Faz algum tempo, li no jornal Folha de S. Paulo uma crônica deliciosa de Ruy Castro sobre títulos, em português, de grandes clássicos da literatura mundial. Até tentei localizar o texto para citá-lo amiúde na minha crônica de hoje. Não o encontrei, o que não me impede, contudo, de tomá-lo como fio condutor do que vai a seguir.
Lido o texto memorável de Castro, ocorreu-me lembrar de como se deram, no mesmo filão, algumas traduções de títulos de filmes inesquecíveis do melhor Cinema para o Brasil. A coisa não chega às raias do surreal como se pode constatar em Portugal, onde, acreditem, "Animal Farm" (Fazenda de Animais), baseado no romance homônimo de Georg Orwell, ganhou o bizarro título de "O Porco Triunfante", assim, sem tirar nem pôr. Entre nós, para o bem ou para o mal, a tradução foi generosa, e o filme, a exemplo do que ocorrera ao livro, recebeu o esquerdizante nome de "A Revolução dos Bichos". Tanto melhor.
Como bom bergmaniano, no entanto, ainda hoje reluto em aceitar o que fizeram ao belíssimo "Persona", o clássico de Ingmar Bergman que narra a história de Elizabeth (Liv Ullmann), uma atriz que perde a voz em meio a uma apresentação da tragédia "Electra" e passa a viver um conflito de identidade que leva o espectador a mergulhar nas zonas mais profundas da alma humana. O enredo, como se vê, tem mesmo uma relação estreita com o sentido do substantivo que serve de título ao filme. No Brasil, pasmem os menos familiarizados com a sétima arte, a obra estampou cartaz no mínimo estranho, já não fosse ridículo: "Quando Duas Mulheres Pecam". Arre.
Que dizer da película que imortalizou o inolvidável James Dean: "Rebel Without a Cause" (Rebelde Sem Causa), que resultou no apelativo "Juventude Transviada"? Vá lá, não é dos piores, e há quem diga que o título motivou Luiz Melodia a compor a bela música que entraria para o cancioneiro popular depois de embalar paixões adolescentes de minha geração. Tudo a ver, pois o filme explora a rebeldia de um jovem de família rica que resolve romper amarras e se envolver em confusões impensáveis.
Algumas traduções, faça-se justiça, tornaram filmes inesquecíveis mais reflexivos, mais metalinguísticos, explorando com sensibilidade o que existe na narrativa em termos de discussão do fazer cinematográfico. Parece-me ser o caso, por exemplo, do genial "Rear Window" (Janela dos Fundos), que nos trouxe Hitchcock elevado à máxima potência com o feliz título de "Janela Indiscreta". O filme conta a história de um homem que, impedido de sair de casa após um acidente, põe-se a bisbilhotar a vida dos vizinhos através da janela, até constatar, casualmente, a cena de um assassinato. Obra-prima.
Baseado no livro de Truman Capote, quem haverá de esquecer Audrey Hepburn, fascinante, na pele de Holly Golightly, em plena Times Square a tomar o café da manhã diante das vitrines da famosa Tiffany? É daí que nasceu o título do clássico "Breakfast at Tiffany's" (Café da Manhã na Tiffany), o mesmo do livro que lhe deu origem. Polêmico em suas sugestões extra diegéticas, guardamos na memória a doce história de "Bonequinha de Luxo". Neste caso, nada mal, e o escritor Ivan Lessa o considerava "estonteante". Idiossincrasias à parte, que belo filme.
Do faroeste, vem-me à mente um filme que amo com o fervor de todo bom cinéfilo, e ainda posso ver o menino que fui sentado a uma cadeira do velho Cine Alvorada, em Iguatu, a roer as unhas diante da tela imensa: "Shane", é como se chama. Não há que ter tradução, pois o título remete à figura da personagem de Alan Ladd, protagonista de um clássico em que se pode perceber a síntese dos arranjos cinematográficos do gênero. Para se ter uma ideia do que afirmo aqui, dou a palavra a ninguém mais ninguém menos que Woody Allen: "É o meu filme favorito!". No Brasil... bem, no Brasil, é uma experiência incomunicável rever "Os Brutos Também Amam". O título, bem à maneira do que ocorreu à "Juventude Transviada", levaria Roberto Carlos a compor a música que se imortalizaria na voz de Agnaldo Timóteo. É verdade, os brutos também amam.
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