sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Retrospectiva Dragão

Começou nessa quinta-feira 17 a Mostra Retrospectiva do Dragão. Ao todo, serão exibidos 74 longas-metragens, entre eles clássicos do grande cinema, como Persona, de Ingmar Bergman (24, 20 horas) e Acossado, de Jean-Luc Godard (30, 18 horas). Além desses, também clássicos de Hollywood, com destaque para o aclamadíssimo Juventude Transviada, de Nicholas Ray (25, 20 horas). Terão sessões seguidas de debate com seus diretores O Barco, de Petrus Cariry (19, 19h30min), Los Silêncios, de Beatriz Seigner (22, 19h30min), Sol Alegria, de Tavinho Teixeira (26, 19h30min), Clube dos Canibais, de Guto Parente (27, 19h30min) e o premiado Lembro Mais dos Corvos, de Gustavo Vinagre (29, 19h30min).

Na abertura, ontem, Central do Brasil, de Walter Moreira Salles, foi objeto de espontânea manifestação de entusiasmo por parte de um público que, a concluir pela faixa etária, quase de todo entre os 15 e 20 anos, nunca antes vira, pelo menos em tela grande, o concorrente brasileiro ao Oscar de 1999. Aplaudidíssimo, o filme mostra-se de fato sintonizado com os dias atuais naquilo que discute em torno dos grandes conflitos humanos, atemporais e incontornáveis sempre.
O roteiro, escrito a partir de ideias do diretor, como fica evidenciado na ficha técnica da versão totalmente restaurada exibida ontem (admira, nesse sentido, que tenham sido preservados os elementos estruturais do filme, o que dignifica o belo trabalho levado a efeito pelos restauradores) é algo que se aproxima da perfeição.
Pautado por um senso de realidade que exorbita aqui e além, como na cena do brutal assassinato de um adolescente já no início do filme, a narrativa jamais compromete o equilíbrio entre as necessidades técnicas e estéticas exploradas pelo diretor. Pelo contrário, do uso sensível da câmera, quer no que diz respeito a sua movimentação quer na escolha dos planos enquanto escala de enquadramento, é que surge a força poética do filme, que é mesmo uma marca da filmografia de Walter Salles. A hierarquização dos ruídos, diga-se de passagem, um dos elementos estéticos mais felizes de Central do Brasil, pois o filme ambienta-se em grande parte na estação de trem que lhe dá nome, é algo notável. Em momento algum se perde qualquer palavra dos diálogos, e o barulho, não raro ensurdecedor, incorpora-se aos meios narrativos a partir dos quais Walter Salles soube dar ênfase ao que é fundamental do ponto de vista dramático no seu belo filme.
As locações são as mais felizes. Da Central do Brasil aos exíguos espaços interiores, como o apartamento em que mora Dora Teixeira, brilhantemente interpretada por Fernanda Montenegro, ao sertão esturricado e tremendamente pobre do Nordeste brasileiro, o que se vê é uma refinada percepção do que é uma representação realista propriamente dita. Não o realismo improvável e ultrapassado de André Bazin (por importante que tenham sido suas contribuições acerca do realismo no cinema), todo ele sustentado na equivocada ideia da imparcialidade da câmera. Longe disso. A câmera de Walter Salles* é detalhista, assumidamente parcial, bem na linha do que professava o famoso escritor russo Ivan Turguêniev: "O verdadeiro talento se mostra nos detalhes".
Vinte anos desde o seu lançamento, Central do Brasil, de Walter Moreira Salles, mantém com sua simplicidade e sua poesia imagética estonteante, o charme de um belo filme. Não surpreende, assim, que desperte o interesse de um público aparentemente estranho a sua narrativa pontuada de elementos estéticos convencionais, com os quais seu diretor foi capaz de contar, com extraordinário talento, a trajetória de Dora em busca do pai de seu inusitado amigo Josué (Vinícius de Oliveira), cuja mãe acaba de morrer vítima de um atropelamento. Começa bem a Retrospectiva Dragão do Mar 2019.

*A direção de fotografia é de Walter Machado. 

 

 

 

  

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