quinta-feira, 10 de maio de 2018

As Boas Mulheres da China

Vejo no jornal estatística atualizada da violência contra a mulher no Brasil. São números assustadores.

Há coisa de uns cinco, seis anos, uma amiga de Piracicaba recomendou que eu lesse As Boas Mulheres da China, da jornalista Xinran. Passado tanto tempo, contudo, lembro com detalhes do livro e do impacto que me causou. 

Quando sento à frente do computador para escrever a coluna de hoje, vêm-me à mente alguns dos depoimentos que fazem parte da narrativa, e que ainda repercutem em mim sempre que sou levado a refletir sobre a violência praticada contra mulheres no mundo inteiro. 

O livro nasceu do conjunto de entrevistas realizadas por Xinran num programa de rádio com nome delicado e poético: Palavras na Brisa Noturna, no qual, a então jovem jornalista, dedicou-se durante oito anos a discutir questões femininas que poucos teriam a coragem de tratar, num país curvado ao peso de tradições culturais milenares e num contexto profundamente machista e autoritário. O que resulta dessas conversas, ao contrário da delicadeza e poesia do título, é aterrador. 

Impossibilitada de publicar o livro na China, Xinran, nascida em Pequim, em 1958, teve de abandonar o país e se fixar em Londres, onde As Boas Mulheres da China pôde finalmente ser lançado. No Brasil, sairia pela Companhia Das Letras. 

Com sensibilidade, prudência e um senso de realidade que viriam a constituir um dos aspectos mais notáveis do livro, conferindo-lhe uma densidade poucas vezes alcançada sobre um tema nem sempre tratado com a devida atenção, Xinran foi tomando esses relatos, pontuados de sofrimento, desilusões, opressão, tristezas de toda espécie, para edificar uma obra que o mundo inteiro deveria ler. 

São mulheres dilaceradas pela brutalidade masculina, num país que se vangloria de ser hoje a segunda maior potência econômica do mundo. Estupros, casamentos forçados, práticas perversas a fim de proporcionar o prazer sexual do homem, tudo no livro é bastante para gerar a indignação do leitor. Casos como o de Hongxue, para ficar num exemplo, a mulher que se descobriu para o afeto não pelas carícias de mãos humanas, mas pelas patas de um inseto. 

A violência contra a mulher chinesa, já não bastassem as informações culturais transmitidas de uma geração a outra, começa muito antes do nascimento. A política de um só filho, estimulada pelo governo, vem resultando num desequilíbrio brutal entre homens e mulheres, numa população que passa hoje de 1,3 bilhão de pessoas. Esta a razão por que os abortos se dão no país de forma seletiva, isto é, quando os exames de ultrassom indicam o sexo feminino do bebê durante a gravidez. Muitas mães fazem o aborto para se livrarem de fetos do sexo feminino. 

Estatísticas dão conta de que 25 milhões de rapazes estão em idade de casar, mas não encontram com quem. Isso tem levado ao aumento da violência contra a mulher, sequestros e comércio de meninas e adolescentes, bem como ao crescimento da prostituição. 

Se as mulheres na China, desde a Revolução de 1949, livraram-se dos chamados "pés de lótus" (ataduras eram violentamente apertadas a fim de impedir que crescessem), que lhe garantiam "beleza, fidelidade e submissão ao homem", ainda hoje o estupro é fato recorrente no país em proporções gritantes. 

É triste saber que a realidade do Brasil hoje, nos quatro cantos deste imenso país, não difere muito da realidade chinesa. E, por absurdo, parece vir se tornando pior.

 

 

 

  

 

 


 

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