Há pouco mais de um mês, recebi no prédio em que moro um grupo de alunos do ensino médio de uma escola pública de Fortaleza. Pediram-me uma entrevista como cumprimento de uma tarefa na disciplina de Sociologia. Ontem, chegou-me às mãos uma cópia impressa da entrevista, num gesto que bem reflete uma postura responsável e amadurecida desses alunos. Tomo a decisão de reproduzir trechos da mesma na coluna de hoje, sem proceder a qualquer alteração do texto.
Por que insiste em defender o projeto do PT como o melhor para o Brasil?
- Porque tenho a convicção de ser a proposta que mais condiz com a realidade do País. Em que pesem os avanços dos últimos 12 anos, ainda são gritantes as contradições da sociedade brasileira. Os índices de pobreza assustam e são inaceitáveis, notadamente quando se sabe que o país está mergulhado em desvios de riqueza que, se direcionada para o enfrentamento de nossos maiores problemas (e me refiro à saúde, à educação, à moradia etc.), seria outra a nossa realidade e as condições de vida da população.
Mas o PT esteve envolvido nessa práticas...
- Sim. A fim de tornar possível o seu projeto, inequivocamente voltado para os mais pobres, o PT incorreu em práticas correspondentes à quase totalidade dos partidos existentes ao longo de muitos e muitos anos. Mas não podia ter feito o mesmo, pois a sua história é diferente da história da maioria dos partidos no Brasil, os quais, todos sabem, sempre agiram assim. Não é correto o que fez, mesmo quando essas práticas tinham por objetivo a governabilidade, sem o que nada do que foi realizado teria sido possível. Não estou defendendo a corrupção, pois se trata de algo absolutamente inaceitável. Mas não houve enriquecimento pessoal de quem quer que seja, ao contrário do que a grande imprensa tenta colocar na cabeça da população, todos os dias, o dia todo, no jornais impressos, nas revistas semanais, no rádio e, sobretudo, na TV, com a rede Globo manipulando informações de forma escancarada a fim de destruir o Partido dos Trabalhadores e a sua maior liderança, Luís Inácio Lula da Silva.
Por falar em Lula, acredita mesmo que possa voltar a presidir o País?
- Só há uma possibilidade de isso não vir a ocorrer. É ser condenado, mesmo sem provas, pelo juiz Sérgio Moro. Sem provas, é importante frisar, pois o ex-presidente é objeto de investigações irredutíveis há pelo menos três anos e nada se encontrou que constitua uma prova sequer contra a sua correção como homem público. É desumano, cruel, perverso o que se tem feito na intenção de caracterizar um crime que não cometeu. Tudo, é óbvio, porque eles tremem na base com a hipótese de Lula se candidatar, pois sabem que não há um nome no Brasil, hoje, em condições de vencer Lula. Mas não se curvam aos fatos, sustentam suas acusações levianas em um apartamento que Lula nunca comprou; um sítio que não é dele, e até a ridícula referência a um pedalinho... Passaram-se meses, anos, e nenhuma novidade. É sempre a casa, o sítio... Como, não sendo de direita, não estando entre aqueles que se beneficiam com o modelo ultraliberal que lhes assegura vantagens, benesses, lucros escorchantes, como, insisto, não ficar indignado com tudo isso?
Admitindo-se que venha a ser condenado, acredita que o PT tenha um nome realmente competitivo?
- Na contramão do que professam grandes conhecedores do partido, inclusive altos dirigentes, como um simples filiado e eleitor, como um cidadão brasileiro que vota em candidatos de esquerda, acho que não. Não vejo nenhum nome de esquerda com condições de ganhar a eleição para presidente a não ser o Lula. Mesmo identificando entre seus quadros, do Partido dos Trabalhadores, excelentes nomes, do ponto de vista político e intelectual, a exemplo de Fernando Haddad, para falar de um nome que me ocorre neste instante, do ponto de vista eleitoral não há no PT (e em nenhum outro partido realmente de esquerda) um nome com chances de vencer. Sem fechar os olhos para o imponderável, claro, como a hipótese de que, se condenado e preso, Lula vier a apoiar alguém e isso for suficiente para criar um fato político novo. Há precedentes na história do País.
Refere-se a Ciro Gomes?
- Não havia pensado em Ciro Gomes, mas, na minha opinião, de um simples eleitor, como disse, não ignoro o fato de que se trata de uma alternativa. É destemperado, põe muitas vezes os pés pelas mãos, faz afirmações insensatas etc., sim. Mas é intelectualmente preparado, tem conhecimento dos problemas brasileiros como poucos e, se souber domar seu ímpeto, seu discurso, é quase imbatível num debate. É um nome em que votaria, nem que fosse para dar formato ao meu protesto como cidadão a esse estado de coisas de que qualquer pessoa medianamente consciente deve sentir vergonha. O Brasil de Temer, o Brasil do golpe contra a democracia, o Brasil da mais perversa elite de quantas existem, me causa asco e revolta. E não tenho medo de afirmar: esse Brasil causa nojo mesmo aos homens de direita que tenham um mínimo de consciência, que se coloquem diante do espelho de olhos fixos, que ponham a cabeça no travesseiro e consigam dormir em paz. É uma questão de consciência, insisto.
Como profissional da educação, como professor, como vê a Reforma do Ensino Médio?
- Nada mais ideológico do que a tal Escola Sem Partido; nada mais ultrapassado, mais equivocado e, pior, mais mal intencionado do que essa Reforma. Ela é filha do que existe de mais reacionário, todos sabem. A proposta tem como autores dois filhos de Jair Bolsonaro, cujo pensamento dispensa comentários, de tão fascista que é. Foi apropriada por um governo ilegítimo, que tem como projeto para o País o que há de mais perverso no modelo econômico capitalista. E, nesse projeto, a escola tem um papel de fortalecimento da ideologia dominante e dos interesses do grande capital. Funciona como aparelho de reprodução dos status quo e põe por terra muitas das conquistas da democracia em termos educacionais. É um modelo de ensino que se volta para as classes dominantes da sociedade, que produz mão de obra para os industriais, que silencia a escola no seu papel político e formador de sujeitos críticos, atuantes e capazes de construir uma sociedade mais justa e mais humana. Mas, quando recebo estudantes como vocês, para discutir questões como essas que vocês me colocaram com tanta oportunidade, ainda nutro a utopia de ver este País reencontrar-se com os valores mais sagrados da liberdade e da tolerância a visões de mundo divergentes. Fico feliz e, em alguma medida, sinto no peito a gostosa sensação de que nem tudo está perdido.