a letra professa, a multiplicidade cultural do Brasil, suas contradições doces ou amargas, sua cordialidade mal compreendida, sua identidade cercada de diferentes vozes, gestos, cores e ritos: "Sobre a cabeça os aviões/sob os meus pés os caminhões/aponta contra os chapadões/meu nariz". A dizer das oscilações de humor do brasileiro, da complexidade de seu caráter indefinível, os versos remetem ao dia a dia do brasileiro ao sabor das injunções de momento: "Domingo é o fino da bossa/segunda-feira está na fossa/terça-feira vai à roça/porém".

À altura de seus 80 anos, Caetano Veloso vem a público com um disco notável, irreverentemente intitulado "Meu Coco", décimo terceiro álbum de uma carreira irretocável do ponto de vista estético. E foi o próprio artista a reconhecer a retomada do tema mítico da miscigenação, afirmando em uma entrevista que "Meu Coco é uma música que rediz algumas coisas que venho dizendo ao longo de décadas". Mas 'redizer', em se tratando de Caetano Veloso, não é repetir. Há no disco uma forma nova de cantar, a exemplo das modulações de voz e falsetes estilizados, pontuando a expressividade rítmica e melódica da música, e da poesia que explode em versos dissonantes cada vez mais trabalhados. Se o tema da mestiçagem constitui o eixo de discussão, ainda um tanto quanto exaltado, a veia crítica pulsa com uma intensidade revigorada: "Somos mulatos híbridos e mamelucos/E muito mais cafuzos do que tudo mais/O português é o negro dentre as eurolínguas/Superamos cãibras, furúnculos, ínguas/Com Naras, Bethânias e Elis/faremos o mundo feliz/Únicos, vários, iguais".

Assumindo-se mais à esquerda, politicamente falando, Caetano Veloso abre a voz com a força de antes, mas o esteio de sua narrativa é muito menos do poeta de Avarandado e mais do de Podres Poderes e de Gente, composição dos anos 1970 que retoma em atos de protesto com renovado entusiasmo: "Gente é pra brilhar/não pra morrer de fome".

Mas falar, no exíguo espaço de uma coluna de jornal sobre a obra de Caetano Veloso, é misto de fascínio e insensatez (pelo que me desculpo), leve-se em consideração tratar-se de um dos mais prolíficos e versáteis artistas do Brasil e do mundo, com uma produção tão vasta e tão diversificada que nem mesmo o espaço da academia, as dissertações de mestrado, as teses de doutorado, os artigos de fôlego, os livros e as conferências de feitio intelectual foram capazes de esgotar. Há muito a dizer e explorar da sua obra e da sua presença inclassificáveis na extensão desses muitos e muitos anos de arte e inteligência de que os brasileiros 'devemos' nos orgulhar.

 

 

 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Um cidadão brasileiro (I)

Era início da década de 1980. Eu integrava o elenco da peça A Noite Seca, de Geraldo Markan, com direção de Guaracy Rodrigues. Interpretava o Pe. Hipólito, Fernando Piancó o outro. No hall de entrada do Theatro José de Alencar, protestávamos com uma vigília contra a interdição da peça, exatamente no dia de sua estreia.

Enquanto isso, a significativa distância dali, no velho Centro de Convenções, um artista consagrado interrompia o script de seu show importante para ler nossos nomes a um auditório lotado, em plena Ditadura Militar. "Minha solidariedade aos artistas da peça A Noite Seca, impedidos de mostrar sua arte por uma Censura ridícula, burra, uma Censura sacana! Sa-ca-na!"

Seu nome: Caetano Veloso.

Pouco mais de uma década antes, mais precisamente em 1969, este mesmo artista, cujo gesto de respeito e solidariedade para com artistas anônimos dava bem a dimensão do seu caráter e do seu compromisso com a liberdade, após uma apresentação de despedida no Teatro Castro Alves, em Salvador, era obrigado a deixar seu país e partir para o exílio.

Da reclusão, dias antes, retirara inspiração para compor uma de suas obras-primas: "Quando eu me encontrava preso/na cela de uma cadeia/foi que eu vi pela primeira vez/as tais fotografias/em que apareces inteira/Porém não estavas nua/e sim coberta de nuvens".

Jogando com a polissemia do léxico, diria pouco depois: "Eu agora também vou bem, obrigado. Obrigado a ver outras paisagens, senão melhores, pelo menos mais clássicas, e, de qualquer forma, outras".

E, mais adiante, (...) Pela primeira vez eu me sinto num país exterior. (...) Eu atravesso as ruas sem medo, porque eu sei que eles são educados e deixam o caminho livre para eu passar. Mas eu estou aqui, e não tenho nada com isso".

"I'm wandering round and round/Nowhere to go/I'm lonely in London..."

Eu vagueio pela cidade sem destino. Estou sozinho em Londres, diria em letra de música antológica, London, London, na qual expõe sua angústia diante da solidão londrina, ainda que em companhia da mulher Dedé Gadelha e do amigo, também perseguido pelo Regime, Gilberto Gil: "I know no one here to say hello", Eu sei não existir ninguém a quem dizer Alô!

Menino dos olhos da Ditadura perversa, num sublime momento poético de compreensão da dor alheia, Roberto Carlos cantaria em homenagem ao compatriota ausente: "As luzes e o colorido/que você vê agora/ nas ruas por onde anda/na casa onde mora/você olha tudo e nada/lhe faz ficar contente/Você só deseja agora/voltar pra sua gente/Um dia a areia branca/seus pés irão pisar/E vai molhar seus cabelos/a água azul do mar".

O dia chegaria em 1971, quando pôde voltar de vez para o Brasil. No ano seguinte, no mesmo teatro em que se despedira de seu país com um show entre revoltado e tristonho, daria, ao lado de Chico Buarque de Holanda, show memorável para festejar seu reencontro com o povo brasileiro. Agora, contudo, acostumara-se a ser um cidadão do mundo, "Você tem que saber que eu quero é correr mundo/correr perigo/Você não acredita/Eu quero é ir embora/Eu quero dar o fora/E quero que você venha comigo".

Na irreverência do canto, não desmerecia seu povo, sua gente, sua Pátria. Em metáfora, atacava de frente a mesmice, o país acomodado ao estabelecido, de que emerge o conflito poético com a domesticidade imposta pelo regime: "Quando eu chego em casa/nada me consola/Você está sempre aflita/Lágrimas nos olhos de cortar cebola/Você é tão bonita/Você não está entendo nada do que eu digo/Eu quero é tocar fogo neste apartamento/Você não acredita/Traz meu café com suíta/eu tomo/bota a sobremesa/eu como eu como eu como/você".

Poeta imenso, músico habilidoso, cantor e intérprete fora da curva, escritor de livros importantes, cineasta transgressor, animador do pensamento e das ideias, Caetano Emanuel Viana Telles Veloso faz 80 anos. Seu show de aniversário, ao lado dos filhos Moreno, Zeca, Tom, e da irmã Maria Bethânia, mal termina e já entre para a história dos grandes espetáculos da Música Popular Brasileira.

Num tempo de incertezas e escuridão, que alento é sabê-lo um cidadão brasileiro.    

 

 

 

 

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Carpe diem

Está no Livro I de 'Odes', do poeta romano Horário (65 a.C.- 8 a.C.), e significa "aproveite o dia". Serve como chamamento a que não se deixe para depois o que existe de bom --- não num dia específico, mas a cada novo dia de nossas vidas.

No texto horaciano o eu-lírico dirige-se a Leucônoe com a expressão carpe diem, quam minimum crédula póstero, que, numa tradução livre, pode ser compreendida como "aproveite o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã".

O conteúdo da máxima de Horácio aparece na grande literatura em diferentes momentos históricos, e em obras de autores das mais diferentes extrações estéticas. No cinema, imortalizou-se, por exemplo, na sequência clássica do filme "A Sociedade dos Poetas Mortos" (1989), do diretor Peter Weir, quando o professor John Keating, numa interpretação sublime de Robin Willians, conclama seus alunos a aproveitar a vida e buscar a felicidade.

Foi no que pensei ao ler a notícia da morte do herdeiro do grupo Pão de Açucar, João Paulo Diniz, aos 58 anos, na cidade de Paraty, onde participava de competição de triatlo.

Dono de uma fortuna incalculável, esportista, homem de hábitos saudáveis, terá vivido rigorosamente a máxima latina, tendo, no campo da vida amorosa, namorado mulheres lindas (Gisele Bündchen, Luana Piovani e Daniella Cicarelli entre elas), até se dizer, na plena maturidade, um homem realizado como chefe de família ao lado da mulher Ana Garcia, mãe de dois de seus quatro filhos.

Impressionaram-me, no que li sobre a morte do jovem empresário paulista, os depoimentos unânimes de amigos acerca do seu caráter e da sua visão social, o que não deixa de surpreender em se tratando de um capitalista brasileiro de perfil tradicional.

Para as pessoas ouvidas, João Paulo Diniz era detentor, antes de tudo, de um 'carisma' invulgar. A palavra, sabe-se, originária do grego, significa 'graça', 'favor', e, do ponto de vista da filosofia, é comumente utilizada para definir aquele que possui uma irradiação individual, que é capaz de vencer, por suas qualidades extraordinárias, as grandes dificuldades.

Para Max Weber, o pensador alemão, carismático é o ser "dotado de forças sobrenaturais ou sobre-humanas".

Ocorreu-me lembrar de como João Paulo Diniz escapou da morte, há muitos anos, enfrentando, a braçadas, o mar revolto do Rio de Janeiro (ou São Paulo?) por horas e horas após cair com seu helicóptero em águas profundas, durante intensa tempestade. À época, comoveu a todos a forma como descreveu seus vãos esforços para salvar a modelo e sua namorada Fernanda Vogel.

Nada havia nele, por certo, que justifique a mínima idealização. Não me parece que tivesse o heroísmo e nem a abnegação à causa dos outros, o que só é próprio dos homens superiores. Morreu como morrem todos os dias tantos e tantos, alguns de forma plenamente evitável, infelizmente: vítimas de balas perdidas, de atos injustificáveis de uma polícia despreparada e violenta, de tiros desferidos por fanáticos, ou desassistidos, em casa, ou mesmo largados nos corredores dos hospitais.

Mas sua morte, particularmente lamentável por se tratar de um homem ainda tão jovem, pelo que exemplifica na particularidade das condições privilegiadas da vida que levou, reacende-nos uma velha lição.

Aproveitemos o dia!