Golyádkin começou a experimentar duas sensações: uma, de uma felicidade fora do comum, a outra, a de que não conseguia mais se aguentar nas pernas. (Dostoiévski, O Duplo)
É bom "já ir se acostumando", mas a sensação de desordem que a chamada equipe de transição do presidente eleito, o próprio à frente, vem causando, é inacreditável. A habilidade no trato de questões importantes, se é lícita a comparação, é a mesma de um macaco embriagado numa loja de cristais.
A menos de dois meses da posse, a dificuldade de Bolsonaro para lidar com a linguagem escancara o perfil do que será seu governo: um diz/desdiz, um faz/desfaz que tendem a colocar o país numa situação de indefinição perante o mundo, cujos prejuízos serão impensáveis nos mais diferentes setores.
Primeiro afirma que acabará o Ministério do Trabalho, depois aponta para uma divisão da pasta em três frentes, mas não diz quais; fala que fundirá num só os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, mas já se curvou à grita de ambientalistas e até mesmo dos grandes empresários do setor de agronegócios, receosos da repercussão indesejável que a medida teria lá fora.
Anteontem, em entrevista, afirmou que o Ministério da Educação absorverá o Ministério da Cultura, mas, agora, acena com a possibilidade de que ambos sejam incorporados à Ciência e Tecnologia...
Enquanto isso, o todo-poderoso Paulo Guedes mal recomenda uma "prensa" no Congresso, tem de engolir a aprovação do aumento do Judiciário com uma projeção de gastos em torno dos 5 bilhões a mais a partir do próximo ano. Engraçado, não fosse um desastre.
No início da semana, o presidente eleito decidiu que o número de ministérios seria reduzido para 15, mas, hoje, sexta-feira 9, admite que serão 18 pastas; e o famigerado MDIC (Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior) pertencerá mesmo à Economia, como anunciado antes? Tente-se compreender...
Em tempo: a CGU, que há cinco dias faria parte do superministério da Justiça confiado a Sergio Moro, agora terá status de ministério e "seguirá com vida própria" segundo o próprio presidente eleito. É pouco? Pois veja, o tão festejado ministro da Defesa, General Heleno, desce nesta quarta um degrau, pois deverá assumir o Gabinete de Segurança Institucional.
O mais grave é que, sem precedentes na História, o Brasil abre o flanco para o olhar ameaçador do terrorismo muçulmano com o desnecessário anúncio de que transferiria a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o que nada traz de benéfico para o país e tão-somente constitui uma demonstração oficial de que se alinhará mesmo aos interesses norte-americanos, custe o que custar. Mas, tranquilizemo-nos, o assunto, diz agora Bolsonaro, não está resolvido.
Para além de dar provas irrecusáveis de que Jair Bolsonaro é mesmo despreparado para dirigir o país, a bagunça faz-me lembrar daquele personagem inesquecível de Dostoiévski no romance O Duplo. Mergulhado em dilemas, um pobre homem descobre que a realidade é bem diferente do sonho, e que a imagem que desenhou de si mesmo não tem correspondente nas suas possibilidades humanas.
No romance, Golyádkin (é como se chama a personagem) tem duas vozes, a dele e do seu duplo... razão por que se vê dividido entre a fantasia e a realidade, a ambição e a humildade, os desejos e as frustrações. O resultado disso, claro, pode ser a loucura.
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