terça-feira, 14 de abril de 2020

Quarentena

Ao abrir a minha caixa de mensagens, dou com Paulo Elpídio, como sempre, escorreito, loquaz, elegante: --- Por aqui capino as minhas estantes: colho coisas desaparecidas e dou-lhes atenção. Refugo alguns guardados indevidos, mergulhei em textos antigos, arranquei o Eça e Machado da sua injustificável prisão entre livros calados  --- e dou-lhes voz.

A liberdade é relativa. Só sentimos a sua importância quando a perdemos. Perdê-la voluntariamente é ainda pior.

Também eu tenho procurado nos livros o alento de que necessitamos decorridos quarenta dias de reclusão. Terminei, ontem à noite, os Diários de Josué Montello. Se foi um homem de posições polêmicas (e foi), isso não desmerece o escritor. Quando falta-lhe o fôlego de Nava, sobra-lhe o estilo luminoso Cony, a força do espírito poético. Como romancista, é notável. Os Tambores de São Luiz, uma obra-prima.

Há dias, alternando com Montello, releio A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Lembro que o encarei nas leituras de juventude, curvando-me, então, ao peso de sua grandiosidade. Hoje, como é próprio da literatura em sua função sinfrônica ou sintonizadora, o livro se ressignifica, e ganham relevo, aos olhos do leitor de agora, a arte sublime de Thomas Mann, a beleza, o amor, a humanidade, a natureza que se impõe entre a vida e a morte desses seres condenados à incerteza e à solidão.

Livros são o bálsamo com que mitigamos o desconforto advindo da solidão desses tempos trágicos. Assim se passam os dias, enquanto a luz da normalidade não (re)brilhar.

Graças à literatura, o sanatório de Davos, nos Alpes suíços, é a serra de Guaramiranga de onde escrevo essas linhas, território encantado por que transita um jovem engenheiro que se chama Hans Castorp, personagem central da bela história do escritor alemão.

Entre as obras-primas da literatura universal, na minha humilde opinião, ombreando com outros livros imortais, Dom Quixote à frente, nas estantes mais exigentes dos leitores do mundo inteiro, haverá de estar A Montanha Mágica.

Como afirmou Mário Vargas Llosa, poucos dias atrás, ler bons livros é outra maneira de viver, mais livre, mais bela, mais autêntica.

Da literatura para a música, ouço na tevê a notícia da morte de Moraes Moreira. Perde o Brasil um dos nomes mais importantes de sua cultura popular. Não tivesse feito tanto pelo cancioneiro brasileiro (e fez como poucos de sua geração!), assina com destaque pessoal um dos álbuns mais notáveis de nossa música, Acabou Chorare (1972), um disco obrigatório para qualquer amante da alta MPB. Poeta e pesquisador de raízes musicais, violonista extraordinário, Moreira deixa para a posteridade uma contribuição só comparada à dos tropicalistas. Com vantagem, talvez.

 

 

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