sexta-feira, 24 de maio de 2013

O amor e a felicidade

Leio na revista IstoÉ artigo curioso de Ana Paula Padrão: Felicidade é amor. Ponto final. O texto, como a colunista deixa evidenciado, sustenta-se numa pesquisa levada a efeito pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, cujos resultados apontam para o que, parecendo óbvio, traz um alerta importante para todos nós: o álcool continua sendo algo devastador para a vida das pessoas, em que pesem as campanhas de conscientização. O vício é, de longe, o elemento que mais ocasiona desde as separações conjugais até os quadros mais dramáticos de depressão e neuroses.
 
Associado ao tabagismo, o alcoolismo ainda é a causa de doenças letais que mais preocupam as autoridades, e os números da pesquisa, embora resultantes de uma ação científica 'localizada', como que constituem um retrato da realidade de muitos países, notadamente os de terceiro mundo. Outra conclusão curiosa: o QI, quase sempre tomado como parâmetro para medir as possibilidades de sucesso pessoal, em princípio longe está de ser um fator decisivo em termos profissionais, por exemplo. Ou seja, indivíduos com QI 110 concorrem em nível de igualdade com os que têm QI 150.
 
Mas é no campo afetivo que a pesquisa traz novidades interessantes: as pessoas mais conservadoras, do ponto de vista comportamental (aqui incluídos os que se curvam a preconceitos e tabus), são aquelas cuja vida sexual é encerrada mais cedo, por volta dos 68 anos, enquanto os mais liberais permanecem ativos até os 80 anos, um limite, como se vê, animador mesmo para os padrões de países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos. Como observa Ana Paula Padrão, conservadorismo e desejo sexual são inimigos ferrenhos.
 
O mais significativo, mesmo que por demais previsível, é concluir, cientificamente, que o amor é de fato o fator infalível para levar as pessoas a serem felizes. Em outras palavras, indivíduos que amam e foram amados aparecem entre os mais bem sucedidos em termos emocionais, relacionais e, claro, financeiros. Está dado o recado: se você está aberto para a afetividade, recebendo-a e distribuindo-a no seu dia a dia, terá dado o passo definitivo para construir uma vida feliz.
 
A jornalista evidencia um aspecto relevante para as conclusões a que chegaram os pesquisadores de Harvard: a pesquisa não é fruto de uma curiosidade vã, mais um modismo dos cientistas americanos, tão afeitos a estudar tolices. Pelo contrário, consumiu 20 milhões de dólares ao longo de 75 anos, durante cujo tempo 268 homens foram acompanhados de perto. Como diz ela, reproduzindo a frase conclusiva do estudo, "Felicidade é amor. Ponto final".
           

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Humberto morreu de amor

 A atividade intelectual e o gosto pelo jornalismo levaram-me a ter o hábito de entrevistar pessoas interessantes, algumas delas famosas. Que me lembre, agora, entrevistei os escritores Jorge Amado, Zélia Gattai, Moreira Campos; o filósofo Edgar Morin; o cantor Raimundo Fagner, mais de uma vez; os cineastas Walter Lima Jr. e Paulo Cesar Saraceni; o educador Moacir Gadotti, os políticos Ciro Gomes e Luis Inácio Lula da Silva, entre muitos outros. Mas, foi a entrevista com o cantor e compositor Luiz Gonzaga que mais me tocou, pelo desprendimento e informalidade do que se tornou antes uma conversa demorada que uma entrevista propriamente dita.
Era outubro, novembro, não me lembro bem, mas o ano com certeza era 1987, já bem perto da morte de Gonzagão, ocorrida em agosto de 1989. Em Iguatu, ele era hóspede do médico Hildernando Bezerra. De manhã, ainda à mesa do café, contando com a presença da saudosa Marlene Teixeira, primeira mulher a fazer rádio na cidade, começamos Luiz Gonzaga e eu uma conversa, como disse, demorada, sobre música popular brasileira, a carreira esplêndida do compositor de Asa Branca e, principalmente, a convivência com seu parceiro Humberto Teixeira. Hildernando, o anfitrião, aqui e ali, intercedia com ponderações curiosas sobre o tema da conversa.
Gonzagão discorria com um jeito bem nordestino de ser sobre o percurso que percorrera desde o início de sua carreira, ainda entre os cáctus e cipoais do sertão, até a consagração, que, na sua humildade peculiar, em momento algum assumiria perante os entrevistadores. Falava das circunstâncias em que compusera uma e outra canção, das parcerias, do pai Januário e de sua amizade com Humberto.
Sabendo-me vereador e autor de um projeto de lei que instituiria o Museu Iguatuense da Imagem e do Som, a uma dada altura da entrevista, sem que eu saiba por quê, Gonzaga assume comigo o curioso compromisso: – "Assim que o museu for inaugurado, mando para seu acervo o primeiro disco de ouro que eu e Humberto ganhamos com Asa Branca." Todos aplaudiram e o burburinho era tão grande que tive de interromper a entrevista. Foi aí que Luiz Gonzaga fez a afirmação premonitória: – "Guarde a fita [da entrevista] que, se eu tiver morrido, você mostra pro [o barulho de conversas paralelas e ruídos de talheres impedem a compreensão do que diz] e volta com o disco debaixo do braço." Suponho que tenha dito o nome do filho Gonzaguinha, que, ironicamente, morreria em 1991, num desastre de carro.
Marlene Teixeira, que tinha uma bela voz, traz com ela uma música inédita de Humberto Teixeira e a cantarola para Gonzagão, que fica em silêncio por um momento, os olhos nitidamente marejados, e faz a afirmação conhecida: – "Humberto morreu de amor!"
Anos depois, falei sobre o assunto com a atriz Denise Dumont, filha de Humberto Teixeira, que viera ao Ceará para lançamento de um projeto que tinha por objetivo resgatar a importante presença do pai no contexto da MPB. Denise, sempre muito reticente em relação à vida amorosa de Humberto, por razões que sabemos, apenas esboçou um sorriso e repetiu: – "Humberto morreu de amor!"