É obsedante a evocação de conceitos ideológicos, poucas vezes utilizados com exatidão, em meio ao festival de tolices que tomam conta do país num dos momentos mais graves de sua História. O espectro dos termos "direita" e "esquerda" é um deles. E haja afirmações que a um só tempo expõem a ignorância intelectual e o exercício do ódio desmedido ao contraditório, alimentando de substâncias nocivas o ar quase irrespirável do ambiente político nacional.
De resto, sabe-se ou deveria saber-se que os conceitos "direita" e "esquerda" remontam ao século XVIII, e prendem-se a uma necessidade de natureza prática: "Os que forem contrários às mudanças, sentem-se à minha direita, o que forem favoráveis, à minha esquerda", foi como decidiu organizar o auditório o presidente da mesa da Assembleia pouco antes da Revolução Francesa. Daí, convencionou-se rotular de "direita" aqueles que se posicionam contra as transformações, e, de "esquerda", os que defendem essas transformações. Mas a coisa, claro, teve desdobramentos conceituais significativos, como tentaremos explicar.
Há os radicalmente contrários às mudanças, ditos de "extrema-direita ou reacionários", que não admitem avanços e, mais que isso, desejam o retrocesso; 2. os que não querem mudanças, mas se mostram satisfeitos com o que existe no cenário político, sendo rotulados de "centro-direita ou conservadores"; 3. os que defendem mudanças graduais, consentidas pela sociedade, aos quais se aplica a classificação de "centro-esquerda ou reformistas"; e 4. aqueles que pregam transformações radicais, os de "extrema-esquerda ou revolucionários".
Simplificações à parte, o certo é que tais conceitos são de uso recorrente nos dias de hoje, mundo afora, nomeadamente no Brasil, em que os avanços sociais do governo do Partido dos Trabalhadores já em parte foram enterrados pelo golpismo de Michel Temer e sua quadrilha, cuja tão cobiçada cereja encima o bolo do retrocesso desde a semana passada com a prisão (sem provas!) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Não custa reconhecer, no entanto, que o país volta ao tempo do autoritarismo e das práticas nazi-fascistas ombreando-se a outros países do Continente, no que parece ser uma onda reacionária cujas consequências se fazem notar, no Brasil, com o movimento orquestrado do Executivo, do Congresso Nacional e do Judiciário no sentido de espezinhar a Constituição Federal e tirar das eleições de outubro o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente, pela objetiva razão de que sua vitória representaria a superação do golpe de 2016 e a recondução do país a uma orientação de governo mais à esquerda.
No que tange à classificação do espectro de ideias a que nos referíamos, é oportuno ressaltar que, na contramão do que professam diferentes teses acadêmicas no contexto da pós-modernidade, para as quais os conceitos de direita e esquerda perderam a sua validade, tornando-se obsoletos em face da complexidade de motivações políticas e estruturas de governo por que se orienta o mundo contemporâneo, sobressaem as contribuições teóricas do pensador italiano Norberto Bobbio no clássico Direita e Esquerda, para quem não se pode negar validade àquilo que faz parte do imaginário e da linguagem da vida cotidiana.
Considerando que a realidade é bem mais complicada do que as tipologias abstratas com que se tem procurado rotular convicções e práticas políticas, e o despreparo com que tais termos são utilizados, na maior parte das vezes, por quem não tem a menor ideia do que significam, ocorre-me lembrar das palavras do linguista americano Noam Chomsky, ele mesmo citado por Bobbio no referido livro: --- "... a distinção entre direita e esquerda é claríssima e poderia ser resumida de modo breve e simplificado, sem distinções sutis mais sofisticadas, na tese de que a esquerda está do lado dos pobres e a direita do lado dos ricos". Simples assim.
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ResponderExcluirSaudações, Álder! Belíssimo texto. Nossa legislação não nos parece precisa como a matemática, quando diz que 2 + 2 resultam em 4. Há mais brechas em detrimento do condenado injustamente do que a favor do desafortunado. Descreverei adiante uma loucura de raciocínio. Vejamos: se desse uma hora dessas o mal da vaca louca no nosso querido Lula da Silva, que o fizesse querer provar na justiça a propriedade particular do endeusado apartamento tríplex, de valor a meu ver não superior a 900 mil, avaliado pela mídia tucana e moroana em até 3 milhões na moeda da República de Curitiba, muito dificilmente ele conseguiria provar se quer que fez visitas ao bendito imóvel. Muito dificilmente. O reino da OAS logo convocaria todos seus advogados (e até os bruxos de todas as cortes legais, em último caso) para impetrar ações comprobatórias de sua posse legal do midiático tríplex. Mas, infelizmente, a corda só arrebenta para o lado mais fraco, o lado que não tem foro privilegiado, o lado que é vítima de um sistema político, o lado que não tem nenhum veículo de comunicação em massa...
ResponderExcluirAbraço, Álder!
Lula sairá mais forte dessa!
Abraço, querido! Obrigado pela visita ao blog!
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