sexta-feira, 15 de março de 2013

Morreu um Homem

Evitei escrever sobre a morte de Hugo Chávez logo após a confirmação da notícia. Faço-o agora, movido pelo dever de consciência em meio ao festival da reacionarismo e preconceito que marcam a cobertura do fato pela grande imprensa, entenda-se por isso, em termos de Brasil, as revistas Veja e Época, os jornais O Globo e a Folha de S. Paulo, para cujos órgãos o líder venezuelano não passava de um louco desvairado investido de poder. Esses rótulos, por sinal, ensejam uma metáfora que me tem ocorrido sempre que sou levado a comentar o assunto: Chávez foi o menino a quem, nos limites do bairro, todos chamavam de louco, mas que era o único capaz de encarar o valentão da turma, ainda que saindo do enfrentamento cheio de marcas e arranhões, mas de cabeça erguida e altivo em sua dignidade quase sempre mal compreendida. O grandão, claro, é a superpotência norte-americana, diante de cuja valentia e prepotência todos se curvam, obedientes, submissos, subservientes. A multidão, que, comovida, rende homenagem ao líder bolivariano, atesta uma verdade insofismável: Chávez governou para os pobres, procedeu a uma revisão (que poucos percebem) dos fundamentos filosóficos do socialismo, pensou a Revolução com fé religiosa sincera e uma inabalável confiança no porvir dos povos latino-americanos, atitude esta que sempre fundamentou nos valores humanos mais nobres, em que pese a prática de um governo centrista e, na superfície, antidemocrático. O que é, todavia, a democracia? Ocorre-me lembrar das palavras de Bertold Brecht: "Do rio, que tudo arrasta, se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem!" A minha percepção, incômoda na perspectiva do senso comum, é a de que morreu um homem. E de que o Continente se fragiliza.
 
FRANCISCO
Ao torcer pelo Brasil durante o último conclave, ninguém lembrou que, pela frente, pudesse haver um argentino. A escolha de Jorge Mario Bergoglio, no entanto, reedita a imagem humana de João Paulo I, que mal pode iniciar o seu pontificado, calcada na humildade que, ao bater do primeiro olhar, lembra-nos a de um padre do interior, com sua simplicidade sempre acolhedora. Dois gestos, a princípio, impressionaram-me muito e, quero crer, a todos: 1. Dispensou o carro oficial do Vaticano em favor de um outro, desprovido das sugestões amplificadoras do poder papal. 2. Ao se apresentar à multidão, curvou-se à vassalagem, e, ao invés de abençoá-la, pediu que lhe fizessem isso, dando a ver o real significado de sua figura como um representante de Deus, e líder à frente dos bilhões de fieis da Igreja Católica espalhados ao redor do mundo. Para não falar da escolha do nome, Francisco, capaz de infundir os rumos do seu pontificado, estou certo voltado para os humilhados e ofendidos de todos os países. Se não tem, pelo que pude ler, uma formação progressista no rigor do termo, escreveu uma história de coerência e inatacável correção em defesa do ideário cristão. Dá-nos, com suas primeiras e tão humanas palavras, do alto do poder de que se vê repentinamente ungido, uma demonstração de que é possível crer na possibilidade de superação da crise sem precedentes da Igreja Católica, na reorientação dos passos que haverão de reconduzí-la à presença de Deus.
 
FRANCISCO II
Não fecho os olhos para as acusações que já repercutem contra o Papa Francisco: Segundo comentários divulgados pela Internet, Jorge Mario Bergoglio teria atuado em favor da ditadura argentina, denunciando padres progressistas e silenciando diante da prática da tortura contra os condenados do regime militar no país vizinho. Até prova em contrário, todavia, prefiro guardar a imagem do bom pastor com que fez sua primeira aparição ao fieis do mundo inteiro. Detentor de um carisma que, inequivocamente, faltou a Bento XVI, Francisco conquistou de imediato a simpatia popular, e a extraordinária acolhida ao seu nome para dirigir a Igreja Católica, a partir de agora, aponta para uma reorientação do Vaticano em face dos desafios (imensos!) que terá de enfrentar a fim de reconquistar o prestígio do catolicismo num mundo marcado por tantas e tão grandes contradições. Ao se mostrar mais tolerante e mais "aberto" desde o primeiro instante, a exemplo do que fez, Francisco chega com menos aura e mais transparência que seu antecessor, o que faz mais otimistas e mais confiantes seguidores da Igreja Católica espalhados pelos diversos continentes. Habemus Papam.
 
PERDAS
Escrevo a coluna de hoje consternado com a morte de dois iguatuenses queridos: Hélio Oriá e Assis. Deixam, pela vida que viveram, exemplos que engrandecem suas memórias. Souberam, com seus corações generosos e simpatia contagiante, construir amizades sólidas, o que dá a ver as razões por que, segundo informações que me chegam de amigos comuns, a cidade se une num coro de lamentações e luto. A coluna rende homenagem aos dois e conforta suas famílias com um particular carinho.
 
 

 
            
            
           

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