Certa vez escrevi neste mesmo espaço acerca da vida amorosa de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Falei das excentricidades que marcaram a vida do casal, pontuada, entre outras coisas, por um curioso pacto de liberdade que levaria um e outro a terem relacionamentos extraconjugais, homossexuais, inclusive. O caso continua a suscitar divergências e envolve questões culturais ainda inquietantes mesmo para os padrões da atualidade. Curioso.
Um desses casos e supostamente o mais conhecido, está documentado nas mais de 300 cartas que Simone de Beauvoir escreveu entre fins da década de quarenta e inícios da década de sessenta para o escritor americano Nelson Algren. O material foi publicado em livro, que tive a curiosidade de ler há algum tempo. Não sendo uma obra de grandes qualidades, a exemplo de O segundo sexo ou Cerimônia do adeus, ambos da feminista francesa, expõe a vida íntima de um caso de amor repleto de crises de ciúme, incompatibilidades, olhares desiguais sobre uma mesma situação da convivência etc. Enfim, em linhas gerais, o livro aborda as questões que todos conhecemos e que fazem parte de qualquer experiência de vida a dois. Um ponto, no entanto, parece-me mais relevante, e é sobre ele que gostaria de falar agora.
Para Beauvoir, a dor decorrente da ruptura de um relacionamento costuma durar mais que o próprio amor, ou seja, a nostalgia e o sofrimento decorrentes do insucesso de uma relação de dez meses, por exemplo, persistirão por mais tempo ainda. A afirmação de Beauvoir, nota-se, é discutível sob muitos aspectos, até porque a resposta diante de uma desilusão é diferente entre uma e outra pessoa. Conheço amigos que padeceram este martírio por muitos anos, assim como tenho outros que reagiram bem ao final da primeira semana e conseguiram reconstruir suas vidas rapidamente. Eu mesmo vivi uma experiência dessas e o tempo de superação me pareceu a eternidade. Quem ainda não terá passado por isso?
A cronista gaúcha Martha Medeiros, por sinal, plasmou sobre a afirmação da feminista francesa uma crônica muito interessante. Está no livro Non-Stop e intitula-se Amores interrompidos. Nela, Medeiros chama a atenção para um aspecto que me parece mais significativo sobre o tema. Diz ela: - "Enquanto estamos vivendo um amor, não teorizamos a respeito. Só a partir da ruptura é que fazemos um inventário dos ganhos e das perdas, e, por estarmos emocionalmente fragilizados, acabamos por superdimensionar nossa solidão involuntária." Perfeito, Martha.
Que fazer então, quando sabemos que, na sua grande maioria, cedo ou tarde as relações vão fracassar e a dor e a saudade advindas dessa realidade serão inevitáveis? Ah, leitor, deparamos agora com uma questão insolúvel. Não há receitas, não existem métodos eficientes. Toda relação é feita de encontros e desencontros, está alicerçada sobre individualidades que trazem em si grandes diferenças. Querer o equilíbrio numa relação, embora sendo esta a única alternativa para a longevidade do amor, é conquista de poucos e o maior desafio talvez seja outro: saber conviver com as idas e vindas, com os deslizes, as fragilidades do outro, os altos e baixos do relacionamento, coisas que fazem parte da história dos casais. O erro está em radicalizar, em não saber vivenciar o milagre da tolerância, em ser incapaz de subestimar algumas faltas da pessoa que um dia nos pareceu sem defeitos - o homem ou a mulher dos nossos sonhos - em reconhecimento das qualidades de que é possuidora. E, o que é indispensável: saber perdoar. Quem sabe é isso que quer dizer amor e seja este o caminho para a felicidade a dois.
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