Tenho pela produção acadêmica de Régis Frota um profundo respeito. Mais que isso: nutro pelo estudioso de cinema que é uma admiração que dedico, subjetivação à parte, aos grandes nomes brasileiros no campo do audiovisual --- gente "grande", a exemplo de Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet, Amir Labaki, Paulo Emílio Salles Gomes e Alex Viany. Para não falar dos mais antigos, como Pedro Lima, Moniz Vianna, Rubem Biáfora, Hugo Barcelos ou Francisco Luiz de Almeida Salles. É visitar (ou revisitar) a sua vasta produção para entender que não vai, nisso, nenhum exagero.
Estudioso atuante em diferentes áreas, e historiador de cinema dotado de sólida erudição, Régis Frota vem contribuindo, há pelo menos 40 anos, para o que existe de mais significativo entre nós sobre a Sétima Arte. Agora, pela segunda vez em menos de doze meses, vem a público com um novo livro --- para enriquecer o debate e dar relevo ao que se publicou no Brasil sobre cinema nos últimos tempos.
Desta vez com uma coletânea de artigos em que esmiúça, com um domínio de linguagem notável, questões importantes acerca do cinema moderno. Debruça-se, assim, com a sensibilidade e o rigor analítico de sempre, sobre a filmografia de cineastas incontornáveis, ninguém menos que Ingmar Bergman, Krzystof Kieslowski e Andrei Tarkovski, para que se tenha uma noção do que é este pequeno-grande livro que o leitor tem em mãos.
Para aqueles que já conhecem de perto a obra de Régis Frota (e tenho o orgulho de estar entre esses) Ensaios Sobre o Cinema Moderno cristaliza uma nova perspectiva de análise, posto que o autor, habitualmente situado entre os estudiosos de tendência "crítico-histórica", envereda, agora mais, pelo viés "formalista" que estava mesmo a merecer dele maior atenção. Não que Régis Frota não fosse, desde sempre, possuidor de uma notável acuidade analítica sob qualquer aspecto em que o objeto de exame seja o cinema. Pelo contrário, pois Régis Frota é, entre nós, daqueles que conhecem melhor o cinema no antes, no durante e no depois da realização de um filme, mas talvez por pertencer a uma escola demasiado comprometida com a defesa do cinema nacional e latino-americano em nível internacional, mais pelo engajamento político que o fez admirar tanto o Cinema Novo e o desbravador Glauber Rocha em particular (e nisso é dos maiores especialistas que temos) e menos pelas qualidades rigorosamente estéticas dos mesmos, diga-se em tempo.
Nos textos aqui reunidos, sem descuidar do conteúdo dos filmes examinados, que é mesmo o esteio que sustenta o estudo sob diferentes aspectos --- filosóficos, psicanalíticos, sociais etc. ---, Régis Frota mostra-se mais atento aos procedimentos formais de cada quadro, cena ou sequência para os quais se volta com a competência de um profundo conhecedor da matéria. Quando examina a filmografia de Andrei Tarkovski, por exemplo, Régis Frota mantém-se em sintonia com os fundamentos estéticos professados pelo cineasta russo no belíssimo Esculpir o Tempo, como ele, supostamente, consciente de que "a sua filmografia poderia conferir-lhe aquela intensidade estética de sentimentos que transformaria a ideia da história numa verdade confirmada pela vida".
Não à toa, assim, é que intitula Andrei Tarkovski e o Cinema do Interior Humano aquele que considero o mais interessante capítulo do livro, pela contribuição que dá para uma compreensão possível da difícil filmografia do cineasta russo, marcada, é indispensável saber, por uma invariável tensão de cunho dostoievskiano dentro da qual se movimentam personagens "exteriormente estáticos e interiormente cheios da energia de uma paixão avassaladora", segundo palavras do próprio realizador russo.
É relevante dizer que, em dia com as mais recentes contribuições da filosofia para o campo da exegese cinematográfica, tanto em relação a Tarkovski quanto em relação a Kieslovski, Régis Frota dialoga, ainda, com o pensamento do esloveno Slavoj Zizek (sem esquecer o clássico estudo de Walter Benjamin sobre a Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica) e equilibra-se, com apreciável segurança, sobre o delicado fio que separa, na perspectiva de suas filmografias, os componentes psicanalíticos, religosos e marxistas.
É claro que o livro de Régis Frota, assim, contando nove pequenos capítulos, não tem a pretensão de cobrir um arco já por demais estendido do que se convencionou chamar de cinema moderno, mesmo considerando-se que essa modernidade se deu na Sétima Arte muito depois do que ocorrera às outras linguagens, por volta de 1910, a exemplo das Artes Plásticas. Tampouco se pode fechar os olhos para o fato de que na Alemanha e na antiga União Soviética, com o expressionismo e o construtivismo, respectivamente, é onde estão as raízes dessa modernidade, elevados em expressiva porção pela presença marcante de grandes diretores na Itália e nos Estados Unidos, onde pontuam, com destaque, nomes importantes como os de Rossellini e Welles com suas inapagáveis contribuições para o repensar da narrativa clássica e a inserção definitiva da cinematografia como encenação da realidade do homem e do mundo. O olhar de Régis Frota, nesse sentido, não se volta para esse tipo de historicismo já muito remoído, e seu enquadramento é despretensioso e consciente de que este papel já fora desenvolvido, por ele mesmo, com rigor, em outras de suas muitas publicações: artigos de jornais, revistas e livros etc., onde examina à perfeição, por exemplo, o cinema francês, nomeadamente a partir do final dos anos 1950, com a nouvelle vague, uma de suas paixões.
Por último, é importante ressaltar o fato de que Régis Frota dedique, neste livro, espaço para o cinema brasileiro com o registro oportuno do percurso feito por Nelson Pereira dos Santos, bem como para o cinema chileno contemporâneo na figura do extraordinário Sebastián Lelio. E o que dizer de uma abordagem em que se confrontam nomes como os de Patrício Guzman e Eduardo Coutinho?
Não é pouco, admita-se, para um trabalho que o próprio autor considera assumidamente "apressado", quero crer, como a nos advertir de que novos estudos se seguirão a este Ensaios Sobre o Cinema Moderno. Um livro para se ler com atenção.
Álder Teixeira, Mestre em Letras e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, é autor, entre outros, do livro 'Bergman, Estratégias Narrativas'.
Li com atenção o prefácio do professor dr Alder Teixeira que com escorreita precisao coloca a nova obra de Regis Frota no panteão merecido.Parabens e o carinho da Aurila
ResponderExcluir