sexta-feira, 12 de junho de 2020

À luz de um novo tempo

Quando vereador, aprovei na Câmera Municipal dois projetos de lei procedendo a mudança de nomes de uma rua e uma praça, respectivamente. A primeira, de Estados Unidos para Márcio Fernandes Nogueira, numa homenagem a um filho da terra que, morrendo precocemente no auge de sua trajetória como empresário agroindustrial, tinha uma significativa lista de bons serviços prestados à região Centro-Sul do estado. A segunda, de John Kennedy para Alcântara Nogueira, dando entre os mais novos filhos da terra, sobretudo, visibilidade a um dos nossos maiores intelectuais, cuja obra, como professor e filósofo, dispensa para os mais velhos quaisquer comentários. Foi um dos mais respeitados intelectuais do país no que diz respeito à obra de Baruch Espinoza, para que se tenha uma ideia.

É claro que, mesmo tendo sido aprovados por unanimidade pelos colegas vereadores, sensíveis a justeza da iniciativa e a uma consistente defesa dos mesmos (que deem os leitores um desconto ao que possa eventualmente lhes soar arrogante de minha parte), os referidos projetos, imediatamente transformados em Lei Municipal, suscitaram considerável polêmica na cidade. Menos, é certo, por falta de reconhecimento do valor pessoal de cada um dos homenageados, como disse, ao seu modo e no território de suas searas profissionais, filhos ilustres da terra. É que pesa sobre as nossas tradições, por força de uma cultura sem raízes e muitas vezes preconceituosa, o gosto pelo que, sendo coisa inserida no imaginário das pessoas, passa a fazer parte de sua história e de seus costumes. Mesmo quando, como exemplifica à perfeição os casos aqui tratados, tais homenagens sejam estranhas àquilo que realmente somos enquanto povo. O presidente americano John Kennedy e os Estados Unidos, insisto, que dizem sobre nossa realidade a ponto de justificar homenagens dessa natureza? Pouco ou nada, ainda hoje defendo abertamente esta opinião.

Citei esses exemplos, tantos anos depois e meio que sem propósitos que o justifique, para me reportar à onda de manifestações antirracistas que, antes tarde que nunca, constituem um dos acontecimentos mais relevantes na história recende dos Estados Unidos, cuja repercussão, como deveria de fato ocorrer, ecoa mundo afora desde o bárbaro e covarde assassinato de George Floyd por um monstro de pele branca, na cidade de Minneápolis.

Na esteira dessas manifestações, que se estendem por mais de duas semanas em diferentes países, 80 locais do Reino Unido veem surgir na agenda mais relevante do momento um curioso debate: mudar nomes de edifícios, ruas, avenidas e praças ou simplesmente pôr no chão, literalmente, estátuas de personagens envolvidos direta ou indiretamente com práticas racistas. O movimento vem crescendo enormemente desde que manifestantes derrubaram e jogaram num  rio a estátua de Edward Colston, antigo proprietário de escravos, na cidade de Bristol.

Na internet, nas universidades, nos meios intelectuais, vêm ocorrendo manifestações a favor ou contra tais iniciativas, para uns, uma revisão inadiável de homenagens que jamais poderiam ter sido levadas a efeito; para outros, justas e merecidas formas de perpetuar personalidades que contribuíram para o desenvolvimento de cidades e, não raro, países.

Dentre essas personagens, pelo menos duas são popularmente conhecidas: Winston Churchil e Cristovão Colombo. Deste último, uma estátua foi vilipendiada, derrubada, incendiada e atirada no fundo de um lago em Richmond, na Virgínia, na terça-feira 9. Outra, em Boston, teve a cabeça decepada na quarta 10.

Descobridor da América, em 1492, Colombo deu margem a que europeus praticassem no continente inomináveis atos de violência contra habitantes da localidade.

Quanto a Kennedy e aos Estados Unidos, na distância de tantos anos, os limites de espaço desta coluna condicionam-me a voltar ao tema  depois.

 

 

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