Se, no primeiro turno, o otimismo bolsonarista não tinha fundamento; no segundo, a preocupação dos lulistas é pertinente. O dia seguinte para o atual presidente não poderia ser melhor: se já contava com o governador do Rio de Janeiro, seu companheiro de partido, passou a contar com o apoio escancarado de Romeu Zema, de Minas Gerais, e de Rodrigo Garcia, de São Paulo.
O primeiro, poderosamente instalado no Palácio da Liberdade, é sério candidato a presidente em 2026, e, pelo perfil liberal que encarna à perfeição, sabe que suas chances seriam pequenas na hipótese de uma vitória de Lula. Ademais, é filhote do capital e legítimo representante do que existe mais à direita em termos ideológicos. O segundo, antevendo o ocaso do PSDB, prepara voo para o que deverá surgir da fusão do PSL com o DEM, berço de sua aparição no cenário político de São Paulo. Sem contar que se move ao sabor de ressentimentos contra Haddad, que provocara, como prefeito de São Paulo, investigação de malfeitos de seu irmão Marco Aurélio Garcia, envolvido em escândalo na máfia dos fiscais.
O certo é que a situação fragiliza a percepção de que Lula chegara ao segundo turno em vantagem. Agora, queira-se ou não, é uma outra eleição, na qual o movimento das peças passa a obedecer a uma lógica diferente, e é sob essa perspectiva que a "turma do Gerson" (aquela que quer sempre levar vantagem) lança-se no mercado com seu apetite insaciável. Sem contar que estamos falando de um país com nítida identificação com o conservadorismo mais tacanho, mais equivocado e mais hipócrita, com práticas igrejeiras que negam o objeto que dizem venerar.
O caso de São Paulo, a rigor, não deveria surpreender. O estado foi, é e continuará sendo o retrato de um Brasil elitista, conservador e não raro delinquente em sua tradição política. É o estado de Ademar de Barros, de Maluf, entre tantos outros, ao que se soma, nesta eleição, um erro tático do PT ao considerar o candidato de Jair Bolsonaro um adversário mais frágil na hipótese de um segundo turno, confirmado no domingo.
Ao empenhar-se na desconstrução do candidato do PSDB, para quem direcionou suas baterias em debates, Haddad acabou por contribuir para o fortalecimento do seu, agora favorito nas pesquisas de intenção de voto, oponente, o que mais ainda traz para Lula o risco de que Bolsonaro alargue sua vantagem em São Paulo, o que será muito ruim para o candidato do PT.
Com o apoio do PDT, já esboçado desde o primeiro turno, de Simone Tebet, que fez nessa quarta-feira um pronunciamento histórico no plano da forma e do conteúdo, e dos tucanos de plumagem clássica (FHC, Tasso Jereissati e José Serra, entre outros), mais a suposta adesão de empresários, ancorados em nomes que lhes garantam a inexistência de um plano econômico mais à esquerda, a exemplo de Henrique Meirelles, Pérsio Arida e Armínio Fraga, Lula passa a depender dos humores do eleitorado de Minas Gerais e da esperança de que Zema não consiga desfazer os resultados obtidos por ele no Norte do estado.
Sem isso, mesmo que amplie sua vantagem no Nordeste, a situação do ex-presidente torna-se muito difícil, muito embora estejamos falando da maior, mais surpreendente e mais brilhante liderança política popular do país. Os últimos movimentos, no entanto, indicam uma retomada da dianteira petista, o que os números da pesquisa do Ipec (a primeira do segundo turno) confirmam: Lula aparece com 55% do votos válidos (descontados os votos brancos e nulos), contra 45% de Bolsonaro.
Os tempos são outros, mas o antipetismo é uma realidade que ainda impera em todas as regiões do país, exceto o Nordeste, onde o projeto de governo do PT deita suas raízes de forma incontrastável. E não adianta tentar ignorar o que os governos do PT fizeram em benefício de um povo pobre, mas digno e exemplarmente consciente do que é de fato melhor para ele.
Aí, se capaz de manter algo próximo do que conquistou a dois de outubro, mesmo sob o peso de uma correlação de forças profundamente desigual a partir de agora, quedam as melhores esperanças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conquistar um terceiro mandato, resgatar o que restou de nossa combalida democracia e abrir novos horizontes em meio à tragédia em que se transformou o país.
Do contrário, como tão bem discorreu sobre o Brasil a jornalista Mariliz Pereira Jorge, em coluna de quarta-feira na Folha, corre-se o risco de ver-se confirmar o que supostamente somos: "Um povo que faz arminha com a mão, odeia o próximo e vai à igreja aos domingos."
A votação do dia 30 deste mês é, por certo, a mais importante desde a redemocratização do país. Mais que nunca, o povo brasileiro decidirá entre a continuidade da barbárie e o restabelecimento da normalidade democrática. Simples assim.
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