terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A separação em números

É fato: casa-se mais, separa-se mais, recasa-se mais. Nunca tive pruridos em relação a certas coisas que comumente ruborizam a maioria das pessoas. O fato de ter casado muitas vezes, por exemplo. No meu caso foram três, com três mulheres que um dia foram os meus amores e com as quais dividi casa, vivi momentos importantes, viajei muito, fiz projetos e realizei sonhos. E, claro, com as quais dividi a dor de toda separação. Foram relacionamentos felizes. Acabaram, o que não é o mesmo que dizer que não deram certo. Foram 10, 10 e 11 anos. Tempo bom, como se pode ver. É verdade que, nesse aspecto, estive sempre à frente do meu tempo e o primeiro deles, tinha eu 20 anos, não precisou de papeis passados para acontecer. Que diferença fez? Nunca fui freelancer em matéria de amor. Sexo é outra coisa. Mas amar exige proximidade, convivência, roçar de pele na madrugada.

Escrevo sobre isso quando tenho em mãos alguns resultados do último censo do IBGE. 243.224 casais brasileiros se divorciaram no ano passado. Nada preocupante: são quase 500 mil brasileiros que tentaram ser felizes juntos, até que a convivência por algum motivo tenha se tornado insuportável. E, o que mais importa, que viram na separação legal a alternativa para tentarem reconstruir suas vidas e buscar de novo a felicidade.

Tenho dois filhos que me amam e que amam sua mãe e o seu atual marido, com quem mantenho uma relação de respeito, cordialidade e admiração recíprocos. Não raro, sentamos à mesa para pôr em dia o que é de interesse comum de nossas vidas: os filhos à frente. Casar não é renunciar à vida em favor de ninguém, o que muitas vezes constitui o segredo dos casamentos longevos. Nem a separação, por dolorosa que seja, é algo com que mesmo os filhos não possam lidar com naturalidade. É bastante que os pais saibam administrar esse momento difícil com serenidade e equilíbrio, o que muitas vezes significa saber chorar juntos. Há sempre mais que adeuses nas despedidas.

Não há separação sem dor. É natural que haja sofrimento, notadamente quando existem filhos pequenos. Assim como é natural que uma das partes saia machucada, que nem sempre é possível, nesse aspecto, que a separação se dê por vontade subjetiva dos dois. Quando isso acontece, tudo se torna mais fácil, desde a partilha dos bens até a educação dos filhos. No meu caso, isso jamais foi um problema. Nunca foi necessário marcar dia e hora para ver os pequenos ou território neutro para apanhá-los. Por isso, estou certo, nossos filhos puderam crescer bem, saudáveis e felizes.

Vejo que há entre os jovens um potencial romântico enorme, e que, por mais levianas que pareçam ser as relações, no tempo do "ficar", compram-se mais livros sobre relacionamentos e sobre o amor; veem-se mais filmes sobre casais, encontros, reencontros, perdas e recomeços. Sinto que ainda é possível alimentar o sonho de que o casamento seja para sempre. É preciso, no entanto, pensar mais sobre as renúncias e as concessões que esta decisão exige. Acho mesmo que existe no casamento alguma coisa sagrada, que deve ser alimentada no coração dos nossos filhos, mas que ele nunca seja visto como um tipo de condenação, uma morte em vida. Separar pode ser um ato de amor.






terça-feira, 29 de novembro de 2011

A qualquer tempo, eis a lição

Durante o happy hour da sexta-feira, depois de alguns uísques, amigo resolve desabafar a sua neura com a certeza de que a velhice vai chegar: - "Velhice é uma doença. Não me identifico mais na imagem do espelho. Estou me tornando uma outra pessoa!" É verdade que ninguém conseguiu conter o riso, mas, no discreto disfarçar de cada expressão, passado o hilário da coisa, pude perceber alguma medida de preocupação. Mínima que fosse.

Ataquei de Cecília: "Eu não tinha este rosto de hoje, / assim calmo, assim triste, assim magro, / nem estes olhos tão vazios, nem este lábio amargo. / Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas; / eu não tinha este coração que nem se mostra. / Eu não dei por esta mudança, / tão simples, tão certa, tão fácil. / Em que espelho ficou perdida a minha face?" E a conversa me fez lembrar de tantas outras... dos tantos e-mails que me chegam de amigos, para alguns dos quais está ainda tão distante a indesejada das gentes, como no verso clássico de Bandeira.

Ocorre-me um diálogo do belo filme do argentino Marcos Carnevale: a filha visita o pai viúvo e depara com o velhinho preparando um banho com um entusiasmo que havia tempos não possuia. Os remédios, aos montes, atirados na lixeira. "Papai, o que é isso? Decidiu morrer?" E ele responde: - "Não. Decidi viver!" Alfredo, como se chama o bom velhinho, descobrira-se apaixonado aos 80 anos. Nada surpreendente, não fosse Elsa, o objeto de sua paixão, mais velha que ele, imprevisível e feliz do alto dos seus 83 anos, que (re)ensina a Fred a alegria de viver.

A cena em que os dois fogem sem pagar a conta do jantar em um restaurante, é desconcertante de tão bonita e tão cheia de significados. Para não falar de um dos momentos altos da cinematografia nesses últimos anos, que é a sequência em que Fred torna possível a realização de um sonho antigo de Elsa: tomar banho à noite, na Fontana de Trevi, em Roma, numa citação da cena clássica de Anita Ekberg e Marcelo Mastroiani em A doce vida, de Fellini. A cena dói de tão linda.

Envelhecer é passar algumas páginas de nossas vidas... e complicamos tanto! Fazer amigos e preservar os que já temos; viajar, ler um bom livro, assistir a um filme de que nunca vamos esquecer; descobrir e redescobrir a beleza que está nos pequenos gestos, nas coisas simples, na capacidade de amar que devemos exercitar sempre... Acho que são tantos os caminhos para que não percamos a nossa identidade, para que continuemos nos reconhecendo na imagem do espelho... Elsa, a velhinha serilepe que nos faz chorar e rir às escancaras no filme de Carnevale, ajuda-nos a entender a vida e a tirar dela o que de melhor tiver para nos dar. A qualquer tempo, eis a lição!