sexta-feira, 27 de julho de 2012
O Negro no Futebol Brasileiro
O livro, numa prosa elegante e expressiva que consagrou o seu autor, traz a trajetória do negro no futebol brasileiro, as dificuldades e preconceitos que marcaram a sua presença nos campos e fora deles a partir de inícios do século XX. Não à toa, pois, é considerado um trabalho tão importante quanto os clássicos Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. ou Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda. Sim, não estou exagerando, haja vista que o levantamento realizado por Mario constitui uma contribuição relevante para o conjunto de obras já escritas sobre o caráter nacional brasileiro. O faz com um rigor e uma maestria dignos dos nossos mais importantes intérpretes da identidade nacional, sendo, pois, um livro indispensável.
Ao lado de trazer histórias por demais curiosas sobre o esporte bretão no Brasil, como o fato de que era comum jogadores beberem repetidas doses de cachaça minutos antes das partidas, o livro de Mario Filho confirma o preconceito racial reinante entre nós e tantas vezes encoberto mesmo por autores da estatura de Gilberto Freyre, a quem se devem algumas das páginas mais brilhantes acerca da formação do país. E quase nunca exploradas pelos historiadores do nosso futebol, diga-se em tempo.
Sobre a derrota para os uruguaios em 1950, por exemplo, de que resultaria um dos traumas mais profundos de nossa identidade futebolística (o surgimento do complexo de vira-lata do brasileiro, segundo Nelson Rodrigues, irmão de Mario), o livro evidencia o quanto a questão racial aflorou nos meses que se seguiram àqueles inesquecíveis 2 a 1: a responsabilidade pela derrota, inclusive pela imprensa especializada, foi enfaticamente atribuída aos jogadores negros do escrete brasileiro, nomeadamente Barbosa, Juvenal e Bigode.
Sobre o último, famoso pela valentia, Mario fornece um detalhe do jogo com o Uruguai absolutamente estarrecedor, que serviria para 'justificar' os comentários preconceituosos dirigidos ao nosso zaga: "Quando Bigode, duro, dando aqueles botes de cobra, começou a dominar Gigghia, Obdúlio Varela primeiro foi para cima de Gigghia. Deu-lhe uns gritos, uns empurrões. Para Gigghia deixar de ser covarde. Depois, logo em seguida, Obdúlio Varela agarrou Bigode pelo pescoço. Não lhe meteu a mão na cara. Mas que o balançou em safanões, balançou".
O fato é que, deixado de lado o preconceito inaceitável, mesmo para Mario Filho, o fato teria sido quase decisivo, posto que Gigghia passou a levar vantagem nas disputas com Bigode. Este, orientado a não reagir às agressões do time uruguaio, passou a zonzar em campo, humilhado diante de duzentos e vinte mil brasileiros. Dou a palavra ao escritor: "[...] com as faces ardendo de vergonha, contendo-se, Bigode não dominou mais Gigghia. Os dois gols uruguaios saíram dos pés de Gigghia. Bigode, sempre recuando, não se atrevendo mais a dar o bote de cobra com os pés juntos". À época, o popular 'carrinho' era um recurso legítimo e uma das armas defensivas do jogador brasileiro.
Para fechar a coluna, ainda pela pena de Mario Filho, autor do belo O Negro no Futebol Brasileiro, deixo ao leitor a mais triste página da história do Brasil nas Copas: "Gigghia chutou para o gol. A bola ia para fora, para as redes do lado de fora. Barbosa, porém, atirou-se e, quando sentiu que a bola passara, levou a mão esquerda para trás, para puxá-la, como às vezes fazia. Em vez de puxá-la, o que fez foi desviar-lhe o caminho, de fora para dentro do gol".
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Grua, revista de estética do filme
Este cronista assina o artigo A Alegoria Platônica de Abbas Kiarostami, uma análise do filme Cópia Fiel realizada a partir do Mito da Caverna, de Platão. Entre os colaboradores, artistas e intelectuais de peso, como Bráulio Tavares, renomado poeta e cineasta paraibano, com um belo e profundo artigo sobre o filme Alphaville, de Jean-Luc Godard.
A revista terá periodicidade quadrimestral e vem preencher uma lacuna já há muito tempo reclamada por jornalistas, críticos, estudiosos e amantes da sétima arte. O número "0", com que Grua vem a público, pretende difundir o hábito de assistir a filmes e saber vê-los com um mínimo de competência estética, embora estejamos comprometidos em manter um nível de análise compatível com o grande público. Não se trata, pois, de uma publicação destinada a especialistas de cinema, mas, sim, a um público realmente interessado em desenvolver a sua capacidade de depreensão de uma produção cinematográfica mais exigente.
No cinema, 'grua' é o nome que se dá ao conhecido guindaste que permite ao operador de câmera, em gangorra -- e sob a batuta do diretor do filme --, realizar aqueles movimentos nunca imagináveis pela complexidade de enquadramentos e ângulos de gravação pretendidos. Alguns diretores, a exemplo de Alfred Hitchcock, acompanhavam esses movimentos de cima do equipamento, numa época em que a tecnologia do cinema não permitia, ainda, a visualização das filmagens em tempo real. Com algum saudosismo, portanto, para nós da revista, a palavra constitui uma metáfora, para sugerir o movimento que haverá de orientar sempre o nosso olhar sobre a sétima arte.
Para os que fazemos GRUA, A Revista de Estética do Filme, desde seu número zero, Grua significa movimento, imaginação, criatividade cinematográfica, brilho nos olhos, objeto de nossas análises do cinema e dos filmes que vemos e adoramos, o compartilhamento com os leitores e espectadores da magia do cinema, hoje, ontem e sempre.
GRUA sabe que o cinema é o pensamento inscrito na tela que dá sentido ao mundo pela imagem, e como diz Enéas de Sousa (Trajetórias do cinema moderno, Porto Alegre, 2007, prefácio à terceira edição) o crítico de cinema é como um frequentador de bares, um bêbado, mas que se mantém sóbrio até a "saideira", até o último copo. Tratamo-nos de uns viciados, drogamo-nos com Bergman, com Jean-Luc Godard, com Kiarostami, com François Truffaut. Esta revista, pois, é um tipo de cortesia aos amantes do cinema do Ceará e, em breve, do Brasil inteiro. Acreditem!
quinta-feira, 12 de julho de 2012
Para seguir minha jornada
Para seguir minha jornada, como se intitula, nasceu, segundo a autora, de uma conversa sobre o Brasil de Chico Buarque, mais precisamente sobre tudo (ou quase) que se publicara sobre o compositor nas décadas de 1960, 1970 e 1980, e que havia sido arrebanhado pela tia dele, Cecília Buarque de Hollanda. São artigos, recortes de jornais, revistas e documentos de críticas e do próprio acervo pessoal do biografado. Tudo, como disse, tratado de forma absolutamente irrepreensível do ponto de vista editorial, o que dá ao livro de Regina Zappa um charme e uma força estética incontornável. É ler e constatar.
Ricamente ilustrado, com um conjunto fotográfico capaz de deixar babando qualquer fã mais entusiasmado, o livro me pegou, sobremaneira, pela riqueza de informações pouco exploradas de passagens muitíssimo curiosas da vida pessoal e artística de Chico Buarque. Um exemplo? A quase sempre questionada relação do compositor de Construção com a Jovem Guarda, movimento que, pela própria distância do rigor estético característico da produção buarquiana, poderia lhe ter sido indiferente. E não foi!
Baseada em jornais da época, Zappa alude à assumida intenção de Chico Buarque de se aproximar de Roberto Carlos a fim de liderar com ele um movimento de união dos diferentes segmentos da música popular brasileira: "Roberto Carlos e Chico Buarque parecem estar juntos, no mesmo time, pela primeira vez. O iê-iê-iê e o samba tradicional concluíram que era gastar energia inútil manter a rivalidade e fizeram as pazes". Numa conversa entre os dois, Chico propôs: "Por que não grava 'Amélia'? Seu sucesso quando canta música de Mário Lago e de Ataulfo é evidente." Roberto gravou o samba-canção e fez muito sucesso, além de convencer aos desafetos, de uma vez por todas, que é de fato um intérprete versátil e seguro.
O mais significativo, no entanto, diz respeito mesmo à militância de Chico Buarque, o que lhe valeu bem mais do que censura aos seu trabalho. O artista foi frequentemente ameaçado pelos militares, e o fac-símile de uma cartão de Natal, endereçado ao compositor, atesta: "[...] O Comando de Caça aos Comunistas deseja a você, ativista da canalha comunista que enxovalha o país, um péssimo Natal e que se realize no ano de 1979 nosso confronto final." Sobre este aspecto do livro, tão rico, escreverei na coluna de sábado. Por enquanto, recomendo o belíssimo trabalho de Regina Zappa.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Fui infeliz, talvez
Fui reler o texto e admito não ter sido muito feliz na sua escrita, o que supostamente ocasionou alguma controvérsia. Valho-me deste, pois, para esclarecer alguns pontos que julgo importantes sobre o assunto: Não tive, sob qualquer aspecto, a motivação de achar razoável que os pais devam assumir a condição de perdedores para os seus filhos. Pelo menos se tomarmos a expressão ao pé da letra. Assumir-se perdedor, no caso da coluna de sábado, é dar aos filhos a consciência de que somos falíveis, sujeito a cometer erros e capaz de reconhecê-los, sem subterfúgios ou medo de enfrentar as suas consequências. Ninguém é ou poderá ser vencedor a vida inteira, mesmo "aqueles cujas contas bancárias estão explodindo de gordas", foi o que dissemos, baseados na última declaração de Allen: - "Não quero que digam: oh, meu pai arrecadou 12 milhões de dólares só na primeira semana!", referindo ao filme Meia Noite em Paris.
Depois, aludimos à atitude de um pai nas imediações do colégio em que fora apanhar o seu filho pequeno, ofendendo de forma arrogante um simples catador de recicláveis que 'ferira', por descuido, o carrão blindado. Esses os que, medindo as regras do jogo pelo dinheiro que têm, diariamente dão aos filhos a noção equivocada de que são vitoriosos sempre. E a vida, cedo ou tarde, acabará por lhes dizer não!
Quanto à acusação de que se trata de um pedófilo, é oportuno esclarecer: em 1992, Woody Allen, à época casado com a atriz Mia Farrow, apaixonou-se pela coreana Soon Yi Previn, 34 anos mais nova, com quem casou e viveu até a separação, recentemente divulgada na imprensa. Fui infeliz? Talvez.
Woody Allen está nos cinemas com o seu último filme: Para Roma, com amor. Não o vi, ainda, razão por que não posso comentá-lo agora, a exemplo do que fiz com outros títulos de sua vastíssima lavra. Inclusive o último, Meia-Noite em Paris, o tal filme dos 12 milhões de dólares na primeira semana. Até onde sei, contudo, o filme faz parte de um projeto do cineasta americano no sentido de documentar cinematograficamente algumas das cidades mais belas do mundo, entre aos quais o Rio de Janeiro. Na mesma entrevista de que tiramos a seiva da coluna anterior, por acaso, Allen afirma estar impressionado com o que já conhece da cidade brasileira por gente da produção. Está dito.