Desde o trágico atentado ao jornal Charlie Hebdo, com frequência tenho sido abordado sobre a polêmica em torno do que se professa como liberdade de imprensa. Entre alunos, na Universidade, o assunto virou tema de aula, oportunidade em que convictamente pude manifestar a minha opinião, por certo na contramão do que muitos gostariam de ouvir.
Faço-o, agora, por escrito, como forma de assumir publicamente o que penso sobre o que considero um tipo de mistificação e corporativismo da grande imprensa. Liberdade de expressão não é dogma, não me confere ou a quem quer que seja o direito de extrapolar limites, de ferir o que, no plano da fé, é sagrado para o meu semelhante. Não é jornalismo o que se sustenta no achincalhe, na ofensa gratuita, na sátira pela sátira, no intuito de desconstruir crenças e aviltar convicções.
Não se trata de ignorar a importância da imprensa, mas de dignificá-la pela prática da responsabilidade e do respeito às diferenças, nomeadamente quando o que está em jogo ultrapassa as fronteiras do meramente humano. Ao insistir nas provocações contra os muçulmanos, que só na França somam em redor dos 10 milhões de cidadãos e cidadãs, os talentosos chargistas do Charlie Hebdo foram muito além do que considero liberdade de expressão: o que houve foi uma tentativa de humilhar, espezinhar a fé alheia, reduzi-la a coisa desprezível, numa demonstração de desapreço para o que, nada sendo para mim, para o outro é tudo, como no mito de que nos fala Fernando Pessoa.
O Estado, o governo, o povo francês e, na linha da mesma mistificação, os países da União Europeia que de pronto se irmanaram na Place de la République, confundem alhos com bugalhos, veem pela metade, ignoram a imperiosa obrigação de lidar com respeito com a fé e a crença de grupos minoritários, mesmo aqueles radicais que se mostram incapazes de compreender o Alcorão com maior sabedoria.
Não se trata, ainda mais, de julgar aceitável qualquer tipo de atentado, de resposta violenta ao contraditório, mas de compreender o que está por trás da tragédia do semanário Charlie Hebdo. Por muito menos, é bom lembrar, o governo francês proibiu em primeira hora, pelos anos oitenta, a exibição do filme Je Vous Salue Marie, de Jean-Luc Godard, para reconsiderar sua decisão pouco tempo depois.
O filme, aliás, é perfeito como revisão dos parâmetros pelos quais lidamos com o sagrado, como reflexão em torno dos limites da crença, como alternativa para enquadrar o sublime. Marcado por saltos narrativos, por fraturas na maneira estilizada de dar sua visão da sagrada família, o filme de Godard representou Maria como uma jovem jogadora de basquete que auxilia o pai num posto de gasolina, a quem aparece um desconhecido de nome Gabriel para anunciar a gravidez da virgem.
O radicalismo crítico do Charlie Hebdo foi muito além, atirou-se às profundezas daquilo que seus integrantes tomaram como uma missão. Também ofendeu em edições passadas judeus e cristãos. Há algum tempo, para ficar num exemplo, estampara em página preciosa o encontro de Maria com um centurião romano, de cujo enlace nasceria Jesus.
Em meio à multidão do Je suis Charlie, é certo que estiveram franceses de origem árabe, africana e mesmo muçulmanos que não admitem a prática de atos terroristas como saída para os conflitos religiosos, mas não se sentem confortáveis com a humilhação das coisas em que acreditam -- entre elas, Maomé.
Faço-o, agora, por escrito, como forma de assumir publicamente o que penso sobre o que considero um tipo de mistificação e corporativismo da grande imprensa. Liberdade de expressão não é dogma, não me confere ou a quem quer que seja o direito de extrapolar limites, de ferir o que, no plano da fé, é sagrado para o meu semelhante. Não é jornalismo o que se sustenta no achincalhe, na ofensa gratuita, na sátira pela sátira, no intuito de desconstruir crenças e aviltar convicções.
Não se trata de ignorar a importância da imprensa, mas de dignificá-la pela prática da responsabilidade e do respeito às diferenças, nomeadamente quando o que está em jogo ultrapassa as fronteiras do meramente humano. Ao insistir nas provocações contra os muçulmanos, que só na França somam em redor dos 10 milhões de cidadãos e cidadãs, os talentosos chargistas do Charlie Hebdo foram muito além do que considero liberdade de expressão: o que houve foi uma tentativa de humilhar, espezinhar a fé alheia, reduzi-la a coisa desprezível, numa demonstração de desapreço para o que, nada sendo para mim, para o outro é tudo, como no mito de que nos fala Fernando Pessoa.
O Estado, o governo, o povo francês e, na linha da mesma mistificação, os países da União Europeia que de pronto se irmanaram na Place de la République, confundem alhos com bugalhos, veem pela metade, ignoram a imperiosa obrigação de lidar com respeito com a fé e a crença de grupos minoritários, mesmo aqueles radicais que se mostram incapazes de compreender o Alcorão com maior sabedoria.
Não se trata, ainda mais, de julgar aceitável qualquer tipo de atentado, de resposta violenta ao contraditório, mas de compreender o que está por trás da tragédia do semanário Charlie Hebdo. Por muito menos, é bom lembrar, o governo francês proibiu em primeira hora, pelos anos oitenta, a exibição do filme Je Vous Salue Marie, de Jean-Luc Godard, para reconsiderar sua decisão pouco tempo depois.
O filme, aliás, é perfeito como revisão dos parâmetros pelos quais lidamos com o sagrado, como reflexão em torno dos limites da crença, como alternativa para enquadrar o sublime. Marcado por saltos narrativos, por fraturas na maneira estilizada de dar sua visão da sagrada família, o filme de Godard representou Maria como uma jovem jogadora de basquete que auxilia o pai num posto de gasolina, a quem aparece um desconhecido de nome Gabriel para anunciar a gravidez da virgem.
O radicalismo crítico do Charlie Hebdo foi muito além, atirou-se às profundezas daquilo que seus integrantes tomaram como uma missão. Também ofendeu em edições passadas judeus e cristãos. Há algum tempo, para ficar num exemplo, estampara em página preciosa o encontro de Maria com um centurião romano, de cujo enlace nasceria Jesus.
Em meio à multidão do Je suis Charlie, é certo que estiveram franceses de origem árabe, africana e mesmo muçulmanos que não admitem a prática de atos terroristas como saída para os conflitos religiosos, mas não se sentem confortáveis com a humilhação das coisas em que acreditam -- entre elas, Maomé.