Duramente atacada pelo olhar cada vez mais obtuso da Folha de S. Paulo, que insiste em confundir o Brasil com a Finlândia, para lembrar aqui o que me disse a admirável antropóloga Lilia M. Schwarcz, que participou diretamente da produção e curadoria do evento, a exposição Histórias da Sexualidade, que visito hoje no Masp (Museu de Arte de São Paulo), vem se confirmando como o maior acontecimento no campo das Artes Visuais neste preocupante 2017.
Não bastasse a qualidade do acervo exposto, que reúne de obras-primas do museu, como A Banhista e o Cão Griffon (1870), de Renoir, a inquietantes pesquisas estéticas de Francis Bacon, a exemplo de Estudo do Corpo Humano (1949), a mostra tem a coragem de enfrentar desafios enormes, mesmo fora do território das artes.
Para ser mais claro, Histórias da Sexualidade, em menos de uma semana, foi objeto de cinco mandados de segurança. Esta a razão por que o Masp, esdruxulamente, foi condicionado a proibir a visitação para menores de 18 anos.
Num momento em que o país atravessa o mais deslavado retrocesso político-cultural de que se tem notícia, desde o Golpe de 1964, a exposição enseja, pois, a oportunidade de abrir um debate menos apaixonado ideologicamente e mais fundamentado sob o ponto de vista estético, o que, convenhamos, deveria ser mais relevante --- agora e sempre!
Mas, afinal, a que domínio pertence a discussão em torno do nu artístico? Ao estético, que diz respeito à arte propriamente dita, ou ao psicológico-moral, como agora, submetido a interesses conservadores e politicamente condenáveis?
É visitar qualquer livro de História da Arte e constatar: o nu é assunto do que existe de mais significativo em qualquer estilo de época, da arte grega à pós-modernidade. E, para os que se escondem sob as bandeiras das diferentes religiões a fim de justificar o injustificável, não é muito lembrar que os maiores pintores de todos os tempos, na linha de um Rafael, um Ticiano, um Michelangelo, um Velazquez, um Courbet, um Renoir, um Delacroix, um Manet, um Ingres, para mencionar aqui verdadeiros gênios das artes visuais, dedicaram-se enfaticamente ao tema da nudez, não raro sob encomenda da Igreja Católica.
Em pleno terceiro milênio, todavia, no Brasil, a expensas de um governo desmoralizado sob o ponto de vista ético, segmentos da sociedade organizam-se no intuito de controlar o destino da arte no país. O nu artístico, assim, que é explorado tortuosamente nos milhares de sites virtuais, ao alcance de crianças e adolescentes, é tratado no campo da arte como coisa obscena e indecente. Quanta hipocrisia.
Toda arte é representação, mesmo quando se estiver diante do obsceno. O nu, em si, nada tem de obsceno, mas a essência da obscenidade está na mente de quem a contempla, debaixo da forte influência do contexto em que se confundem a representação e o representado.
Não nos choca, portanto, a quase absoluta nudez numa praia ou numa pista de desfile carnavalesco, mas todos haveremos de nos sentir incomodados em presença de corpos nus no centro da cidade, no adro de uma igreja ou no pátio de uma escola.
Uma modelo, nua diante do escultor ou do pintor, não se sentirá constrangida pelos os olhos que atentam para os detalhes de sua nudez, mas se cobrirá, enrubescida, se se perceber observada pelo olhar invasivo do operário trabalhando no alto de um poste ao lado do ateliê. A nudez é a mesma, mas é diferente a contemplação.
Esta a razão por que me encanta estar aqui, in loco, visitando esta notável exposição sobre a sexualidade, que, se queira ou não e apesar de tudo, há de dividir a história da curadoria da arte brasileira em duas águas. Como na canção popular, todavia, é preciso estar atento e forte.
Muito bem, interessante como nosso público de tv, assiste coisas mil x piores na globo, etc. e não reagem. E exibição dos filmes que passa entre uma programação e outra, violência, tiros, mortes, nem levam em conta que as crianças estão na sala.
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