Nascido em Arequipa, em 1936, o escritor Mario Vargas Llosa é um desses exemplos irrecusáveis de que não se devem misturar autor e obra. Como romancista, ou mesmo como ensaísta de literatura e de temas da contemporaneidade, é brilhante. Se aquele é autor de uma obra densa e de altíssima voltagem estética, este foi capaz de passear com fina sensibilidade pelo complexo território das inclinações da sociedade hodierna, a exemplo, no primeiro caso, de romances e novelas quase irretocáveis como "Pantaleão e as Visitadoras" e "Tia Júlia e o Escrevinhador", e, no segundo, "A Civilização do Espetáculo" e "A Linguagem da Paixão".
Como cidadão, infelizmente, avultam em sua história exemplos que dão a ver a sua fragilidade de caráter e o indisfarçável gosto para festejar tiranos, não raro enveredando por um tipo de fascismo que enrubesceria gente da estirpe de Alfredo Stroessner, o sanguinário ditador paraguaio, e Alberto Fujimore, o político e torturador nipo-peruano responsável por atrocidades inomináveis contra adversários políticos entre 1990 e 2000.
Não à toa, tem se dedicado a apoiar candidaturas de extrema-direita na América Latina, como fez de forma desavergonhada em favor de Keiko Fujimore, no Peru, e José Antonio Kast, no Chile, empunhando suas bandeiras e discursando pelos quatro cantos do Continente --- e por países da Europa --- em defesa do que existe de mais abominável em propostas de governo: um tipo de liberalismo que tira dos pobres para dar aos ricos, para não falar do que é próprio do nacionalismo fascistóide que apregoa com um cinismo que revolta, quando se tem em mente tratar-se do grande escritor que é.
Agora por último, do alto do seu prestígio como escritor agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura 2010, Llosa vem a público para apoiar Jair Bolsonaro, a quem reconhece como "palhaço", mas merecedor do voto dos brasileiros: "O caso do Bolsonaro é muito difícil. As palhaçadas do Bolsonaro são muito difíceis para um liberal admitir. Agora, entre Bolsonaro e Lula, prefiro Bolsonaro", afirmou, segundo o jornal peruano El Comercio.
Este é o 'cidadão' Mario Vargas Llosa, aquele sobre cuja face Gabriel García Márquez (Nobel 1982) desceu sua mão pesada ao ouvir da mulher que o escritor peruano a assediava insidiosamente.
Diga-se em tempo, este não é um caso isolado de deslealdade em que esteve envolvido o agora bolsonarista Vargas Llosa: sua história está perpassada de casos que o desabonam moralmente. Machista, metido a sedutor e indisfarçavelmente intolerante com as mulheres, o escritor acumula desafetos e são inumeráveis os seus ex-amigos entre intelectuais e artistas de diferentes países.
Talvez por isso, para além de razões meramente liberais, o autor de "A Verdade das Mentiras", livro em que explora a ficção e a arte como a mentira que revela a verdade, Mário Vargas Llosa assuma sua identidade bolsonarista e o prefira a Lula. Questão de identidade, de perfil psicológico. Ou desfaçatez pura, uma de suas marcas pessoais.
Neste ensaio, a propósito, diz ele literalmente: "A missão do romance é mentir de maneira persuasiva, fazer passar por verdade as mentiras".
Eis a razão por que escreve livros tão dignos e tão belos, sendo ele quem é.
Acho, sinceramente, que Joseph Goebbels andou visitando o Llosa. Não tenho outra explicação, mesmo com as evidentes manifestações de desrespeito às mulheres e, arrisco-me, ao bom senso. Pensei, nobre escritor, que esse fenômeno estivesse restrito ao nosso eleitor tupiniquim, que vê em Bolsonaro a extensão de sua personalidade. É lamentável a percepção chã do escritor chileno que não crer idiossincrática.
ResponderExcluirCorreção: que não quero crer....
ResponderExcluirParabéns meu caro amigo Alder! Pelo belo e inteligente texto. Que não é digno do escritor em pauta, pois sua pequenez, do Llosa, é grande, para merecer a sua inteligência enquanto escritor. Quiséramos nós que lhe chegasse às mãos.
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