O Brasil, que já perdera o poeta e tradutor Ivan Junqueira, no início do mês, em pouco mais de uma semana fica sem três outros dos seus grandes escritores. Primeiro, João Ubaldo Ribeiro, dois dias depois Rubem Alves e, na sequência desventurada, Ariano Suassuna. O Nordeste, que aqui nasceram o primeiro e o último dos quatro, sobremaneira, ainda mais quando sabemos que João Ubaldo e Suassuna eram nordestinos "assumidos", quer dizer, autores identificados com as bases culturais da região e devotados a sua gente.
De Ubaldo, li, além de Viva o Povo Brasileiro, que considero um livro à altura de Cem Anos de Solidão, a mais importante obra de García Márquez, três ou quatro outros romances, dentre os quais destaco A Casa dos Budas Ditosos, da série Plenos Pecados, da Editora Objetiva, 1999. O livro, sabe-se, em mais uma coincidência entre os dois autores, foi objeto das mesmas críticas dispensadas às Memórias de Minhas Putas Tristes, do escritor colombiano. Ambos tratam da luxúria, com os narradores expondo suas vidas e as infinitas possibilidades do sexo.
Mas, não apenas por um exercício de subjetivação estética, foi a morte de Ariano Suassuna que mais me comoveu. Primeiro, porque tenho a perfeita noção do que representa sua obra para o país, porque compreendo o quanto a sua literatura (aqui incluído o Teatro) guarda das nossas raízes mais profundas, estendendo-se de remotas influências ibéricas ao pop regional, sem jamais se tornar banal ou desprezar a densidade do erudito que perpassa toda a sua produção, notadamente o seu mais importante romance, A Pedra do Reino. O "armorial" a que todos se referem ao falar de Suassuna, é o nome do movimento que tem por meta ligar a arte erudita às origens da cultura do Nordeste brasileiro. E que teve o ilustre paraibano como seu principal líder, claro.
Nas minhas aulas de Estética, nos cursos de Artes do IFCE, adoto como livro-base o seu menos conhecido Iniciação à Estética, um belo manual de Filosofia da Arte que Ariano Suassuna produziu a partir das anotações de aulas na Universidade Federal de Pernambuco, onde lecionava a disciplina.
Trata-se de um livro "delicioso", em que o autor percorre uma trajetória que abrange o que se fez de mais significativo do ponto de vista teórico no terreno das Artes, indo de Platão e Aristóteles a Kant, deste a Hegel e Bergson, explorando as diferentes linguagens -- pintura, escultura, arquitetura, música, mímica, literatura e as artes de espetáculo. Um livro marcado pela tino crítico de Ariano, um homem que conseguiu, como é raro, ser erudito e cristalino, acadêmico e animado.
Tenho, agora, a frustração de nunca ter assistido, sequer, a uma de suas aulas-espetáculo, de que o meu filho Saulo Teixeira, tendo presenciado uma à época de sua passagem pelo Cariri, fala maravilhas.
Enquanto escrevo este texto ligeiro em homenagem ao autor de O Auto da Compadecida, ocorre-me lembrar de algumas de suas "reflexões-piada", que meu filho reproduz para mim com tanta expressividade. Sem falar, por uma coincidência que antes incomoda, que tenho quase nas mãos, diante do computador, A História do Amor de Fernando e Isaura, uma espécie de tradução brasileira da lenda celta de Tristão e Isolda com que Ariano Suassuna nos presenteou em 1994.
Nesses próximos dias, ao estudar com meus alunos este pequeno romance a partir de suas relações intersemióticas, por certo estarei invadido de um sentimento curioso: o sentimento que mistura a admiração pelo intelectual com a afetuosidade quase familiar pelo homem. Pena!
Descansa em paz, mestre.
De Ubaldo, li, além de Viva o Povo Brasileiro, que considero um livro à altura de Cem Anos de Solidão, a mais importante obra de García Márquez, três ou quatro outros romances, dentre os quais destaco A Casa dos Budas Ditosos, da série Plenos Pecados, da Editora Objetiva, 1999. O livro, sabe-se, em mais uma coincidência entre os dois autores, foi objeto das mesmas críticas dispensadas às Memórias de Minhas Putas Tristes, do escritor colombiano. Ambos tratam da luxúria, com os narradores expondo suas vidas e as infinitas possibilidades do sexo.
Mas, não apenas por um exercício de subjetivação estética, foi a morte de Ariano Suassuna que mais me comoveu. Primeiro, porque tenho a perfeita noção do que representa sua obra para o país, porque compreendo o quanto a sua literatura (aqui incluído o Teatro) guarda das nossas raízes mais profundas, estendendo-se de remotas influências ibéricas ao pop regional, sem jamais se tornar banal ou desprezar a densidade do erudito que perpassa toda a sua produção, notadamente o seu mais importante romance, A Pedra do Reino. O "armorial" a que todos se referem ao falar de Suassuna, é o nome do movimento que tem por meta ligar a arte erudita às origens da cultura do Nordeste brasileiro. E que teve o ilustre paraibano como seu principal líder, claro.
Nas minhas aulas de Estética, nos cursos de Artes do IFCE, adoto como livro-base o seu menos conhecido Iniciação à Estética, um belo manual de Filosofia da Arte que Ariano Suassuna produziu a partir das anotações de aulas na Universidade Federal de Pernambuco, onde lecionava a disciplina.
Trata-se de um livro "delicioso", em que o autor percorre uma trajetória que abrange o que se fez de mais significativo do ponto de vista teórico no terreno das Artes, indo de Platão e Aristóteles a Kant, deste a Hegel e Bergson, explorando as diferentes linguagens -- pintura, escultura, arquitetura, música, mímica, literatura e as artes de espetáculo. Um livro marcado pela tino crítico de Ariano, um homem que conseguiu, como é raro, ser erudito e cristalino, acadêmico e animado.
Tenho, agora, a frustração de nunca ter assistido, sequer, a uma de suas aulas-espetáculo, de que o meu filho Saulo Teixeira, tendo presenciado uma à época de sua passagem pelo Cariri, fala maravilhas.
Enquanto escrevo este texto ligeiro em homenagem ao autor de O Auto da Compadecida, ocorre-me lembrar de algumas de suas "reflexões-piada", que meu filho reproduz para mim com tanta expressividade. Sem falar, por uma coincidência que antes incomoda, que tenho quase nas mãos, diante do computador, A História do Amor de Fernando e Isaura, uma espécie de tradução brasileira da lenda celta de Tristão e Isolda com que Ariano Suassuna nos presenteou em 1994.
Nesses próximos dias, ao estudar com meus alunos este pequeno romance a partir de suas relações intersemióticas, por certo estarei invadido de um sentimento curioso: o sentimento que mistura a admiração pelo intelectual com a afetuosidade quase familiar pelo homem. Pena!
Descansa em paz, mestre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário