O cineasta Pier Paolo Pasolini (1922-1975) tinha uma tese curiosa sobre o futebol. Intitula-se Il calcio è um linguaggio con i suoi poeti i prosatori (O futebol é uma linguagem, com seus poetas e prosadores), publicado logo após a Copa do Mundo de 1970, quando o Brasil venceu a Itália por 4 a 1.
Em português, se não me engano, o ensaio apareceu com o título menos inspirado de Gol Fatal. Trata-se de uma tentativa de estabelecer uma semiologia do futebol, algo como uma possibilidade de análise do referido esporte enquanto linguagem. Desse modo, afirmava o diretor de Teorema e Decameron, o futebol europeu era "di prosa" e o futebol latino-americano "di poesia". Tentemos explicar.
Por futebol de prosa, considerava o estilo das seleções europeias, orientado pelo rigor formal e pela objetividade, competitivo, em nada preocupado com a beleza do 'espetáculo', mas determinado em chegar à meta do adversário e conseguir vencê-lo, o que nem sempre, contentava-se ele, era fim alcançado, bem como se pudera constatar naquela decisão histórica da Copa do Mundo entre brasileiros e italianos.
Por outro lado, referindo-se à Seleção canarinho, que tinha ninguém menos que Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Clodoaldo, Gerson, para ficar nos maiores, dizia o diretor de Accattone, havia o futebol de poesia, marcado pela irreverência tática, pela criatividade, pela plasticidade das jogadas, pela capacidade de improvisação, pelos dribles desconcertantes e gols quase sempre antológicos. Enfim, o futebol-arte.
Desde o fim da excepcional Copa do Mundo de 2014, domingo, vira e mexe incomoda-me pensar no ensaio de Pasolini e sentir vontade de contestá-lo, naquilo que a interpretação dos muitos signos vistos em campo me disse (e a todos, claro), notadamente quando, não sem sofrimento, trago de novo ao coração a 'poesia impiedosa' dos alemães sobre a triste seleção do Brasil.
Quero dizer: a tese do genial cineasta italiano inverteu-se. O futebol latino-americano, mesmo se me refiro agora à Costa Rica, à Colômbia, ao Chile, ou mesmo à Argentina a ao Uruguai, notabilizou-se pela linguagem dura e cerebral do antigo futebol europeu, ou seja, pelo que Pier Paolo Paosolini chamou de 'futebol de prosa'. Essas seleções buscaram resultados, e em grande parte conseguiram. Ao Brasil, infelizmente e a um só tempo, faltaram a beleza da poesia e o senso de realidade da prosa.
Se, para o artista de Mamma Roma, "O futebol é a última representação sacra do nosso tempo. É rito profundo e também evasão. Enquanto outras representações sacras, dentre elas a missa, estão em declínio, o futebol é a única que permanece. O futebol é o espetáculo que substitui o teatro", como afirmou no belo ensaio a que me refiro na coluna de hoje, resta-nos a utopia de que possamos voltar em breve a praticar o futebol de poesia que nos roubaram, de nós brasileiros, os alemães e os holandeses, com os belos espetáculos de 7 a 1 e 3 a 0. Na contramão do que professou Pasolini, se foi com esses, a poesia, e, em seu lugar, ficou aqui apenas o teatro. E foi trágico.
Em português, se não me engano, o ensaio apareceu com o título menos inspirado de Gol Fatal. Trata-se de uma tentativa de estabelecer uma semiologia do futebol, algo como uma possibilidade de análise do referido esporte enquanto linguagem. Desse modo, afirmava o diretor de Teorema e Decameron, o futebol europeu era "di prosa" e o futebol latino-americano "di poesia". Tentemos explicar.
Por futebol de prosa, considerava o estilo das seleções europeias, orientado pelo rigor formal e pela objetividade, competitivo, em nada preocupado com a beleza do 'espetáculo', mas determinado em chegar à meta do adversário e conseguir vencê-lo, o que nem sempre, contentava-se ele, era fim alcançado, bem como se pudera constatar naquela decisão histórica da Copa do Mundo entre brasileiros e italianos.
Por outro lado, referindo-se à Seleção canarinho, que tinha ninguém menos que Pelé, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Clodoaldo, Gerson, para ficar nos maiores, dizia o diretor de Accattone, havia o futebol de poesia, marcado pela irreverência tática, pela criatividade, pela plasticidade das jogadas, pela capacidade de improvisação, pelos dribles desconcertantes e gols quase sempre antológicos. Enfim, o futebol-arte.
Desde o fim da excepcional Copa do Mundo de 2014, domingo, vira e mexe incomoda-me pensar no ensaio de Pasolini e sentir vontade de contestá-lo, naquilo que a interpretação dos muitos signos vistos em campo me disse (e a todos, claro), notadamente quando, não sem sofrimento, trago de novo ao coração a 'poesia impiedosa' dos alemães sobre a triste seleção do Brasil.
Quero dizer: a tese do genial cineasta italiano inverteu-se. O futebol latino-americano, mesmo se me refiro agora à Costa Rica, à Colômbia, ao Chile, ou mesmo à Argentina a ao Uruguai, notabilizou-se pela linguagem dura e cerebral do antigo futebol europeu, ou seja, pelo que Pier Paolo Paosolini chamou de 'futebol de prosa'. Essas seleções buscaram resultados, e em grande parte conseguiram. Ao Brasil, infelizmente e a um só tempo, faltaram a beleza da poesia e o senso de realidade da prosa.
Se, para o artista de Mamma Roma, "O futebol é a última representação sacra do nosso tempo. É rito profundo e também evasão. Enquanto outras representações sacras, dentre elas a missa, estão em declínio, o futebol é a única que permanece. O futebol é o espetáculo que substitui o teatro", como afirmou no belo ensaio a que me refiro na coluna de hoje, resta-nos a utopia de que possamos voltar em breve a praticar o futebol de poesia que nos roubaram, de nós brasileiros, os alemães e os holandeses, com os belos espetáculos de 7 a 1 e 3 a 0. Na contramão do que professou Pasolini, se foi com esses, a poesia, e, em seu lugar, ficou aqui apenas o teatro. E foi trágico.
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