Por grande que um rei seja, é como nós humano:/Como outro homem também, passível é de engano. (Corneille, 1606-1684)
Há coisa de alguns anos, estava eu em Estocolmo, e ocorreu-me lembrar que um dos cartões postais da cidade é o estádio Rasunda, que figura nos folders turísticos da capital sueca com um dos seus principais atrativos. A razão, claro, eu conhecia: ali, um brasileiro de 17 anos deu o primeiro passo para a eternidade, marcando contra os donos da casa um dos mais belos gols de sua carreira --- sem deixar a bola tocar o chão, depois de dar um lençol no zagueiro adversário.
Como o tempo se encarregara de alterar a ordem de minhas grandes paixões, sacrifiquei a visita ao Rasunda em favor de Ingmar Bergman, e percorri a trajetória do cineasta por teatros e outros lugares em que fez valer o seu gênio como artista.
Hoje, se não pela razão por que decido escrever sobre o mais famoso aniversariante do dia, aquele quase menino que fez tremer um estádio sueco em que o Brasil sagrar-se-ia campeão mundial pela primeira vez, vieram à mente algumas práticas no mínimo curiosas com relação a sua vida e a sua obra. Entre essas, para citar um só exemplo, botafoguense de quatro costados e à época movido por um amor cego pelo time de General Severiano (para mim será sempre este o endereço do Glorioso), apostava com amigos quem mais tocava a esfera de couro no clássico Botafogo x Santos, se Gérson, se Pelé. Por incrível que possa parecer, o "canhotinha de ouro" terminava o jogo quase sempre com alguma vantagem. Os lances geniais, contudo e sem levantar qualquer dúvida, eram os do camisa 10 do Santos, que de fato ia se tornando uma das unanimidades nacionais. Aprendi a amá-lo, como se a sua genialidade fosse capaz de inibir o fanatismo do jovem botafoguense, provocando nele, quem sabe pela primeira vez na vida, o senso de justiça com cujo metro passou a medir as coisas do mundo --- por cuja demonstração de vaidade peço desculpas aos leitores. Era o maior jogador de futebol de todos os tempos.
Certa vez, de férias em São Paulo, cacei jeito de me abalar até o litoral santista com um só propósito, embora soubesse que estaria percorrendo algumas das mais famosas praias do país, na linha de Ilhabela, Bertioga, Praia Grande e São Vicente. Eu queria mesmo era conhecer o pequeno estádio da Vila Belmiro e deparar, por certo estarrecido, como de fato fiquei, diante do acervo incomensurável de troféus conquistados pelo SFC.
Com o tempo, não posso negar, se o jogador cada vez mais encantava, o homem maculava a minha admiração. Não reconhecer a paternidade de uma filha, mesmo depois do resultado do exame de DNA confirmar, levando-a em parte por isso a contrair um câncer e morrer em plena juventude, na contramão do que fizera um outro Rei brasileiro, é o pior exemplo. Falemos de futebol, apenas.
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, faz nesta sexta-feira 23, 80 anos. A data repercutirá, é certeza incontrastável, pelos quatro cantos do mundo, curvados à imagem inconfundível de um Gênio (assim, com maiúscula), maior que o Brasil, que o Continente, que o Mundo. Muito maior que a própria decepção, como substantivo e como sentimento.
Parabéns, amado Rei!
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