sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O Amor é Recompensa

"O amor que se procura é bom, mas o que se recebeu sem busca é melhor."
(Shakespeare)
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“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de Ano, foi um sujeito genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer indivíduo se cansar e entregar os pontos. Aí vem o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente”. As palavras de Drummond, não lembro em que crônica, me visitam no momento em que sento diante do computador para escrever a última coluna de 2007, quando o cheiro de novidade parece já estar no ar com a proximidade do Ano Novo. Não importam os chavões, os lugares-comuns que povoam o imaginário das pessoas a cada dezembro. É o coração falando em lugar da razão, para que os homens, uma vez que seja, se tornem mais solidários, mais fraternos e mais generosos, o que de resto vale como exercício de utopia, de crença de que é possível construir um mundo melhor.

Começar é sempre bom, quando estamos dispostos a melhorar, a sermos diferentes do que temos sido, do que fomos ontem. Digo sempre a meus alunos, a cada novo período de aulas: tentem começar acertando, conscientes de que errar é condição natural para se encontrar o acerto, mas não fazendo dessa verdade uma justificativa para um tipo de acomodação diante dos desafios. Para insistir no erro. Errar não é um direito, é uma chance perdida. Acho que a passagem do ano representa para todos nós mais ou menos isso. Vamos começar de novo. Temos a oportunidade de criar um referencial para uma nova etapa da vida, pautando-a pelos ideais do conserto de nossas imperfeições, que, por humanas, não devem ser tomadas como equivalentes das virtudes que nos faltaram. São imperfeições - e podem ser corrigidas, sim.

O defeito mais comum no homem, penso, é não ser tolerante. Com um pouco mais de tolerância, estou certo, a vida seria bem diferente para todo mundo. Perdoem-me a imodéstia, mas ser um pouco mais tolerante foi nesse ano a minha grande conquista. Aprendi a conviver com as diferenças, a procurar ver antes as virtudes que os defeitos dos outros. Acho que deu resultado, que estou mais bonito como homem, que resolvi com a tolerância algumas das minhas maiores dificuldades. Quero novas mudanças no ano que chega. Quero perdoar mais.

Norman Mailer, escritor americano sobre quem escrevi há pouco neste espaço, tem uma frase desconcertante sobre o amor: “As pessoas ficam procurando o amor como solução para todos os seus problemas quando, na realidade, o amor é recompensa por você ter resolvido os seus problemas”. Uau! É isso mesmo. Como encontrar o amor como algo que acabamos de perder entre coisas na gaveta? O amor é mesmo um tipo de recompensa para quem soube atravessar seus problemas com equilíbrio, com sabedoria, para quem soube curtir a dor e o sofrimento como coisas passageiras. Depois, vem a recompensa. Vem o amor. O amor vem para corações resolvidos, para aqueles que não maldizem a vida, ainda que carregando nos ombros o peso das dificuldades. Amor é sentimento para pessoas felizes, não para os que se entregam rendidos a qualquer dificuldade. O amor destesta as pessoas que não acreditam na vitória do amanhã.

FELIZ ANO NOVO!

O admirável boêmio

Leio com entusiasmo os contos de Everton Alencar, publicados neste semanário. Maior e mais brilhante expressão intelectual da terra, Everton tem brindado os leitores do A Praça com histórias curiosas e instigantes, num estilo incisivo que prende e cumplicia, lembrando as crônicas de Nelson Rodrigues em A vida como ela é. Com um domínio absoluto da linguagem, observa as marcas típicas do gênero - contenção, economia de meios, unidade dramática, de tempo e espaço, onde, embora eventual, o diálogo aparece de modo decisivo, o que confirma o escritor de talento que sempre foi, Everton explora à perfeição temas envolventes, como o desejo sexual, as paixões desenfreadas e a traição amorosa. Além da orgia, natural. Na veia, com a interferência de cunho subjetivo que é mesmo uma característica que põe a ver o boêmio assumido, seduz o leitor e torna-o participante do enredo, que, breve, é bastante para revelar as forças do inconsciente desperto.

Por certo, terá críticos e haverá quem o considere um libertino, que o mundo anda cheio de reprimidos confessos. É que se vê, pela primeira vez, nas fronteiras do nosso jornalismo, tratado em linguagem estética, esse riquíssimo material humano, tão comum nas conversas informais de homens e mulheres - às escondidas, claro -, mas enfaticamente proibido à luz do dia. Lembro, que repercussão parecida tiveram os meus “contos banais”, publicados na revista Em Foco. É que essa literatura incomoda, faz as vezes de espelho, expondo os demônios interiores de cada um. Algo muito próximo do que já vimos, em proporções devidas, acontecer com escritores canônicos, como Jorge Amado, Hilda Hilst e, o já citado, Nelson Rodrigues. “Ce qui est immoral, c`est la bêtise”, já disse Remy de Gourmont, ou seja, imoral é a tolice.

Não escrevo aqui para homenagear o homem de talento raro que é Everton Alencar, já tão reconhecido nos meios acadêmicos, pelo brilhantismo de sua inteligência e de sua vasta cultura. Faço-o por dever de ofício, para ressaltar a técnica originalíssima que desenvolve com seus mini-contos, de uma força sugestiva poderosa, em que pese a simplicidade do estilo por que traz à tona comportamentos humanos reais ou unicamente possíveis. Num gênero traiçoeiro, porque só aparentemente fácil, como é o conto, e condicionado às limitações de espaço, naturais em um veículo como este, Everton propicia-nos uma experiência para além de envolvente e agradável, diria mesmo, deliciosa, a cada quinzena. Ganha o A Praça, ganha o jornalismo literário (não me refiro àquele que se dedica a falar de literatura, mas que revela no ofício o gênio do artista que escreve para jornal), ganhamos os seus leitores, ganha o limitado universo dos ficcionistas iguatuenses, com as primeiras investidas de Everton Alencar no campo da narrativa. O poeta, já o sabíamos grande. Muito embora, diga-se de passagem, também na prosa seja exuberante o lirismo que sai de sua pena, bem à Manuel Bandeira, pungente, compungitivo, como o lirismo dos clowns de Shakespeare.