quinta-feira, 27 de junho de 2019

A Arte de Petra, e outras vertigens

Beira a estupidez o que certos colunistas, dominados pelo fundamentalismo de direita, têm publicado sobre a cineasta Petra Costa nos últimos dias. Na edição de hoje da Folha, por exemplo, é ridículo o que afirma sobre a jovem cineasta o jornalista Roberto Dias. Seu texto, contudo, é tão desprovido de substância analítica, tão ignorante em termos cinematográficos e tão explícito em suas intenções ideológicas contra Petra, que prefiro passar ao largo do que professa no seu artigo Uma câmera em vertigem, mal e mal interpretando efeitos estéticos do documentário como a refletir o despreparo da diretora no tratamento formal dispensado a este e outros trabalhos de sua autoria.

 

Como se trata de uma realizadora ainda desconhecida do grande público, sobre a qual me têm com frequência indagado, é a ela que gostaria de dedicar aqui algumas palavras.

 

Petra Costa, que já fizera Olhos de ressaca, em 2009, um curta-metragem sobre seus avós, é a talentosa diretora do belíssimo Elena (2012), que, exemplarmente bem realizado do ponto de vista fílmico, muitas vezes utilizei em versão DVD durante minhas aulas de estética do cinema, na faculdade. É sobre este seu primeiro longa-metragem que farei aqui algumas ponderações, deixando Democracia em vertigem para a próxima coluna.

 

O filme, para aqueles que não o viram, é um depoimento emocionado de Petra Costa sobre a irmã Elena Andrade, que suicidou quando a jovem cineasta tinha sete anos. Natural, pois, que o filme se reporte ao tema com significativa dosagem de emoção, uma forma poética com que Petra exterioriza seus sentimentos mal resolvidos em face da perda trágica de uma irmã a quem via como a outra grande referência além dos pais, vítimas das perseguições políticas durante os anos de chumbo. 

 

No entanto, atenta ao que é próprio dos grandes artistas  ---  ainda que o filme tenha nascido de um conflito pessoal  ---, Petra Costa amplifica sua força estética, tornando-a uma obra de arte de alcance universal. É, assim, um filme sobre a dor da perda, da angústia e depressão que resultam dessa experiência, nomeadamente para aqueles que, como ocorreu a Petra Costa, ainda se acham numa etapa de formação de suas vidas quando isso acontece.

 

É impagável, sob este aspecto, uma fala da narradora (a própria Petra Costa) a uma dada altura do documentário: "Queriam que eu te esquecesse", diz Petra, com um tom de voz carregado de emoções subjetivas que se tornaram mesmo uma marca de sua ainda incipiente, mas irretocavelmente bela, filmografia, a exemplo do que se pode constatar em Democracia e vertigem, perversa e equivocadamente comentado pelo colunista da Folha de S. Paulo. 

 

Falta alcance analítico para perceber que tais recursos, na linha do que faz com a câmera em algumas sequências em Democracia e vertigem, além de legítimo do ponto de vista ético, é um elemento constitutivo das estratégias narrativas adotadas por Petra. Não se trata, pois, de um documentário de viés clássico, mas um filme em que inexistem fronteiras entre o documental e o discursivo, o que potencializa sua vitalidade poética e seu caráter sintonizador.  

 

Quanto a Elena, mais que um depoimento sobre a irmã morta, o filme nos fala da dor que, cedo ou tarde, perpassa a vida de qualquer um, e que se pode partilhar com a artista quando se tem em mente que arte é verossimilhança, 'mentira' capaz de revelar a mais funda verdade, como quis Aristóteles.

 

A narrativa é toda ela construída com o que restou de e sobre Elena Andrade  ---  fitas-cassete, fotos, imagens criadas pelo uso inventivo e competente da câmera, como numa cena do filme em que Petra aparece caminhando sobre uma ponte em Nova York, intencionalmente desfocada, como na composição de uma tela impressionista. A essa altura do desfile fílmico, ouve-se a voz de Petra: "Me vejo tanto em suas palavras, que começo a me perder em você". 

 

A voz de Petra é doce, suave, delicada, como a revelar, também, a boa atriz que é  ---  e o filme cresce como construto artístico e como depoimento pessoal, mas, a esse tempo, a saudade e a angústia da narradora é em igual medida a de todos nós.

 

A arte, sabe-se, entre outras coisas "consiste em um homem (uma mulher no caso) transmitir conscientemente a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que vivenciou, e os outros serem contaminados desses sentimentos e também os experimentar", já dizia Tolstói, em livro conhecido sobre o assunto.

 

Ao direcionar ao filme Democracia e vertigem o seu olhar maldoso, e desprovido de conhecimento sobre o que é a arte, o jornalista da Folha arvora-se de arauto da verdade sobre o que ocorreu no Brasil nesses últimos anos, incorre num erro grosseiro de crítica cinematográfica e fecha os olhos para o que mais dignifica a atividade do artista: ser livre e expressar sua visão de mundo em absoluta sintonia com suas convicções políticas. 

 

No campo estético, sabe-se, é delicado o fio que separa o documento da ficção. Um dos nomes mais promissores do documentário nacional, Petra Costa faz arte, não jornalismo, embora mantenha-se em Democracia e vertigem com inatacável equilíbrio, em que pese assumir-se politicamente de forma honesta e transparente. Mas, sobre isso, já o dissemos, falaremos depois.

   

 

 

 

 

 

 

 

A Arte de Petra, e outras vertigens

Beira a estupidez o que certos colunistas, dominados pelo fundamentalismo de direita, têm publicado sobre a cineasta Petra Costa nos últimos dias. Na edição de hoje da Folha, por exemplo, é ridículo o que afirma sobre a jovem cineasta o jornalista Roberto Dias. Seu texto, contudo, é tão desprovido de substância analítica, tão ignorante em termos cinematográficos e tão explícito em suas intenções ideológicas contra Petra, que prefiro passar ao largo do que professa no seu artigo Uma câmera em vertigem, mal e mal interpretando efeitos estéticos do documentário como a refletir o despreparo da diretora no tratamento formal dispensado a este e outros trabalhos de sua autoria.

Como se trata de uma realizadora ainda desconhecida do grande público, sobre a qual me têm com frequência indagado, é a ela que gostaria de dedicar aqui algumas palavras.

Petra Costa, que já fizera Olhos de ressaca, em 2009, um curta-metragem sobre seus avós, é a talentosa diretora do belíssimo Elena (2012), que, exemplarmente bem realizado do ponto de vista fílmico, muitas vezes utilizei em versão DVD durante minhas aulas de estética do cinema, na faculdade. É sobre este seu primeiro longa-metragem que farei aqui algumas ponderações, deixando Democracia em vertigem para a próxima coluna.

O filme, para aqueles que não o viram, é um depoimento emocionado de Petra Costa sobre a irmã Elena Andrade, que suicidou quando a jovem cineasta tinha sete anos. Natural, pois, que o filme se reporte ao tema com significativa dosagem de emoção, uma forma poética com que Petra exterioriza seus sentimentos mal resolvidos em face da perda trágica de uma irmã a quem via como a outra grande referência além dos pais, vítimas das perseguições políticas durante os anos de chumbo. 

No entanto, atenta ao que é próprio dos grandes artistas  ---  ainda que o filme tenha nascido de um conflito pessoal  ---, Petra Costa amplifica sua força estética, tornando-a uma obra de arte de alcance universal. É, assim, um filme sobre a dor da perda, da angústia e depressão que resultam dessa experiência, nomeadamente para aqueles que, como ocorreu a Petra Costa, ainda se acham numa etapa de formação de suas vidas quando isso acontece.

É impagável, sob este aspecto, uma fala da narradora (a própria Petra Costa) a uma dada altura do documentário: "Queriam que eu te esquecesse", diz Petra, com um tom de voz carregado de emoções subjetivas que se tornaram mesmo uma marca de sua ainda incipiente, mas irretocavelmente bela, filmografia, a exemplo do que se pode constatar em Democracia e vertigem, perversa e equivocadamente comentado pelo colunista da Folha de S. Paulo. 

Falta alcance analítico para perceber que tais recursos, na linha do que faz com a câmera em algumas sequências em Democracia e vertigem, além de legítimo do ponto de vista ético, é um elemento constitutivo das estratégias narrativas adotadas por Petra. Não se trata, pois, de um documentário de viés clássico, mas um filme em que inexistem fronteiras entre o documental e o discursivo, o que potencializa sua vitalidade poética e seu caráter sintonizador.  

Quanto a Elena, mais que um depoimento sobre a irmã morta, o filme nos fala da dor que, cedo ou tarde, perpassa a vida de qualquer um, e que se pode partilhar com a artista quando se tem em mente que arte é verossimilhança, 'mentira' capaz de revelar a mais funda verdade, como quis Aristóteles.

A narrativa é toda ela construída com o que restou de e sobre Elena Andrade  ---  fitas-cassete, fotos, imagens criadas pelo uso inventivo e competente da câmera, como numa cena do filme em que Petra aparece caminhando sobre uma ponte em Nova York, intencionalmente desfocada, como na composição de uma tela impressionista. A essa altura do desfile fílmico, ouve-se a voz de Petra: "Me vejo tanto em suas palavras, que começo a me perder em você". 

A voz de Petra é doce, suave, delicada, como a revelar, também, a boa atriz que é  ---  e o filme cresce como construto artístico e como depoimento pessoal, mas, a esse tempo, a saudade e a angústia da narradora é em igual medida a de todos nós.

A arte, sabe-se, entre outras coisas "consiste em um homem (uma mulher no caso) transmitir conscientemente a outros, por certos sinais exteriores, os sentimentos que vivenciou, e os outros serem contaminados desses sentimentos e também os experimentar", já dizia Tolstói, em livro conhecido sobre o assunto.

Ao direcionar ao filme Democracia e vertigem o seu olhar maldoso, e desprovido de conhecimento sobre o que é a arte, o jornalista da Folha arvora-se de arauto da verdade sobre o que ocorreu no Brasil nesses últimos anos, incorre num erro grosseiro de crítica cinematográfica e fecha os olhos para o que mais dignifica a atividade do artista: ser livre e expressar sua visão de mundo em absoluta sintonia com suas convicções políticas. 

No campo estético, sabe-se, é delicado o fio que separa o documento da ficção. Um dos nomes mais promissores do documentário nacional, Petra Costa faz arte, não jornalismo, embora mantenha-se em Democracia e vertigem com inatacável equilíbrio, em que pese assumir-se politicamente de forma honesta e transparente. Mas, sobre isso, já o dissemos, falaremos depois.
   

 



 

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Fwd: Machado de Assis, 180 anos

Há exatos 180 anos, contados nesta sexta-feira 21, nasceu no Rio de Janeiro Joaquim Maria Machado de Assis, conhecido, carinhosamente, como "O Bruxo de Cosme Velho". Nasceu pobre, filho de um pintor de paredes negro e uma lavadeira branca, em meio à miséria do Morro do Livramento, bem no centro da cidade. Menino, dedicava-se a vender guloseimas feitas pela mãe nas ruas e praças da capital fluminense. Gago, epilético, negro (embranquecido pelos historiadores), tornar-se-ia o maior escritor brasileiro de todos os tempos, um gênio reconhecido pela crítica literária mais exigente e mais criteriosa. Para se ter uma ideia, ninguém menos que Harold Bloom dispensou-lhe afirmações consagradoras  ---  "Machado de Assis é uma espécie de milagre...".

Como ficcionista, Machado é emblemático representante de uma das três vertentes com que Lúcia Miguel Pereira divide a prosa de ficção brasileira: a psicológica, a naturalista e a regionalista. Ele, Machado, o maior nome da primeira dessas vertentes, um equivalente brasileiro do Dostoiévski russo, autêntico dissecador da alma humana, um escritor que fez da pena o bisturi com que abre a matéria e esmiúça as profundezas do homem. Sua literatura, por isso mesmo, tem a precisão da visada, o corte certeiro, o manuseio cuidadoso das entranhas do ser. Não é outra a razão, pois, por que muitos o consideram um escritor difícil. É que Machado, na contramão dos representantes da segunda vertente, a naturalista, recusa-se a explorar o óbvio, aquilo que os olhos veem sem o auxílio das lentes, optando, antes, pelos caminhos do improvável e do inaudito, como a investigar mistérios.

Nessa perspectiva, é que se deve ler toda a sua obra ficcional, dos contos, a exemplo de verdadeiras obras-primas, como Missa do Galo, A Cartomante, Uns Braços, para citar os mais populares dentre os mais de duzentos escritos, aos romances incontornáveis da fase dita realista, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899) à frente. Sobre o segundo, teçamos algumas considerações.

Ambientado na cidade do Rio de Janeiro, Dom Casmurro narra em primeira pessoa a vida amorosa de Bento Santiago, advogado entre 55 e 57 anos, e Capitu, a quem acusa de o ter traído com seu melhor amigo, Escobar. À altura do enunciado, é relevante que se evidencie que Capitu e Escobar já haviam falecido, sendo-lhes, por óbvio, negado o direito de defesa. A narração, assim, constitui um discurso de acusação, mesmo que as provas, que não as decorrentes do ciúme obsessivo de Santiago, inexistam.

Assim, por pelo menos sessenta anos, Dom Casmurro foi lido como um romance sobre o adultério, até que a crítica americana Hellen Caldwell, no livro sugestivamente intitulado O Otelo Brasileiro de Machado de Assis, aventasse com respaldo analítico a leviandade da acusação de Bento Santiago e a suposta inocência de Capitu. Dom Casmurro, nessa perspectiva, por um longo tempo teria sido equivocadamente lido, uma vez que a sua grandeza artística estaria na abordagem de um ciúme doentio, nunca de um adultério incontroverso. Bem como fez Shakespeare na tragédia clássica.

Na mesma linha, já em 1936, Lúcia Miguel Pereira teria levantado essa hipótese, mas nada que desse à sua leitura o caráter decisivo com que Caldwell examinou as armadilhas do narrador desse romance extraordinário a fim de envolver o leitor e conquistar a sua cumplicidade contra a mulher. As novas leituras do romance, por sinal, não se deram apenas na perspectiva crítica. É recomendável, nesse sentido, o romance Memórias Póstumas de Capitu, de Domício Proença Filho, em que o ponto de vista narrativo é deslocado de Bento Santiago para Capitu, e o resultado disso, claro, é bem diferente. 

É quase solene a forma como o romance termina, e Capitu, sem meias-palavras, afirma terem sido muitas as razões dadas pelo marido para que o traísse, mas, ainda assim, nunca o fizera.

A verdade é que Machado de Assis, reitero, é de fato o maior escritor brasileiro de todos os tempos  ---  quiçá de língua portuguesa  ---, um autor a ocupar, com justiça, o status que lhe confere Harold Bloom quando examina, em prestigiado livro, Gênio, o Memórias Póstumas de Brás Cubas como um dos cem livros mais importantes da literatura mundial. 





 




 

  

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Fwd: Sem meias-palavras

Neste mesmo espaço, para a irritação de muitos com o que consideravam tendencioso de minha parte, escrevi e reescrevi sobre os muitos e muitos indícios de que o então juiz Sérgio Moro, na Lava Jato, agia de forma aética e persecutória contra Lula e o PT. Por vezes, antevi os objetivos que perseguia a fim de limpar o terreno para o então candidato a presidente Jair Bolsonaro, tirando Lula do processo e atrapalhando, às escancaras, Fernando Haddad como segunda opção do Partido dos Trabalhadores. Ainda assim, mesmo quando, despudoradamente, Moro tornou pública a delação imoral de Antônio Palloci, a seis dias do primeiro turno, sabia-se com que intenção, não faltaram críticas ao blog. Vida que segue, dizia eu para com os botões.

Hoje, até onde posso ver, excluindo-se os "olavistas" de plantão, gente cega e burra, e uma elite que lambe os beiços com seu próprio veneno diante das circunstâncias, o prestígio do agora ministro Sérgio Moro parece ir mesmo de ladeira abaixo. A repercussão internacional é de enrubescer, com o Brasil se tornando objeto de piadas que vão do rasteiro ao sofisticado. Deste último, um bom exemplo é a forma como o embaixador sueco Per-Arne Hielmborn despediu-se na Câmara do Comércio referindo à terrinha: "O Brasil não é um país monótono". A frase, está óbvio, ecoa aquela atribuída a Charles de Gaulle em visita ao país: "O Brasil não é um país sério!".

Mesmo leigos na matéria, como este escriba, sabem que o Código de Processo Penal é claro em considerar "suspeito" o juiz que se revele parcial, isto é, que se manifeste minimamente ligado por aconselhamento à acusação ou à defesa do processo em tramitação (artigo 254, IV). Nesse caso, não há uma segunda orientação a seguir: Anulam-se as decisões tomadas pelo juiz (artigo 564,I).

Ora bolas! Quem, com um mínimo de vergonha na cara, haverá de negar que as gravações levadas a efeito pelo site The Intercept Brasil mostram evidências de que o juiz Sérgio Moro aconselhava o procurador Deltan Dallagnol a fim de enrolar o ex-presidente Lula? Quem, com vergonha na cara, insisto, negará o que é uma obviedade: Moro e Dallagnol agiam como "parças", como está no léxico do jogador Neymar, para "criar" provas que incriminassem Lula, impossibilitassem a sua candidatura e, injustamente, o levassem à prisão?

Na sequência, numa demonstração de que é indefensável, mais uma vez, divulgadas as conversas impróprias, Moro veio a público para evidenciar o seu despreparo e a sua desfaçatez: "Basta ler o que tem lá e verificar que o fato grave é a invasão criminosa do celular dos procuradores". Como se não fosse grave um juiz indicar testemunhas a um procurador, recomendar cuidados, indicar estratégias, e festejar com cinismo a sua popularidade e de seus cúmplices até então. 

A direita brasileira, os golpistas de 2016, uma certa imprensa (Globo à frente) e parte significativa da elite que tira proveito direto dessa canalhice, mais uma vez e de forma agora incontrastável, conduzem o país a uma crise moral que põe em risco a imagem do Brasil lá fora e fere de morte a nossa combalida democracia. Triste realidade a nossa!


 

 

sexta-feira, 7 de junho de 2019

O inimigo da Arte

Em linhas gerais, considera-se a Estética o campo da Filosofia que se ocupa de uma teoria da sensibilidade. É com este sentido que a palavra aparece na Crítica da Razão Pura (1787), de Immanuel Kant. Mas é com a publicação da obra Aesthetica, em 1750, de outro alemão, Alexander Baumgarten (1714-1762), que se convencionou fixar o termo estética no campo de exame do belo subjetivo. Mesmo assim, a questão não é tão simples o quanto parece, e muitas páginas foram e continuam a ser escritas sobre o tema, sem que se chegue a uma definição absolutamente aceita ou considerada irretocável. O que não é de todo mau, diga-se de passagem. Afinal, a Estética, qualquer que seja a teoria que tomemos como base, define-se, em parte, pela própria etimologia da palavra: originada do grego, significa "sensação".          Não é sem razão, contudo, que se deve lembrar o que afirma o próprio Kant sobre a tentativa, segundo ele malograda, levada a efeito por Baumgarten, "de submeter a avaliação crítica do belo a princípios racionais e assim elevar suas regras à categoria de ciência".
Para Baumgarten, o objeto do conhecimento lógico é a Verdade, enquanto o objeto do conhecimento estético é a Beleza. Aquele é o "perfeito" aos olhos da razão; esta, o perfeito aos olhos dos sentidos. Mas sua teoria vai de encontro ao que professaria Kant, pois, para Baumgarten, a beleza existe na proporção das partes do objeto e nas suas relações com o todo. Há, como se vê, uma tentativa de tornar a avaliação crítica da beleza uma ciência.
Polêmica à parte, deve-se observar que  nenhum dos dois pensadores alemães aqui citados deve ser considerado o pai da matéria, uma vez que, desde a Antiguidade, muitos filósofos manifestaram-se sobre a natureza do Belo e, até mesmo, sobre sua presença no rol do que se considera hoje as belas-artes: as artes visuais (pintura, escultura etc.), a música, a arquitetura e a literatura. Mas, no que, grosso modo, chamava-se de Filosofia do Belo, além da arte tinha lugar o belo da Natureza. Aliás, nessa perspectiva tradicional, este era considerado superior àquele.
Se a alguém interessa saber, contudo, quando terá nascido a Estética moderna, parece um consenso tomar-se o início do século 18 como referência, notadamente os primeiros vinte ou trinta anos. É a partir daí, com a contribuição dos idealistas alemães, Hegel à frente, que o Belo da Arte passa a ser considerado superior ao Belo da Natureza. Aqui deparamos com uma obra incontornável, base consistente para qualquer incursão pelo território da arte e de sua essência do ponto de vista filosófico. Nenhum tratado de estética, nenhuma outra obra pode se igualar a essa em termos de profundidade e rigor analítico. É aqui onde se pode encontrar aquela que é, quando menos, a mais completa averiguação da arte e do belo artístico: "[...] o belo artístico, diz ele, é superior ao belo natural por ser um produto do espírito, que, superior à natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arte, por isso é o belo artístico superior ao belo natural".
Aos governantes, portanto, cabe o papel de proteger a Arte e os artistas, seus realizadores; incentivar a sua produção e a sua veiculação; criar mecanismos que tornem possível a todos o acesso à arte e condições para que, no âmbito da escola, a arte constitua matéria de exame e veículo de expressão do pensamento, da criatividade dos jovens, tornando-se objeto do gosto, da admiração e da paixão de todos.          Quando age em contrário, perseguindo os artistas e tomando-os por seus inimigos, o governante comete um tipo de crime que deve ser denunciado, combatido e abominado em todos os seus sentidos. Por trás disso está, quase sempre, um fascista.
O Brasil de Bolsonaro exemplifica, despudoradamente, o que estamos falando.  


[i] No que respeita à estética, é fundamental ir à Crítica da faculdade do juízo (1790), na qual o filósofo de Königsberg debruça-se, decisivamente, sobre a Arte e o Belo. Nessa obra, depara-se com o que em linhas gerais pode-se chamar de teoria estética kantiana.