terça-feira, 22 de novembro de 2011

Isto o que a Arte é

De bem longe, vem um comentário sobre a crônica do último sábado: - "Veja como são as interpretações. O seu texto não me fez pensar que você tivesse se tornado descrente quanto ao amor. Logo você...?" Li o e-mail e fiquei matutando sobre esta relação curiosa entre o eu que está naquilo que escrevemos e o eu biográfico, de resto um dos problemas mais comuns no complexo terreno da Estética. Pode o conhecimento da vida do artista desvendar os mistérios de sua arte? Pode a obra de um artista revelar a personalidade do seu autor? Escrever é sempre uma arte, mesmo quando se trata de uma crônica de jornal.

A personalidade artística é uma, a personalidade do autor é outra. A importância da arte reside em ela provocar sentimentos que nem sempre coincidem com os setimentos de quem a produz, mesmo no instante de uma escritura, como ocorre a um cronista quando escreve o seu texto. A arte existe quando alguém é capaz de expressar, por meios formais exteriores, os sentimentos que experimentou direta ou indiretamente, e encontra caminhos estéticos pelos quais transmite esses sentimentos aos outros, contagiando-os com a mesma emoção que sentiu, sente ou que é capaz de imaginar o que seria sentir.

Uma das funções indispensáveis à arte, é que ela possibilite a comunicação entre aquele que a realiza e aquele que a recebe, pelos diferentes meios com que pode o artista se expressar. Por isso, lotamos os teatros, os museus, compramos romances e livros de poesia. Por isso, vamos ao cinema e confundimos, no espaço de uma, duas horas, a nossa vida com a vida dos personagens. Choramos, sentimos ódio, abrimos a alma e o coração diante daquela irrealidade como se tratasse da realidade intensificada. E essa comunicação é tanto maior e mais poderosa porque, através da arte, o artista é capaz de transmitir sentimentos, enquanto as palavras, em estado frio de dicionário, apenas podem transmitir pensamentos.

A palavra saudade, por exemplo, não tem um equivalente exato em outro idioma que não o português. Como dizer o que ela significa para quem desconhece o nosso idioma? Como levar um inglês, um francês, um alemão, a compreender o que representa este sentimento intraduzível comum a todos os homens de qualquer país? O poeta nos ensina: - "A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu." Ao que consta, Chico Buarque jamais experimentou a dor que é perder um filho, mas é capaz de "mentir" esta experiência com a genialidade do seu talento, a sensibilidade do poeta extraordinário que é. E com ele, sentimos a dimensão de uma dor que jamais sentimentos. Trocadilho à parte, é isto o que a arte é.

A propósito, o verso antológico que citamos acima, no contexto do poema, não se refere à perda de um filho. É a metáfora de que se vale o eu lírico para a expressar o que dói a perda da mulher ou do homem que se ama. Quando se perde um grande amor, está na letra de Pedaço de mim, a saudade que se sente "é o pior tormento, é pior que o esquecimento, é pior do que se entrevar."






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