Li, com redobrada atenção, Montenegro, família-história e medicina, o livro com que José Hilton Lima Verde Montenegro, em mais uma contribuição relevante para o resgate da memória iguatuense, homenageia seu pai, o médico José Holanda Montenegro. Trata-se de obra marcante sob todos os aspectos, notadamente por celebrar uma pessoa que fez de sua vida um exemplo a ser seguido, pela doação desinteressada, pela correção moral, pela elegância de sua conduta social e política.
As qualidades editoriais da publicação, irretocável em sua apresentação e beleza gráfica, por si só, constitui um convite à leitura. Mas, fique isto claro, é o rigor da pesquisa que torna o livro quase obrigatório para quem se mostre minimamente empenhado em conhecer capítulos significativos de nossa História, dando a ver, ao lado da criteriosa curiosidade que movimentou o notável intelectual, a fina sensibilidade do historiador. Eis o que faz a diferença num livro do gênero: saber transitar do fato objetivo, que o credencia, para a subjetivação, que o embeleza. Hilton superou-se nesse sentido, razão por que seu último livro beira à perfeição do ponto de vista estético, tomando o termo no sentido da fenomenologia da experiência histórica propriamente dita. O autor submete tal experiência à descrição, à análise subjetiva e à apreensão do seu significado transcendental. Não se desapega da verdade factual, pois tem presente que o leitor a que se destina sua pesquisa, em tese, pode ser outro que não o familiar do biografado, sem negar, todavia, que é o sentimento do filho o esteio da percepção desse fato.
Como disse o médico Hildernando Bezerra, em apresentação irretocável da obra, "Hilton vai à Fundação Gilberto Freire, em Recife, e lá garimpa, nos escritos de Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, as origens da família Montenegro no Brasil. Mergulha mais a fundo, no passado e, nos longínquos idos do século XVI, descobre seu parentesco com o Papa Adriano VI. Suas pesquisas singram o Atlântico e descobre até seus primeiros ascendentes no Brasil, aqui chegando em companhia do donatário Duarte Coelho".
Mas o livro, sem perder de vista as bases historiográficas que o validam, outrossim, como produção científica (para além do memorialismo desinteressado, de "perfume" kantiano), ganha força à medida em que a narrativa deixa ver a dosada emoção do filho, como no capítulo em que descreve o AVC ocorrido ao pai em 1976: "Gradativamente foi reconhecendo uma pessoa e outra, às vezes trocava Ana Cláudia por Virgínia, às vezes a conversa ou a pergunta era sem nexo, mas aos poucos o quadro clínico ia melhorando e animando todos nós e a equipe médica, que também vibrava com a sua melhora".
Aqui e além, o foco desliza do pessoal para o impessoal, e não raro o "papai" dá lugar ao "doutor Montenegro". Isenção? Ato falho do historiador? Talvez. O que resulta disso, no entanto (e que mais importa), torna o discurso leve, delicado, sutil, que é mesmo uma marca da escrita hiltoniana, se me permite o autor, humilde que é, tal adjetivação: "Tínhamos notícias de que, em Iguatu-CE, existia uma corrente de orações para a melhora do Dr. Montenegro. Centenas de pessoas invocando os seus Santos e fazendo promessas... Por tudo que se fazia de positivo para papai, nós ficávamos gratos e felizes, pois nesse momento de dor e sofrimento conseguimos vislumbrar o quanto ele era querido, o quanto ele fazia falta".
Como bom historiador, Hilton não se limita aos grandes eventos. É assim que traça com detalhes o perfil psicológico de Dr. Montenegro. Mais: traça o perfil profissional, intelectual, humano, desse homem memorável de que todos os iguatuenses devemos nos orgulhar. Conhecemos o seu gosto musical, literário, suas crenças, seus valores, a sua visão de mundo e o amor sem nome que dedicou aos filhos e a Dona Elze Alves Lima Verde Montenegro, a companheira inseparável.
Mais que aplaudir, há que se agradecer a José Hilton Lima Verde Montenegro pela grande obra com que acaba de nos presentear.
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