quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Morte no Paraíso

Semana que passou escrevi aqui sobre hipótese de Stefan Sweig ter sido assassinado. Foi o bastante para que alguns leitores levantassem questionamentos sobre o fato, muitos, inclusive, dizendo desconhecer que existissem tais dúvidas acerca do que "realmente" ocorrera ao escritor austríaco: morte por suicídio. Em face disso, este colunista sente-se na obrigação de voltar ao assunto, não sem antes, claro, como manda o bom jornalismo, deixar claro para todos quem foi Stefan Sweig. Mãos à obra.
Dramaturgo, biógrafo, romancista, memorialista e poeta, Stefan Sweig foi um austríaco de origem judaica cuja obra, como escritor, elevou-o à condição de um dos maiores nomes da literatura universal. No início dos anos 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, Sweig foi perseguido pelos nazistas, exilando-se com a mulher, Lotte, em Petrópolis, Rio de Janeiro.
Escreveu no Brasil, além de incontáveis textos de relevância, o polêmico livro "Brasil, um país do futuro", cujo título, segundo o seu biógrafo Alberto Dines, "é um caso único de livro convertido em epíteto nacional".
A exemplo do não menos polêmico "Porque me ufano do meu país", de Affonso Celso, em que o autor esposa ideias nacionalistas de cunho ingenuamente utópico, o livro de Stefan Sweig aponta para um futuro promissor do Brasil, muito embora emprestando ao seu pensamento muito maior equilíbrio e visão analítica, aspectos naturalmente ligados à universalidade de sua literatura perpassada de espírito humanista. Não sem razão, a obra, produzida no contexto da ditadura de Getúlio Vargas, suscitou um longo debate sobre os motivos que teriam levado Stefan Sweig a escrevê-la: tratava-se de um livro encomendado pelo ditador de plantão? De um livro sustentado na singular capacidade inventiva do escritor, na linha da melhor literatura? Uma forma do imigrante, fugitivo dos horrores nazistas, agradecer ao país que o acolhera? São hipóteses que ainda mais contribuem para a polêmica em torno de sua morte, oficialmente reconhecida como suicídio a dois --- Lotte, poucos minutos depois de Sweig, teria ingerido uma mistura de água e barbitúrico. Estavam abraçados.
No seu brilhante "Morte no paraíso --- A tragédia de Stefan Sweig", Alberto Dines não dá espaço a qualquer dúvida: "Suicídio, não há outra explicação. [...] Seu último empenho está em não deixar dúvidas sobre o acontecido. Por isso montou o minucioso ritual para que o gesto não seja interpretado como acidente".
Assim, em mais de uma passagem do seu livro, Alberto Dines reproduz uma "declaração", escrita em alemão, mas com título em português, em que Stefan Sweig assume total e absoluta responsabilidade pelo ocorrido. Dines vai além: sabendo das questões levantadas em torno do que afirma ser suicídio, desfecha o precioso parágrafo com uma sutil assertiva: "Tanto esmero e cuidado não evitaram que a mensagem [a declaração de suicida] seja truncada".
O fato é que não se conhecem as razões por que Getúlio Vargas não permitiu que o enterro do casal se desse em cemitério judaico. O laudo médico, determinado pelo então presidente, é vago, impreciso, dando margem para que as mortes do escritor e sua mulher continuem, passados tantos anos, encobertas pelo manto cinza da incerteza. Diga-se em tempo: a imprensa brasileira, em significativa porção, em fins dos anos 1990, assim como na época em que ocorreu o fato, trabalhou com a hipótese de que o casal tenha sido assassinado por agentes da Gestapo. Não é irrelevante afirmar, contudo, que Getúlio Vargas era, então, fiel seguidor de Adolf Hitler. O caso de Olga Prestes, ressalte-se, é exemplo de que as dúvidas sobre a morte de um dos grandes escritores de todos os tempos, e sua mulher, têm razão de ser.
A propósito, o advogado e psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg, nome prestigiado entre os estudiosos do assunto, afirma que Stefan Sweig poderá ter sido assassinado. "Que prejuízo haverá para a história cultural do Brasil se houver reabertura de inquérito para esclarecimento de dúvida sobre a morte de Sweig", indaga.
De minha parte, como sinalizei em coluna da semana passada, o livro de Deonisio Silva, "Stefan Sweig deve morrer", ainda que se trate de ficção, constitui uma significativa contribuição para o debate. O mesmo se dá em relação às mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart --- histórias mal contadas, com farto material a indicar a possibilidade de que foram assassinados.
Nesse sentido, o belo filme "Ainda estou aqui", de Walter Salles, já visto por mais de 5 milhões de espectadores, só no Brasil, é material importante, importantíssimo mesmo, na medida em que mostra para o grande público o que realmente ocorreu a Rubens Paiva, torturado e morto pelo regime militar.
Cuidadosamente vestido e de gravata, Stefan Sweig foi encontrado morto em sua casa, em Petrópolis, ao lado de sua segunda mulher, Elisabeth Charllote Altmann (Lotte), levando a termo um pacto macabro de amor e angústia jamais esclarecido. Era 22 de fevereiro de 1942, ano em que Orson Welles rodava no Brasil o inacabado "It's All True".
Com amigos comuns em Hollywood, celebridades internacionais, escritor e cineasta não se cruzaram. Mesmo assim, aparecem juntos em ficção cinematográfica de Sylvio Back, sob o título "Lost Sweig".
Como sempre, e em tudo, realidade e ficção insistem em caminhar juntas. Cumpre-nos reconhecer, no entanto, o que faz a diferença entre uma e outra.  
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário