quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O colunismo torpe da Folha

Desde que a doença do ex-presidente Lula foi divulgada, em primeiro momento por determinação dele próprio, num gesto que antes de qualquer coisa serve para a ilustrar ainda mais o elevado espírito de suas decisões, tenho lido na internet depoimentos de causar revolta a qualquer pessoa minimamente sensível à angústia dos que, a exemplo do ex-presidente, têm ou tiveram nas mãos o diagnóstico aterrador: - "É câncer." Revolta à parte, admite-se que, vinda do anonimato insano e covarde da rede mundial, a baixaria apenas traduza o despreparo e a ignorância de muitos.
 
Daí a ler, entre enojado e envergonhado, o que está sendo publicado em parte da grande imprensa, o jornal Folha de S. Paulo à frente, vai um abismo de diferença. A coisa é feia, indigna, revoltante, descabida, inacreditável  na perspectiva de um matutino que prestou tantos e tão significativos serviços ao país  --  e que, agora, confunde jornalismo independente com permissividade, aceitação de atitudes moralmente degradantes. Uma pena. 
 
Para se ter um ideia do que estou falando, peço desculpas ao leitor desta coluna por citar um ou dois fragmentos do que têm publicado sobre o assunto alguns dos mais prestigiados colunistas do jornal paulistano: "[...] o ex-presidente parece agora pinto no lixo"; "[...] a doença tem origem no abuso da fala, do tabagismo e do alcoolismo de Lula"; "[...] a doença tem a vantagem de levar o doente a parar com seus goles" etc. Um outro colunista da mesma Folha quer saber quem vai pagar o tratamento do ex-presidente. Pasmem.
 
A minha indignação, claro, não se prende ao fato de se tratar do ex-presidente brasileiro mais popular de todos os tempos, de um líder reverenciado mundo afora. Não é isto o que indispõe e revolta. A minha desaprovação veemente reside na consciência do quanto merecem respeito aqueles que, acometidos de uma doença grave, encontram-se fragilizados diante do imponderável, por largas que sejam as chances de cura.
 
Lamentável, não se deve calar, que um dos maiores e mais importantes matutinos da América Latina se preste a exemplificar o que há de mais sórdido na prática do jornalismo, não medindo palavras para expressar o seu inconformismo com o fato de ser Lula, reconhecidamente, o principal responsável pelas sequenciadas derrotas de candidatos paulistas à presidência da República. Eis a razão por que vem explorando torpemente o drama pessoal do ex-presidente a fim de fazer agrados ao patrão.
 
 

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O romantismo pós-moderno de Marisa

Comprei e não consigo parar de ouvir. Desde há pelo menos cinco anos, quando lançou o seu penúltimo álbum, Marisa Monte não aparecia com um novo trabalho. Esta semana, finalmente, chega às lojas o imperdível O que você quer saber de verdade. O CD tem uma linha estética menos conceitual e é escancaradamente romântico, embora cantado numa perspectiva pós-moderna que faz a diferença em relação ao que se tem feito nos últimos anos em termos musicais. É o que demonstra, por exemplo, o verso "amar alguém não tem explicação", de Amar Alguém, dela, Dadi e Arnaldo Antunes, um dos destaques do novo álbum.

A propósito, a cantora faz no seu site uma breve reflexão sobre o tema: - "O amor é uma forma de inteligência, talvez a maior delas. Estamos vivendo muitas transformações nas relações familiares, nas relações humanas, e uma coisa certa é que os modelos do passado não servem mais para a gente". O CD, no entanto, do ponto de vista poético, explora variadas possibilidades, que vão da alegria do encontro, como na faixa Ainda Bem ("Tudo se transformou, agora você chegou, você que me faz feliz, você que me faz cantar...) à aceitação do fim ("Depois de aceitarmos os fatos, vou trocar seus retratos, pelos de outro alguém), em Depois, a mais bela do álbum.

Para se ter uma ideia da ousadia do projeto em torno da divulgação do CD, O que você quer saber de mim teve lançamento simultâneo em 30 países. Extremamente bem cuidado sob todos os aspectos da produção, traz participações inusitadas de artistas de diferentes extrações, que vão do americano Jasse Harris (guitarrista de Nora Jones), os cariocas Vinicius Cantuária e Daniel Jobim, ao acordeonista cearense Waldonys. Foi gravado no Rio e em Buenos Aires, e mixado em Los Angeles e Nova York.

Mas é o perfeito casamento da simplicidade com o requinte, poucas vezes conseguido nesse nível por artistas brasileiros contemporâneos, que arrebata o ouvinte. Sem esquecer de falar da beleza da voz de Marisa Monte, que, bem nos termos com que se pode citar aqui Roberto Carlos, de quem diz ter sofrido a maior influência enquanto intérprete, alcança parâmetros técnicos absolutamente irretocáveis, mesmo para os não especialistas na matéria, como é o caso deste colunista.

Além disso, é o sucesso do 'triângulo amoroso' Marisa Monte/Arnaldo Antunes/Carlinhos Brow, surgido com Os Tribalistas, há coisa de uns nove, dez anos, a outra nota mais marcante de O que você quer saber de verdade. Os três assinam algumas das composições mais rítmicas do CD e fazem hoje o que há de melhor em termos de parceria na MPB. Notadamente os dois primeiros, que, de tão parecidos, até fisicamente, como que nasceram um para o outro. Ficar em casa (como está na canção Hoje eu não saio não) e ouvir sem parar o novo álbum de Marisa Monte, vai ver é uma boa pedida. Eu garanto.