Sossega, saudade minha. Não me cicies o impróprio convite. Não quero ver-te mais, meu triste horizonte, meu destroçado amor (Carlos Drummond de Andrade).
"Iguatu, Pelos Novos Caminhos da História", o segundo volume da incontornável pesquisa sobre Iguatu a que se dedicou ao longo de uma vida o historiador Wilson Holanda Lima Verde, a cujo lançamento tive o privilégio de assistir (e participar com grande alegria), na noite desta quarta-feira 27, no Ideal Clube, em Fortaleza, é obra que confere ao autor o definitivo título de paladino de nossa memória.
Vazado num estilo elegante, mas sem eruditismos desnecessários, o historiador traça com segurança, domínio de linguagem e fina capacidade de percepção dos fatos, naquilo que tiveram de mais significativo, o desenrolar da história de Iguatu, dando visibilidade aos desconhecidos (e não menos dignos de realce, por isso) e novo brilho aos que já se tornaram referências reconhecidas nos registros historiográficos até aqui realizados em diferentes publicações, jornais, revistas, livros e documentos de toda ordem --- além das conversas informais, poemas telúricos, como os de Ossian Nogueira, e dos causos à Geovane Oliveira, transmitidos de uma geração a outra.
O livro, pois, já nasce clássico, ombreando-se a obras de densidade intelectual e rigor analítico já consagradas, a exemplo do ainda insuperado "Iguatu", de Alcântara Nogueira.
Em suas páginas, assim, vê-se o pesquisador atento e criterioso, o homem de sensibilidade, apaixonado pelo que faz, dedicado a esmiuçar acontecimentos, dirimir dúvidas, elucidar divergências, apoiando-se invariavelmente num vastíssimo repertório de informações --- e numa insuspeita visão de mundo, que pautou sempre, frise-se, pela correção e cidadania exemplares.
Se não sabemos para onde estamos indo, mas que a história é que nos trouxe até aqui, como desfecha o seu monumental "A Era dos Extremos", Eric Hobsmawm, o livro de Wilson Holanda Lima Verde --- nos limites estabelecidos de sua pretensão, o município da região Centro-Sul do estado, em que nasceu e viveu a maior parte dos seus dias --- constitui alentada e alentadora prova de que existem, ainda, caminhos a se percorrer, alternativas de ação a se buscar, contribuições a se dar, independentemente das diferenças que nos separam do ponto de vista econômico, social, intelectual e político, pois que é bastante, para tanto, amar as nossas origens e compreender as nossas apreensões, abrir-se ao porvir com entusiasmo, combater o bom combate em defesa de um mundo mais justo, mais humano, mais livre e mais solidário.
Folheando as páginas deste livro notável, já nos primeiros instantes de um novo dia, pude sentir que seu autor, à maneira de Horácio, o poeta latino da Antiguidade, conseguiu o que é precioso num grande livro: que ele deleite e ensine, deixando o leitor mais leve e mais bem informado. É que Wilson Holanda Lima Verde escreve com clareza, imprimindo um ritmo pessoal à narrativa, sem floreios ou tentativas inúteis de sofisticar a forma em detrimento do conteúdo. Isso, por si só, já o coloca, como escritor, entre os muito bons, vitorioso em suas conhecidas intenções de historiador.
A enriquecer esse belíssimo "Iguatu, Pelos Novos Caminhos", devo destacar o que diz sobre o autor e sua obra, Ivan Lima Verde, na primeira orelha, e, à guisa de prefácio, irretocável, o texto de José Hilton Montenegro, também ele dedicado estudioso da história de Iguatu. Um e outro, sem artifícios ou subjetivações inconsistentes, deslindam o que é fundamental no livro de Wilson Holanda Lima Verde: exatidão, vigor, senso de realidade historiográfica, a que se soma, digo eu agora, um espírito poético que se expressa com comedimento e aristotélica noção de medida.
Para finalizar, que o espaço é exíguo, ocorrem-me os versos desconcertantes de Fernando Pessoa na inconfundível voz de Alberto Caeiro: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia."
Durante o lançamento de seu livro tão importante e tão oportuno, momentaneamente fixei o olhar nos olhos de Wilson, meu amigo e meu mestre: havia ali as águas do Jaguaribe, o rio que corre, vez e outra, caudaloso, pela nossa aldeia.