Mal termina a aula, enquanto reorganizo a mochila em que os professores costumamos conduzir livros e papeis, a aluna faz a afirmação corajosa: "Professor, eu não consigo gostar de Arte Contemporânea!"
É uma das situações em que o professor jamais pode fazer ouvido de mercador. O depoimento, por surpreendente, vindo de uma pessoa tão jovem, estudante de um curso de Artes, guarda sentidos entre inusitados e pertinentes. Primeiro, porque construído em espaços em que se respiram valores estéticos modernos e transgressores, segundo, porque resultam de uma constatação procedente, pelas razões que tentarei, no exíguo espaço de uma coluna de jornal, explicar.
Começo por levantar uma nova questão: O que é Arte Contemporânea? Minimalismo? Arte Conceitual? Performance? E pergunto ainda: Contemporâneo dos anos 60, quando se deram as primeiras manifestações contra a consciência acadêmica ainda dominante de que a arte ou era pintura ou escultura? Ou o mesmo rótulo caberia com ajuste ao que se fizera desde as vanguardas de inícios do século XX, quando da eclosão de estéticas transgressoras, a exemplo das colagens cubistas e das performances futuristas?
A questão, como se vê, não é das mais simples. Mais ainda quando a afirmação da aluna ganha formato num tempo em que, sobre o conceito do que é "arte", só podemos ter uma certeza: de que estamos num momento em que se desconstroem todas as certezas em torno de qualquer experiência humana que se pretenda definir como "artística". A própria noção, desde sempre delicada, de História da Arte, agora mais do que nunca parece mesmo sofrer um golpe insuportável, tomemos por base as incontornáveis contribuições de pensadores importantes como Hans Belting, Arthur Danto, Didi-Huberman, para os quais, em alguma medida, os tempos de hoje já não comportam a história da arte como uma disciplina normativa -- e o que chamamos de Arte Contemporânea pode não passar de uma etiqueta esvaziada de sentido.
Sob esse aspecto, para ficar num exemplo 'clássico' , é que vejo como indispensáveis as primeiras realizações de Marcel Duchamp (1887-1968), entenda-se por isso o que definiu como "readymade", aqueles objetos banais, um urinol, uma roda de bicicleta etc., a que atribuía o status de obra de arte pelo simples fato de colocá-los num espaço previamente designado como artístico. Explico-me: Mais que debochar do "saber" estabelecido pelo discurso dito "especializado", o artista francês fez surgir um novo e nunca esgotado debate: Arte é o objeto, a coisa em si, ou a atividade sensível, inventiva e transformadora de quem a produz, sob a chancela da emoção estética?
Sob esse aspecto, reitero, é que me disponho a discutir com meus alunos de Estética a presença, na História da Arte, do que na falta de uma terminologia mais precisa se pode rotular como Arte Contemporânea, debaixo de cujo manto piscam vivos e sedutores os olhos de Andy Warhol, com suas latas de sopa, garrafas de Coca-Cola, fotos de celebridades repensadas no contexto do que se convencionou chamar de Pop Art.
O que é certo, na esteira de toda essa polêmica, como quis Theodor Adorno em seu último e indispensável texto sobre estética, é que nada, absolutamente nada em termos de arte, hoje, pode ser aceito "sem discutir e sem pensar". Mesmo porque, não é sem razão que de um dos mais respeitados críticos e historiadores de arte, o já falecido especialista australiano Roberto Hughes, vem a inquietante afirmação, bem na linha do que faz a minha jovem aluna.
"Vivemos numa era muito pobre em matéria de artes visuais. Hoje se podem encontrar bons escultores e pintores, mas a ideia de que a arte atual se possa igualar às enormes realizações do passado, entre os séculos XVI e XIX, é um disparate". É o que penso quase sempre que deparo com o que chamamos de Arte Contemporânea.
É uma das situações em que o professor jamais pode fazer ouvido de mercador. O depoimento, por surpreendente, vindo de uma pessoa tão jovem, estudante de um curso de Artes, guarda sentidos entre inusitados e pertinentes. Primeiro, porque construído em espaços em que se respiram valores estéticos modernos e transgressores, segundo, porque resultam de uma constatação procedente, pelas razões que tentarei, no exíguo espaço de uma coluna de jornal, explicar.
Começo por levantar uma nova questão: O que é Arte Contemporânea? Minimalismo? Arte Conceitual? Performance? E pergunto ainda: Contemporâneo dos anos 60, quando se deram as primeiras manifestações contra a consciência acadêmica ainda dominante de que a arte ou era pintura ou escultura? Ou o mesmo rótulo caberia com ajuste ao que se fizera desde as vanguardas de inícios do século XX, quando da eclosão de estéticas transgressoras, a exemplo das colagens cubistas e das performances futuristas?
A questão, como se vê, não é das mais simples. Mais ainda quando a afirmação da aluna ganha formato num tempo em que, sobre o conceito do que é "arte", só podemos ter uma certeza: de que estamos num momento em que se desconstroem todas as certezas em torno de qualquer experiência humana que se pretenda definir como "artística". A própria noção, desde sempre delicada, de História da Arte, agora mais do que nunca parece mesmo sofrer um golpe insuportável, tomemos por base as incontornáveis contribuições de pensadores importantes como Hans Belting, Arthur Danto, Didi-Huberman, para os quais, em alguma medida, os tempos de hoje já não comportam a história da arte como uma disciplina normativa -- e o que chamamos de Arte Contemporânea pode não passar de uma etiqueta esvaziada de sentido.
Sob esse aspecto, para ficar num exemplo 'clássico' , é que vejo como indispensáveis as primeiras realizações de Marcel Duchamp (1887-1968), entenda-se por isso o que definiu como "readymade", aqueles objetos banais, um urinol, uma roda de bicicleta etc., a que atribuía o status de obra de arte pelo simples fato de colocá-los num espaço previamente designado como artístico. Explico-me: Mais que debochar do "saber" estabelecido pelo discurso dito "especializado", o artista francês fez surgir um novo e nunca esgotado debate: Arte é o objeto, a coisa em si, ou a atividade sensível, inventiva e transformadora de quem a produz, sob a chancela da emoção estética?
Sob esse aspecto, reitero, é que me disponho a discutir com meus alunos de Estética a presença, na História da Arte, do que na falta de uma terminologia mais precisa se pode rotular como Arte Contemporânea, debaixo de cujo manto piscam vivos e sedutores os olhos de Andy Warhol, com suas latas de sopa, garrafas de Coca-Cola, fotos de celebridades repensadas no contexto do que se convencionou chamar de Pop Art.
O que é certo, na esteira de toda essa polêmica, como quis Theodor Adorno em seu último e indispensável texto sobre estética, é que nada, absolutamente nada em termos de arte, hoje, pode ser aceito "sem discutir e sem pensar". Mesmo porque, não é sem razão que de um dos mais respeitados críticos e historiadores de arte, o já falecido especialista australiano Roberto Hughes, vem a inquietante afirmação, bem na linha do que faz a minha jovem aluna.
"Vivemos numa era muito pobre em matéria de artes visuais. Hoje se podem encontrar bons escultores e pintores, mas a ideia de que a arte atual se possa igualar às enormes realizações do passado, entre os séculos XVI e XIX, é um disparate". É o que penso quase sempre que deparo com o que chamamos de Arte Contemporânea.
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