Leitora comenta a coluna de sábado, que leu no meu blog, e mostra-se curiosa em relação aos outros dois tipos de ciúme estudados por Freud. Quer saber mais. Vá lá, falemos um pouquinho mais sobre o tema. No estudo citado, de 1922, como disse, Freud estabelece a existência de três tipos de ciúme: o normal, o projetado e o delirante. Sobre o primeiro tecemos considerações rápidas no texto anterior. O segundo, projetado, é um caso clássico que a leitora diz conhecer de perto (risos): é uma projeção no outro cônjuge da própria infidelidade. A pessoa tem inclinações para trair, sente-se com freqüência tentada a fazê-lo e, numa atitude inconsciente de defesa ou mascaramento de suas vocações adúlteras, transfere para a outra essas ‘inquietações’. É mesmo um tipo comum e, segundo Freud, pode sobrepor-se ao ciúme dito normal ou deslizar para o terceiro tipo, o delirante. Aqui, creio, entram os excessos da psicanálise: para Freud, no ciúme delirante estão presentes os mesmos mecanismos do ciúme projetado, mas o objeto do desejo é, nesse caso, do mesmo sexo. Palavras do próprio: “O ciúme delirante corresponde a uma homossexualidade abafada”. Valendo-me da literatura, a título de exemplo e no viés da psicanálise, no Dom Casmurro é Bentinho quem sente forte atração por Escobar, a quem considera objeto passional da mulher, Capitu. Tudo no plano do inconsciente, claro. Coisas da psicanálise.
O fato é que não se pode desconsiderar essa possibilidade, ou seja, não se pode fechar olhos para as muitas pistas deixadas por Machado acerca da paixão homossexual de Bentinho. Textualmente: “Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo [Escobar], que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão; um padre que estava com eles não gostou”. Isso para ficar numa citação, apenas, entre as muitas que se poderiam fazer. Obra aberta, no clássico sentido professado por Humberto Eco, em livro homônimo, a obra de Machado permite leituras diversas. Este olhar sobre a vertente homossexual de Bentinho, pois, prende-se à tentativa de exemplificar o que para Freud seria o ciúme delirante. Satisfeita a curiosidade da leitora, penso, voltemos ao tema da última coluna sobre a pesquisa “Ciúme excessivo induz à traição”, que tanta polêmica causou.
A literatura é pródiga em tematizar essa questão. Em Nelson Rodrigues, cuja genialidade vem a ser outra vez objeto de adoração no meio teatral, depois de um prolongado ostracismo, a coisa é recorrente. Já no texto de estréia, A mulher sem pecado, deparamos com um caso genial: Olegário, o protagonista, tomado de ciúmes da mulher, Lídia, entrega-se a uma cadeira de rodas com a intenção de confirmar a sua infidelidade. A peça gira em torno desse drama, desse ciúme patológico da personagem. Quando, por fim, convence-se de que não é traído, acontece-lhe o pior. Não suportando mais a situação, o inferno em que vive, Lídia foge com Umberto, o motorista da casa.
Mas é outra personagem de Nelson que representa, à saciedade, o tipo ciumento-mórbido: Gilberto, protagonista de Perdoa-me por me traíres, para quem tudo é motivo para desconfiar da mulher, mesmo os mais rotineiros hábitos de higiene: no seu delírio, vê rivais por toda parte, “escorrendo pelas paredes, como água infiltrada”. Decide internar-se para tratamento. Quando se sente recuperado, “outro homem”, retorna à casa, mas a mulher já tem um amante. E aqui vem uma fala maravilhosa da mãe de Gilberto, como se antevisse o adultério: “[...] higiene íntima três vezes por dia, se tem cabimento! Tanto asseio não havia de ser só para o marido, duvido!” Por sua vez, num nonsenso tipicamente rodrigueano, Gilberto, atirando-se aos pés da mulher: “Perdoa-me por me traíres”. É Nelson, no seu melhor estilo.
O fato é que não se pode desconsiderar essa possibilidade, ou seja, não se pode fechar olhos para as muitas pistas deixadas por Machado acerca da paixão homossexual de Bentinho. Textualmente: “Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo [Escobar], que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão; um padre que estava com eles não gostou”. Isso para ficar numa citação, apenas, entre as muitas que se poderiam fazer. Obra aberta, no clássico sentido professado por Humberto Eco, em livro homônimo, a obra de Machado permite leituras diversas. Este olhar sobre a vertente homossexual de Bentinho, pois, prende-se à tentativa de exemplificar o que para Freud seria o ciúme delirante. Satisfeita a curiosidade da leitora, penso, voltemos ao tema da última coluna sobre a pesquisa “Ciúme excessivo induz à traição”, que tanta polêmica causou.
A literatura é pródiga em tematizar essa questão. Em Nelson Rodrigues, cuja genialidade vem a ser outra vez objeto de adoração no meio teatral, depois de um prolongado ostracismo, a coisa é recorrente. Já no texto de estréia, A mulher sem pecado, deparamos com um caso genial: Olegário, o protagonista, tomado de ciúmes da mulher, Lídia, entrega-se a uma cadeira de rodas com a intenção de confirmar a sua infidelidade. A peça gira em torno desse drama, desse ciúme patológico da personagem. Quando, por fim, convence-se de que não é traído, acontece-lhe o pior. Não suportando mais a situação, o inferno em que vive, Lídia foge com Umberto, o motorista da casa.
Mas é outra personagem de Nelson que representa, à saciedade, o tipo ciumento-mórbido: Gilberto, protagonista de Perdoa-me por me traíres, para quem tudo é motivo para desconfiar da mulher, mesmo os mais rotineiros hábitos de higiene: no seu delírio, vê rivais por toda parte, “escorrendo pelas paredes, como água infiltrada”. Decide internar-se para tratamento. Quando se sente recuperado, “outro homem”, retorna à casa, mas a mulher já tem um amante. E aqui vem uma fala maravilhosa da mãe de Gilberto, como se antevisse o adultério: “[...] higiene íntima três vezes por dia, se tem cabimento! Tanto asseio não havia de ser só para o marido, duvido!” Por sua vez, num nonsenso tipicamente rodrigueano, Gilberto, atirando-se aos pés da mulher: “Perdoa-me por me traíres”. É Nelson, no seu melhor estilo.