sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O que falta mais?

Começo por evidenciar que não seria eleitor de Eduardo Campos. Ao que acrescento: a forma como rompeu com o Planalto, de cujo projeto de governar participou até lançar-se como pretenso candidato à Presidência, pelo PSB, não condiz com o que sabemos dele, um político de posições modernas e um entusiasta do ideário socialista.
 
Até aí, como se vê, nada que me feche os olhos para o que o político promissor representava para o País, colocando-se como uma alternativa a meio caminho entre a continuidade e o retrocesso, emblematicamente personificados por Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores) e Aécio Neves, do PSDB.
 
Sua morte, prematura e trágica, como é comum a todos aqueles que sabem separar os fatos, provocou-me uma tristeza imensa, um sentimento de que o destino fora longe demais agora, como que a errar o alvo de forma brutal.
 
Eduardo Campos tinha 49 anos, era um líder carismático e, como mostrou a televisão, um chefe de família exemplar. O filme em que os filhos o exaltam, no Dia dos Pais, cortou-me o coração, a inocência do bebê de três meses, objeto do carinho da mãe e dos irmãos, fora do enquadramento da câmera, a confirmar a beleza do instante.
 
Na noite que antecedeu o desastre, acompanhei atentamente sua entrevista durante o Jornal Nacional, e, mais tarde, na Globo News, sua conversa com a jornalista Renata Lo Prete. Sua visão de mundo e dos caminhos pelos quais sonhava inserir o Brasil no cenário das relações internacionais, se eleito, fizeram-me repensar algumas convicções do que, como cidadão, entendo ser o melhor para todos nós, brasileiros. No mínimo, confesso, fui dormir com impressões pessoais otimistas na hipótese de um segundo turno: Eduardo Campos olha para a frente. Não apoiará Aécio!
 
O fato é que o destino se impôs, com suas armas quase sempre traiçoeiras. Eduardo Campos é, como diria Drummond, "apenas um quadro na parede, mas como dói!", é a voz unânime daqueles que o conheceram, e que, inconsoláveis, pranteiam hoje a sua partida pavorosa.
 
Nesse contexto, pois, é que em igual proporção, surpreende e revolta como agiram nas redes sociais, mal se consumara o fato, algumas pessoas da chamada elite cearense, odiosas em sua maldade "brincalhona" e levianas em sua forma de encarar a dor alheia  --  para não falar (claro!) da motivação desavisada e doentia de querer tirar proveito politiqueiro mesmo diante de um fato que, por oportuno, lhes deveria lembrar a velha lição: dinheiro, posição social, prestígio etc., de que valem no final das contas?
 
Refiro-me à mesma gente que bate lábios diante do altar toda semana e que, num gesto abominável, agora enche as páginas da Rede com mensagens em que Dilma Rousseff, vestida à Satanás, é identificada como responsável pela morte de Eduardo Campos. O que falta mais?  
 
 
 
 
 
            
           

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Direito e Literatura

Do poeta, jurista, crítico literário e historiador Dimas Macedo, chega-me às mãos Direito e Literatura, ensaios e reflexões, conjunto de setenta e sete textos que abrangem da Sociologia à Filosofia do Direito, sem esquecer, claro, as inconfundíveis incursões do autor pelo campo das artes, nomeadamente a Literatura.
 
Como observa Macedo, em texto de apresentação, o livro explora seus diferentes temas pelo viés da crítica dialética e da teoria material, mas o faz fundamentando-se numa generosa prospecção do que existe de mais significativo nos diversos outros livros que o crítico examina com a sensibilidade do poeta e o rigor acadêmico do especialista, a que devemos algumas das páginas mais sublimes do ensaísmo contemporâneo.
 
São textos curtos, é bem verdade, como o opúsculo pede, mas nunca superficiais, licença analítica que Dimas Macedo não se permite, mesmo quando depara com escrituras pouco exigentes, a exemplo do livro de memórias deste colunista a que o autor de Direito e Literatura dedica sua atenção, insisto, com a habilidade de um mestre, equilibrando-se, como um sábio, entre as motivações do amigo e o rigor do esteta criterioso que invariavelmente é.
 
É assim que o vemos lidar, por outro ângulo, com a obra de Moreira Campos e Luiz Gonzaga, com a poesia de Hermínia Lima e a escansão musical de Diego Macedo, com a arte de Mano Alencar e Cláudio César, para não falar do olhar atento que dispensa à história regional. Nessa perspectiva é que, numa só visada, dá proeminência ao Nordeste como berço de grandes artistas, com destaque para o romancista José de Alencar, o poeta Patativa do Assaré, entre outros  --  e faz alusão ao teatrólogo pernambucano Nelson Rodrigues, desavisadamente visto pelo senso comum como filho do Rio de Janeiro, cidade em que ambienta seu teatro feito de poesia e derramamento trágico.
 
Examinado assim, sumariamente, não é possível dar, aqui, a medida de importância que Direito e Literatura haverá de ter no conjunto da expressiva obra de Dimas Macedo, no campo da crítica e do ensaio, no que guarda este de mais genuíno a meio caminho entre a crônica ligeira e desvendamento científico do fato desconhecido. Seja um ou outro, todavia, o certo é que ler Dimas Macedo é sempre uma experiência que nos enriquece e emociona, num tempo em que, para além do que é natural e conveniente, excedem na crônica e no ensaio um sem-número de palpiteiros sem qualquer talento.
 
Por essas e outras, é que Direito e Literatura constitui uma boa novidade no gênero. Livro para se ler e guardar no melhor escaninho da estante, bem ali onde se encontram aqueles que fazem parte do nosso cotidiano.
 
No mais, já se sabe, Dimas Macedo é um desses raros autores que não deixam ninguém indiferente. Há nele, sempre, a poesia como linha de força, o juízo consciente das qualidades fundamentais da Arte e da Literatura, o equilíbrio da análise consistente, razão por que seus textos e 'excursos' estéticos, constantes do livro aqui referido, exercem, de imediato, sobre nós, tão grande fascínio.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
           

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Arte Contemporânea

Mal termina a aula, enquanto reorganizo a mochila em que os professores costumamos conduzir livros e papeis, a aluna faz a afirmação corajosa: "Professor, eu não consigo gostar de Arte Contemporânea!"
 
É uma das situações em que o professor jamais pode fazer ouvido de mercador. O depoimento, por surpreendente, vindo de uma pessoa tão jovem, estudante de um curso de Artes, guarda sentidos entre inusitados e pertinentes. Primeiro, porque construído em espaços em que se respiram valores estéticos modernos e transgressores, segundo, porque resultam de uma constatação procedente, pelas razões que tentarei, no exíguo espaço de uma coluna de jornal, explicar.
 
Começo por levantar uma nova questão: O que é Arte Contemporânea? Minimalismo? Arte Conceitual? Performance? E pergunto ainda: Contemporâneo dos anos 60, quando se deram as primeiras manifestações contra a consciência acadêmica ainda dominante de que a arte ou era pintura ou escultura? Ou o mesmo rótulo caberia com ajuste ao que se fizera desde as vanguardas de inícios do século XX, quando da eclosão de estéticas transgressoras, a exemplo das colagens cubistas e das performances futuristas?
 
A questão, como se vê, não é das mais simples. Mais ainda quando a afirmação da aluna ganha formato num tempo em que, sobre o conceito do que é "arte", só podemos ter uma certeza: de que estamos num momento em que se desconstroem todas as certezas em torno de qualquer experiência humana que se pretenda definir como "artística". A própria noção, desde sempre delicada, de História da Arte, agora mais do que nunca parece mesmo sofrer um golpe insuportável, tomemos por base as incontornáveis contribuições de pensadores importantes como Hans Belting, Arthur Danto, Didi-Huberman, para os quais, em alguma medida, os tempos de hoje já não comportam a história da arte como uma disciplina normativa   --  e o que chamamos de Arte Contemporânea pode não passar de uma etiqueta esvaziada de sentido.
 
Sob esse aspecto, para ficar num exemplo 'clássico' , é que vejo como indispensáveis as primeiras realizações de Marcel Duchamp (1887-1968), entenda-se por isso o que definiu como "readymade", aqueles objetos banais, um urinol, uma roda de bicicleta etc., a que atribuía o status de obra de arte pelo simples fato de colocá-los num espaço previamente designado como artístico. Explico-me: Mais que debochar do "saber" estabelecido pelo discurso dito "especializado", o artista francês fez surgir um novo e nunca esgotado debate: Arte é o objeto, a coisa em si, ou a atividade sensível, inventiva e transformadora de quem a produz, sob a chancela da emoção estética?
 
Sob esse aspecto, reitero, é que me disponho a discutir com meus alunos de Estética a presença, na História da Arte, do que na falta de uma terminologia mais precisa se pode rotular como Arte Contemporânea, debaixo de cujo manto piscam vivos e sedutores os olhos de Andy Warhol, com suas latas de sopa, garrafas de Coca-Cola, fotos de celebridades repensadas no contexto do que se convencionou chamar de Pop Art.
 
O que é certo, na esteira de toda essa polêmica, como quis Theodor Adorno em seu último e indispensável texto sobre estética, é que nada, absolutamente nada em termos de arte, hoje, pode ser aceito "sem discutir e sem pensar". Mesmo porque, não é sem razão que de um dos mais respeitados críticos e historiadores de arte, o já falecido especialista australiano Roberto Hughes, vem a inquietante afirmação, bem na linha do que faz a minha jovem aluna.
 
 "Vivemos numa era muito pobre em matéria de artes visuais. Hoje se podem encontrar bons escultores e pintores, mas a ideia de que a arte atual se possa igualar às enormes realizações do passado, entre os séculos XVI e XIX, é um disparate". É o que penso quase sempre que deparo com o que chamamos de Arte Contemporânea.