sexta-feira, 21 de junho de 2019

Fwd: Machado de Assis, 180 anos

Há exatos 180 anos, contados nesta sexta-feira 21, nasceu no Rio de Janeiro Joaquim Maria Machado de Assis, conhecido, carinhosamente, como "O Bruxo de Cosme Velho". Nasceu pobre, filho de um pintor de paredes negro e uma lavadeira branca, em meio à miséria do Morro do Livramento, bem no centro da cidade. Menino, dedicava-se a vender guloseimas feitas pela mãe nas ruas e praças da capital fluminense. Gago, epilético, negro (embranquecido pelos historiadores), tornar-se-ia o maior escritor brasileiro de todos os tempos, um gênio reconhecido pela crítica literária mais exigente e mais criteriosa. Para se ter uma ideia, ninguém menos que Harold Bloom dispensou-lhe afirmações consagradoras  ---  "Machado de Assis é uma espécie de milagre...".

Como ficcionista, Machado é emblemático representante de uma das três vertentes com que Lúcia Miguel Pereira divide a prosa de ficção brasileira: a psicológica, a naturalista e a regionalista. Ele, Machado, o maior nome da primeira dessas vertentes, um equivalente brasileiro do Dostoiévski russo, autêntico dissecador da alma humana, um escritor que fez da pena o bisturi com que abre a matéria e esmiúça as profundezas do homem. Sua literatura, por isso mesmo, tem a precisão da visada, o corte certeiro, o manuseio cuidadoso das entranhas do ser. Não é outra a razão, pois, por que muitos o consideram um escritor difícil. É que Machado, na contramão dos representantes da segunda vertente, a naturalista, recusa-se a explorar o óbvio, aquilo que os olhos veem sem o auxílio das lentes, optando, antes, pelos caminhos do improvável e do inaudito, como a investigar mistérios.

Nessa perspectiva, é que se deve ler toda a sua obra ficcional, dos contos, a exemplo de verdadeiras obras-primas, como Missa do Galo, A Cartomante, Uns Braços, para citar os mais populares dentre os mais de duzentos escritos, aos romances incontornáveis da fase dita realista, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899) à frente. Sobre o segundo, teçamos algumas considerações.

Ambientado na cidade do Rio de Janeiro, Dom Casmurro narra em primeira pessoa a vida amorosa de Bento Santiago, advogado entre 55 e 57 anos, e Capitu, a quem acusa de o ter traído com seu melhor amigo, Escobar. À altura do enunciado, é relevante que se evidencie que Capitu e Escobar já haviam falecido, sendo-lhes, por óbvio, negado o direito de defesa. A narração, assim, constitui um discurso de acusação, mesmo que as provas, que não as decorrentes do ciúme obsessivo de Santiago, inexistam.

Assim, por pelo menos sessenta anos, Dom Casmurro foi lido como um romance sobre o adultério, até que a crítica americana Hellen Caldwell, no livro sugestivamente intitulado O Otelo Brasileiro de Machado de Assis, aventasse com respaldo analítico a leviandade da acusação de Bento Santiago e a suposta inocência de Capitu. Dom Casmurro, nessa perspectiva, por um longo tempo teria sido equivocadamente lido, uma vez que a sua grandeza artística estaria na abordagem de um ciúme doentio, nunca de um adultério incontroverso. Bem como fez Shakespeare na tragédia clássica.

Na mesma linha, já em 1936, Lúcia Miguel Pereira teria levantado essa hipótese, mas nada que desse à sua leitura o caráter decisivo com que Caldwell examinou as armadilhas do narrador desse romance extraordinário a fim de envolver o leitor e conquistar a sua cumplicidade contra a mulher. As novas leituras do romance, por sinal, não se deram apenas na perspectiva crítica. É recomendável, nesse sentido, o romance Memórias Póstumas de Capitu, de Domício Proença Filho, em que o ponto de vista narrativo é deslocado de Bento Santiago para Capitu, e o resultado disso, claro, é bem diferente. 

É quase solene a forma como o romance termina, e Capitu, sem meias-palavras, afirma terem sido muitas as razões dadas pelo marido para que o traísse, mas, ainda assim, nunca o fizera.

A verdade é que Machado de Assis, reitero, é de fato o maior escritor brasileiro de todos os tempos  ---  quiçá de língua portuguesa  ---, um autor a ocupar, com justiça, o status que lhe confere Harold Bloom quando examina, em prestigiado livro, Gênio, o Memórias Póstumas de Brás Cubas como um dos cem livros mais importantes da literatura mundial. 





 




 

  

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