segunda-feira, 21 de julho de 2014

Nas malhas do amor

Tantas vezes tachado de repetitivo, mesmo por uma parte da crítica que reconhece as qualidades de seus filmes anteriores, Giuseppe Tornatore retorna ao circuito cinematográfico com o belíssimo A Melhor Oferta (The Best Offer), em cartaz no Centro Dragão do Mar. O filme quase nada reedita dos trabalhos anteriores do diretor de Cinema Paradiso, mesmo quando leva a efeito o seu tema mais caro, o amor e suas representações, como para evidenciar o quanto seus detratores têm de obtuso e preconceituoso. Mas de que 'fala' seu último trabalho? É o que veremos a seguir.
 
A Melhor Oferta narra a história de um especialista em artes visuais, Virgil Oldman (Geoffrey Rush, numa interpretação soberba) misógino e desonesto, que acumula riqueza e um acervo artístico imenso às custas da manipulação de informações em torno das obras que vende através de leilões. Para tanto, conta com a parceria de um amigo, Billy Whistler (Donald Sutherland) que adquire as peças para depois revender a Oldman.
 
É quando surge na história Claire Ibetson (Sylvia Hoeks), herdeira de um antiquário e suposta portadora de agorafobia (medo de se achar sozinha em espaços públicos), que contrata Oldman para vender o seu riquíssimo acervo. O contato dos dois, no entanto, passa a ocorrer através de uma porta do quarto em que Claire passa escondida a maior parte do filme, até que a estranha convivência leva os dois a se enroscar numa paixão a um tempo enternecedora e doentia.
 
O filme, assim, vai tecendo uma sedutora reflexão sobre o amor e sua indecifrável complexidade, para o que Tornatore, que assina também o roteiro, lança mão de um artifício estético notável: se Oldman é capaz de identificar toda e qualquer falsificação no mundo da Arte, é ingênuo ao lidar com os sentimentos, o que leva o espectador a compreender a solidão em que vive ao lado dos incontáveis quadros que tematizam a figura da mulher.
 
Surge, agora, a terceira personagem central da história, Robert (Jim Sturgess), um restaurador de relíquias a quem cabe recompor um autômato de aspecto humano que metaforiza os muitos fios da trama amorosa do filme, e que, aos poucos, vai conduzindo o espectador no labirinto de emoções e sentimentos que fazem de A Melhor Oferta um filme sublime.
 
Intrigas, reviravoltas, impoderabilidades, então, passam a dominar as mais de duas horas de desfile fílmico, tudo, como é próprio do diretor italiano, sob a sensibilidade de uma câmera prodigiosa, uma mise-en-scène precisa e uma atuação irretocável de todo o elenco, Geoffrey Rush à frente, sem esquecer outros detalhes das escolhas, como a composição equilibrada dos planos e a textura cromática que dialogam com a beleza das muitas telas que aparecem da primeira à última cena do filme. E a música de Ennio Morricone, linda, claro.
 
A Melhor Oferta, que haverá de encher os olhos de qualquer bom cinéfilo, articula-se, pois, entre o mais inspirado Hitchcock e o mais poético Scorsese, Vertigo e A Invenção de Hugo Cabret, por exemplo, pela irrepreensível qualidade do filme no que diz respeito aos planos de conteúdo e expressão, confirmando a presença de um cineasta definitivo no cinema de hoje e sempre.
 
Pena não se poder ser mais conclusivo, em respeito àqueles que ainda não assistiram ao filme. Resta dizer, desse modo, que se trata de uma obra em que o amor, fio condutor da história, transita entre o verdadeiro e o falso, como na arte que sustenta sua irrealidade. Não sem razão, pois, diz o protagonista a uma dada altura do filme: "Em toda falsificação existe um pouco da verdade do falsificador". No caso, só mesmo assistindo ao filme para entender isto. Recomendo.
 
 
 
            
           

Um comentário:

  1. Caro professor, também me lembrei do Hugo Cabret ao assistir a esse Tornatore. É um belo filme, sim; entretanto, tive minhas ressalvas (mas não resta dúvidas de que a busca pelo que há de autêntico na falsificação, com a ida do protagonista a Praga, no final do filme, traz uma simbologia bem poética!). Aproveito esta mensagem para lhe pedir que disponibilize, se possível, o texto do Llosa, pois não consegui encontrar o livro em nenhum lugar. Abraços
    Tércia

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