Li esta semana o livro Cartas Extraviadas, de Martha Medeiros. Popularmente conhecida como cronista, a escritora gaúcha não é menos talentosa como poeta. A exemplo do que faz nos textos em prosa, Martha revela-se na poesia uma criadora de fina sensibilidade, explorando em textos o mais das vezes ligeiros (embora aqui e além existam nos diferentes livros poemas mais longos e elaborados) o que move a vida das pessoas na vida cotidiana, notadamente quando tematiza com uma percepção a um tempo vertical e simples os ditos motivos eternos, o amor à frente: “Pequeno grande amor / que gerou toda sorte de reflexão / se fosse apenas um pequeno grande amor / passaria longe do meu epicentro / se fosse um grandíssimo amor / estaria tudo ao meu redor devastado / mas foi um pequeno grande amor / daqueles que têm tamanhos para todos os lados / e só podem ser medidos por dentro.”
Martha é um dos nomes mais expressivos da chamada geração de 80 e sua poesia tem extração romântica, mas, do ponto de vista formal, exemplifica à perfeição o que em linhas gerais caracteriza o que há de mais moderno em literatura. Seus poemas não são intitulados, embora no interior dos mesmos se possa sem dificuldade identificar um ou outro verso que lhes cairia bem como título. Cantam as diferentes dimensões da experiência amorosa, ora doída e amargurada, ora confiante na possibilidade de novas conquistas: “De novo a pausa entre um amor e outro / terei dias de vento e noites de embriaguez pela frente / alguns jantares aborrecidos e quanta gente a me insultar / terminaste outro relacionamento, és um homem supérfluo / entre um amor e outro irei ao cinema sozinho / intimamente satisfeito mas faltando uma mão para segurar [...]”.
Mas é quando aborda a dor do abandono e a decisão de superá-la que a poeta produz alguns dos poemas mais belos de sua lavra: “A partir de amanhã não corro mais para atender o telefone / a caixa de fotos vou colocar na última prateleira do armário / onde só alcançarei com muito esforço e escada / a partir de amanhã não abro mais o correio eletrônico / nem voo até sua letra no alfabeto / não passarei mais pela sua rua / a partir de amanhã / nem na vizinhança, atalharei por outro bairro / não há necessidade e meu coração não é de confiança / a partir de amanhã interrompo o surto e esqueço a placa do seu carro / não há perigo de eu sonhar com você, a partir de amanhã / não durmo mais, e as músicas que eu escutava, evitarei / já não te velarei, a partir de amanhã.”.
E, na mesma linha, o poema cortante, literalmente cortante: “Aspiração em mesa de cirurgia: / doutor, não quero tirar culote, barriga ou pedaço da coxa / deixe o corpo como está que tenho mais o que perder / arranque-o de mim, doutor, é desse amor que preciso emagrecer.” Assim, com uma poesia pessoal e simples, mas invariavelmente inspirada, Martha Medeiros canta o amor e seus desencontros, no que se reconhecem aqueles que amam e vivem intensamente as suas diferentes circunstâncias. Com uma dicção e um estilo inconfundíveis, pois, a poeta deixa ecoar nos textos em verso a mesma voz entre ingênua e irreverente que a consagrou na prosa. A exemplo, está em Strip-Tease, livro de 85: “Ele era gago, vesgo e mancava de uma perna / e daí? Era gostoso, inteligente e tinha uma boca linda / sabia dizer coisas belas em horas estranhas / e chorava quando se sentia completamente feliz.”
Ou, em Persona Non Grata, de 1991: “Passei tanto tempo procurando as palavras / que resumiriam nossa relação / mas tudo o que encontrei / foi pontuação / exclamações, interrogações, reticências / muita vírgula no lugar errado / tremas e acentos desatualizados / aspas que deixavam tudo formal / e um ponto final pra lá de precipitado.” Poesia cintilante, compreensível, vigorosa, simplesmente perfeita.
P.S. Leitor estranha que use o substantivo 'poeta' referindo-me a uma mulher. Agradeço a observação purista, mas defendo o que, modernamente, no Brasil e em Portugal, é mais comum nos meios literários: o uso do substantivo como s.2g., a exemplo do que registra o Houaiss em sua última edição.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
A poesia cintilante de Martha Medeiros
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Hora de chorar com eles
Em meio à cobertura jornalística das trágicas ocorrências no Haiti, um depoimento aparentemente desimportante deixou-me profundamente comovido: - "Queria poder estar lá, ao lado do meu povo, dos meus conterrâneos. Se nada pudesse fazer, pelo menos queria estar chorando com eles." Foram essas as palavras de um jovem universitário daquele país, que estuda em Porto Alegre por força de um desses muitos projetos de cooperação entre nações amigas. É isto, há momentos na vida das pessoas em que quase nada se pode fazer para aliviar o seu sofrimento, amenizar a sua dor, além de chorar com elas.
O fato fez-me recordar uma crônica de Nelson Rodrigues a que fiz alusão no livro Do amor e outras crônicas. Nelson se refere a um amigo que marcara com ele um almoço. Diz o cronista: - "Éramos amigos e fundamos naquela mesa a nossa solidão (a perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real!)." O homem assumia em prantos jamais ter superado a perda do pai. Essas e outras perdas são muitas vezes dores insuportáveis, pelo menos durante um tempo que não se pode estabelecer com precisão. Esta semana pude testemunhar a dor de um amigo que, havia dias, perdera a mulher em um desastre de carro. Ligou-me com a carência de um desesperado: - "Amigo, preciso de ti, não estou suportando mais!" Fui ao seu encontro.
O homem estava numa angústia sem nome, contorsia-se como se uma dor física lancinante o dilacerasse naquele instante. Tinha os olhos injetados. A quem o visse naquele desespero haveria de alguma forma tocar fundo. Nessas circunstâncias, pouco, quase nada se pode fazer, além de compreender o que se passa com o outro. Se não se chora com ele, que nem todos têm a emoção assim aguçada, a presença silenciosa já é o bastante. A presença silenciosa e solidária, a solidão numerosa de um amigo real. Quase sempre, sem dizer palavra, que em certas horas de nada valerá dizer.
Na vida de cada um de nós, quando menos se espera, depara-se com o golpe inclemente. A perda de um parente, de um amor, a derrocada financeira, a doença sem cura... É quando tudo parece não ter mais qualquer sentido. Nesse momento, como que em milagre, muitas vezes de onde quase nada se espera, vem a bondade inata de que nos falou Rousseau. A palavra doce e impotente, o ombro acolhedor, a mão generosa como uma oferenda de Deus. Pouco, quase nada, dizia eu, pode-se fazer para aplacar a ferida aberta, molhada de soluços. É a hora em que a presença silenciosa e solidária, a presença numerosa de um amigo real, como disse o cronista, é algo mais eficaz que toda a ciência, que todos os remédios, que todas as ações. As palavras do jovem haitiano comoveram-me tanto quanto as imagens chocantes na tevê, tanto quanto a própria dor dos nossos irmãos miseráveis e esquecidos, trucidados impiedosamente pela sanha da Natureza. Elas estavam carregadas de amor ao próximo, de solidariedade humana, coisa rara em nossos dias. Além de tudo o que se tem podido fazer de concreto para diminuir o martírio dos nossos irmãos do Haiti, silenciosa e solitariamente, é hora de chorar com eles.
O fato fez-me recordar uma crônica de Nelson Rodrigues a que fiz alusão no livro Do amor e outras crônicas. Nelson se refere a um amigo que marcara com ele um almoço. Diz o cronista: - "Éramos amigos e fundamos naquela mesa a nossa solidão (a perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real!)." O homem assumia em prantos jamais ter superado a perda do pai. Essas e outras perdas são muitas vezes dores insuportáveis, pelo menos durante um tempo que não se pode estabelecer com precisão. Esta semana pude testemunhar a dor de um amigo que, havia dias, perdera a mulher em um desastre de carro. Ligou-me com a carência de um desesperado: - "Amigo, preciso de ti, não estou suportando mais!" Fui ao seu encontro.
O homem estava numa angústia sem nome, contorsia-se como se uma dor física lancinante o dilacerasse naquele instante. Tinha os olhos injetados. A quem o visse naquele desespero haveria de alguma forma tocar fundo. Nessas circunstâncias, pouco, quase nada se pode fazer, além de compreender o que se passa com o outro. Se não se chora com ele, que nem todos têm a emoção assim aguçada, a presença silenciosa já é o bastante. A presença silenciosa e solidária, a solidão numerosa de um amigo real. Quase sempre, sem dizer palavra, que em certas horas de nada valerá dizer.
Na vida de cada um de nós, quando menos se espera, depara-se com o golpe inclemente. A perda de um parente, de um amor, a derrocada financeira, a doença sem cura... É quando tudo parece não ter mais qualquer sentido. Nesse momento, como que em milagre, muitas vezes de onde quase nada se espera, vem a bondade inata de que nos falou Rousseau. A palavra doce e impotente, o ombro acolhedor, a mão generosa como uma oferenda de Deus. Pouco, quase nada, dizia eu, pode-se fazer para aplacar a ferida aberta, molhada de soluços. É a hora em que a presença silenciosa e solidária, a presença numerosa de um amigo real, como disse o cronista, é algo mais eficaz que toda a ciência, que todos os remédios, que todas as ações. As palavras do jovem haitiano comoveram-me tanto quanto as imagens chocantes na tevê, tanto quanto a própria dor dos nossos irmãos miseráveis e esquecidos, trucidados impiedosamente pela sanha da Natureza. Elas estavam carregadas de amor ao próximo, de solidariedade humana, coisa rara em nossos dias. Além de tudo o que se tem podido fazer de concreto para diminuir o martírio dos nossos irmãos do Haiti, silenciosa e solitariamente, é hora de chorar com eles.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Sobre o Amor
Do poeta e cantor Cícero Braz vem a crítica pertinente: - "Você está batendo demais no Amor." Como entendesse a crítica desse leitor diferenciado como uma observação de que tenho sido redundante, acenei com a motivação de escrever sobre outros temas, ao que retrucou: - "Não, não é que esteja sendo redundante. É que tem açoitado impiedosamente o Amor." Ah, o Amor..., querido amigo. Acho mesmo que, na linha do que nos falou Cecília, a gente tem fases, como a lua. Você, que escreve, sabe o que estou querendo dizer. O Amor tem muitas faces, muitas fases, e acaba sendo inevitavelmente uma projeção daquilo que vivemos em dado momento de nossa vida. Mas com uma coisa você há de concordar: o final feliz é mesmo uma raridade. Não me ache negativista, que nem o outro poeta, sobre quem escrevi pela fobia que nutre da paixão. E por falar em paixão, uma das faces ou fases do Amor, que tal lembrar a etimologia da palavra para constatar que tenho alguma razão? Vem do latim tardio e significa sofrimento. Eis a razão por que se fala da Paixão de Cristo, ou seja, o martírio de Jesus Cristo, nome que se dá, também, à parte do Evangelho que narra o sofrimento de Cristo. Mas esteja tranquilo, poeta amigo, que vou afinar o cinzel com que serão vazados os novos textos sobre o Amor. O Amor feliz!
Acho mesmo, como disse em crônica recente, que o amor é felicidade, mas não é a felicidade, pelo menos quando se fala do amor Eros. Sei que mais uma vez estou pisando em terreno escorregadio, pois é outro desafio discutir ou tentar conceituar a felicidade. Vêm-me à cabeça a fala inesquecível de uma personagem do filme Desejos Proibidos, que revi outro dia em DVD. Um homem diz a sua mulher: - "A infelicidade é uma invenção." Ele se refere ao que considera uma determinação da mulher, ser infeliz. Existe mesmo quem, como Louise (como se chama a personagem), viva a infelicidade como uma escolha. No amor, contudo, não é raro que a infelicidade seja uma decorrência natural do desgaste que o tempo e as circunstâncias lhe impõem. Aliás, considero o filme de Max Ophuls um clássico sobre esse tema a um tempo tão simples e tão complicado.
O filme está ambientado na cidade de Viena, onde um homem desposa uma mulher extremamente bela e a presenteia com um par de brincos. É Louise, a tal inventora da infelicidade, que, para pagar uma dívida que a desespera, vende os tais brincos. Diz ao marido que os perdera. Mas o joalheiro leva o fato ao conhecimento do marido, que, agora, os adquire para dar de presente à amante. Esta, pelas mesmas dificuldades de Louise, vende-os ao mesmo joalheiro. O novo comprador, Donati, interpretado à perfeição por Vittorio De Sica, apaixona-se por Louise, com quem vem a manter um caso. Dá-lhe de mimo o mesmo par de brincos. A farsa amorosa, obviamente, é desvendada.
Para o bem ou para o mal, leitor amigo, o amor é cantado na literatura, no cinema, no teatro etc., como algo que tanto leva à felicidade quanto à infelicidade. São momentos diferentes da mesma história, que se repete através dos tempos com uma regularidade e uma lógica que me parecem inquestionáveis. No filme a que me refiro, os brincos valem como o lenço de Desdêmona, em Otelo, ou o broche da protagonista de Um corpo que cai. São símbolos dos muitos contratempos a que o amor está condenado. Na arte, como na vida. No amor, a felicidade e a infelicidade são as duas faces de uma mesma moeda. O que não significa que não valha a pena vivê-lo, sempre e intensamente.
Acho mesmo, como disse em crônica recente, que o amor é felicidade, mas não é a felicidade, pelo menos quando se fala do amor Eros. Sei que mais uma vez estou pisando em terreno escorregadio, pois é outro desafio discutir ou tentar conceituar a felicidade. Vêm-me à cabeça a fala inesquecível de uma personagem do filme Desejos Proibidos, que revi outro dia em DVD. Um homem diz a sua mulher: - "A infelicidade é uma invenção." Ele se refere ao que considera uma determinação da mulher, ser infeliz. Existe mesmo quem, como Louise (como se chama a personagem), viva a infelicidade como uma escolha. No amor, contudo, não é raro que a infelicidade seja uma decorrência natural do desgaste que o tempo e as circunstâncias lhe impõem. Aliás, considero o filme de Max Ophuls um clássico sobre esse tema a um tempo tão simples e tão complicado.
O filme está ambientado na cidade de Viena, onde um homem desposa uma mulher extremamente bela e a presenteia com um par de brincos. É Louise, a tal inventora da infelicidade, que, para pagar uma dívida que a desespera, vende os tais brincos. Diz ao marido que os perdera. Mas o joalheiro leva o fato ao conhecimento do marido, que, agora, os adquire para dar de presente à amante. Esta, pelas mesmas dificuldades de Louise, vende-os ao mesmo joalheiro. O novo comprador, Donati, interpretado à perfeição por Vittorio De Sica, apaixona-se por Louise, com quem vem a manter um caso. Dá-lhe de mimo o mesmo par de brincos. A farsa amorosa, obviamente, é desvendada.
Para o bem ou para o mal, leitor amigo, o amor é cantado na literatura, no cinema, no teatro etc., como algo que tanto leva à felicidade quanto à infelicidade. São momentos diferentes da mesma história, que se repete através dos tempos com uma regularidade e uma lógica que me parecem inquestionáveis. No filme a que me refiro, os brincos valem como o lenço de Desdêmona, em Otelo, ou o broche da protagonista de Um corpo que cai. São símbolos dos muitos contratempos a que o amor está condenado. Na arte, como na vida. No amor, a felicidade e a infelicidade são as duas faces de uma mesma moeda. O que não significa que não valha a pena vivê-lo, sempre e intensamente.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Na imensidão do infinito
Quando morrem pessoas queridas, com o passar do tempo costumo ter a impressão de que vão se distanciando lentamente, lentamente, lentamente... até se tornarem um pontinho de luz na imensidão do infinito. E um dia, sem que nem ao menos a gente perceba, desaparecem no azul a que se convencionou chamar de céu. É claro que, por amadas e inesquecíveis, costumam voltar, aqui e além, nas coisas que nos fazem recordá-las com uma saudade que, durante algum tempo, é mesmo um tipo de dor que não se pode definir com palavras. Depois, voltam nas boas recordações que já não incomodam, mas que nos proporcionam uma sensação agradável, que reeditam fragmentos do que vivemos com essas pessoas queridas.
Nos relacionamentos amorosos acho que acontece o mesmo, quando morrem. Durante um tempo que não se pode precisar, porque a experiência repercute diferentemente em cada um, o outro vai se distanciando lentamente, lentamente, lentamente... até se tornar, como no caso da morte verdadeira, um pontinho de luz no sem-fim do que chamamos de horizonte. Se foi um relacionamento feliz ou não, pouco importa, porque de tudo é inevitável que fiquem marcas, leves e belas como o desenho da boca em batom, ou indeléveis e feias como a cicatriz da ferida. Mas permanecem, e por um tempo vão ficar assim, insistindo num tipo de obsessão de que não se pode libertar. Depois, eventuais e imprevistas, vão se transformando em lembranças cada vez mais esparsas, até que desaparecem como que para sempre...
A música que foi a "nossa" música, o perfume que ela usava, o jeito com que ele fala, a mesa do restaurante em que jantamos juntos a primeira vez, o carro igual ao dela, a praia que frenquentávamos, a tomada aérea da cidade em que se viveu a lua de mel na entrecena da telenovela, a voz rouca, o detalhe da boca, do nariz, o corte do cabelo dela, o prato que ele sugeriu e que você amou, tudo... tudo traz a presença da pessoa que foi a razão da felicidade fugaz. E um dia, exatamente como na recordação dos mortos, sem que se perceba, o outro vai ficando longe, longe, longe... até que desaparece, até ficar um sonho perdido no vazio impreenchível do nosso coração.
Nos relacionamentos amorosos acho que acontece o mesmo, quando morrem. Durante um tempo que não se pode precisar, porque a experiência repercute diferentemente em cada um, o outro vai se distanciando lentamente, lentamente, lentamente... até se tornar, como no caso da morte verdadeira, um pontinho de luz no sem-fim do que chamamos de horizonte. Se foi um relacionamento feliz ou não, pouco importa, porque de tudo é inevitável que fiquem marcas, leves e belas como o desenho da boca em batom, ou indeléveis e feias como a cicatriz da ferida. Mas permanecem, e por um tempo vão ficar assim, insistindo num tipo de obsessão de que não se pode libertar. Depois, eventuais e imprevistas, vão se transformando em lembranças cada vez mais esparsas, até que desaparecem como que para sempre...
A música que foi a "nossa" música, o perfume que ela usava, o jeito com que ele fala, a mesa do restaurante em que jantamos juntos a primeira vez, o carro igual ao dela, a praia que frenquentávamos, a tomada aérea da cidade em que se viveu a lua de mel na entrecena da telenovela, a voz rouca, o detalhe da boca, do nariz, o corte do cabelo dela, o prato que ele sugeriu e que você amou, tudo... tudo traz a presença da pessoa que foi a razão da felicidade fugaz. E um dia, exatamente como na recordação dos mortos, sem que se perceba, o outro vai ficando longe, longe, longe... até que desaparece, até ficar um sonho perdido no vazio impreenchível do nosso coração.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
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