sexta-feira, 20 de abril de 2018

O Sol na Cabeça

Só mesmo o ódio que a grande imprensa, capacho da elite brasileira e dos partidos que a representam, nutre pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para fazer com que um prêmio Nobel da Paz chegue ao país e nenhuma reportagem especial, nenhuma entrevista seja realizada com ele por qualquer dos grandes jornais ou emissoras de TV. Refiro-me a Adolfo Pérez Esquivel, que veio ao Brasil, na semana que termina, a fim de visitar o ex-presidente, detido há duas semanas nas dependências da Polícia Federal, em Curitiba.

Só mesmo uma Justiça comprometida com os interesses por que se orienta o golpismo fascista, que impera no Brasil, para impedir que um prêmio Nobel da Paz possa visitar um amigo, não por acaso a maior e mais importante liderança de esquerda viva do Continente, e uma das maiores e mais importantes figuras públicas do mundo.

Só mesmo num país atrasado e moralmente desfigurado é possível ocorrer tão inequívoca prova de despreparo político e intelectual, a exemplo do que se viu por esses dias em Curitiba. Uma vergonha!

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Em tempo: Aonde anda a corriola da Praça Portugal? Onde quedam, pálidos de vergonha, os batedores de panela? Em que lugar, tomada de ódio e intolerância, a gente bonita, as camisas "oficiais" da seleção brasileira? Onde, em que escaninho da desfaçatez, os apitos, as coreografias ensaiadas, os adesivos dos automóveis, "Eu não tenho culpa, votei no Aécio"?

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À uma poltrona da Livraria Cultura, chega-me ao encontro o poeta e membro da Academia Cearense de Letras, Dimas Macedo. Aborda-me sobre o escritor carioca Geovani Martins, cujo livro de estreia chega às lojas do Brasil e de mais sete outros países como um sucesso estrondoso. 

Tomo nas mãos o livro de contos "O Sol na Cabeça", título que me remete, de imediato, à belíssima "Trem Azul", de Lô Borges. Subjetivação à parte, leio de cabo a rabo essa verdadeira obra-prima de feitio neorrealista que explora o submundo do morro carioca, de personagens marcados há décadas pelo sofrimento, sobreviventes das UPP's, das guerras entre facções, milícias e incursões militares, da segregação social e do preconceito da classe média alta do Rio de Janeiro. 

Os contos, embora vazados num estilo que se pode considerar clássico do gênero, objetividade, unidade de tema e ação, número reduzido de personagens, diálogos como fator narrativo decisivo para a elucidação da trama etc., traz um tratamento de linguagem que se notabiliza pela força dramática e fidedignidade ao mundo em que transcorre a quase totalidade das narrativas. 

É o que se pode concluir, por exemplo, da leitura do primeiro conto, "Rolézim", com discurso em primeira pessoa e uma linguagem extraída da voz do morro, em que pontuam, por isso mesmo, um quase dialeto eivado de gíria e estilizações que se permitem, aqui e além, a introdução de termos advindos da classe média carioca que constitui, em grande parte das histórias, o contraponto do olhar humilhado e ofendido do narrador, que não raramente dá a ver a própria figura humana do autor, ele mesmo morador da favela. 

A propósito dessa incomunicabilidade, dessa invariavelmente frustrada experiência de alteridade, verdadeiro leitmotiv do que existe de mais humano nesse livro desconcertante, vejamos o fragmento: --- "De um momento pro outro tudo se desfaz, tudo desaba, e ficamos sozinhos frente ao abismo que é a outra pessoa. Daí vem uma vontade de falar não sei o quê, só pra tentar reunir uns pedaços da gente, meia dúzia de restos espalhados pelo mistério que é a convivência". 

É que a forma como Geovani Martins expõe a verdadeira luta de classes em que se veem inseridas as personagens dos contos, ao lado de todas as imensas qualidades de uma escrita original e coerente, reflete a maturidade precoce do escritor e aponta para uma nova percepção estética em termos da prosa de ficção brasileira contemporânea. Um achado. 

 

 

 

 

 

 

 


 

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