Em meio à cobertura jornalística das trágicas ocorrências no Haiti, um depoimento aparentemente desimportante deixou-me profundamente comovido: - "Queria poder estar lá, ao lado do meu povo, dos meus conterrâneos. Se nada pudesse fazer, pelo menos queria estar chorando com eles." Foram essas as palavras de um jovem universitário daquele país, que estuda em Porto Alegre por força de um desses muitos projetos de cooperação entre nações amigas. É isto, há momentos na vida das pessoas em que quase nada se pode fazer para aliviar o seu sofrimento, amenizar a sua dor, além de chorar com elas.
O fato fez-me recordar uma crônica de Nelson Rodrigues a que fiz alusão no livro Do amor e outras crônicas. Nelson se refere a um amigo que marcara com ele um almoço. Diz o cronista: - "Éramos amigos e fundamos naquela mesa a nossa solidão (a perfeita solidão há de ter pelo menos a presença numerosa de um amigo real!)." O homem assumia em prantos jamais ter superado a perda do pai. Essas e outras perdas são muitas vezes dores insuportáveis, pelo menos durante um tempo que não se pode estabelecer com precisão. Esta semana pude testemunhar a dor de um amigo que, havia dias, perdera a mulher em um desastre de carro. Ligou-me com a carência de um desesperado: - "Amigo, preciso de ti, não estou suportando mais!" Fui ao seu encontro.
O homem estava numa angústia sem nome, contorsia-se como se uma dor física lancinante o dilacerasse naquele instante. Tinha os olhos injetados. A quem o visse naquele desespero haveria de alguma forma tocar fundo. Nessas circunstâncias, pouco, quase nada se pode fazer, além de compreender o que se passa com o outro. Se não se chora com ele, que nem todos têm a emoção assim aguçada, a presença silenciosa já é o bastante. A presença silenciosa e solidária, a solidão numerosa de um amigo real. Quase sempre, sem dizer palavra, que em certas horas de nada valerá dizer.
Na vida de cada um de nós, quando menos se espera, depara-se com o golpe inclemente. A perda de um parente, de um amor, a derrocada financeira, a doença sem cura... É quando tudo parece não ter mais qualquer sentido. Nesse momento, como que em milagre, muitas vezes de onde quase nada se espera, vem a bondade inata de que nos falou Rousseau. A palavra doce e impotente, o ombro acolhedor, a mão generosa como uma oferenda de Deus. Pouco, quase nada, dizia eu, pode-se fazer para aplacar a ferida aberta, molhada de soluços. É a hora em que a presença silenciosa e solidária, a presença numerosa de um amigo real, como disse o cronista, é algo mais eficaz que toda a ciência, que todos os remédios, que todas as ações. As palavras do jovem haitiano comoveram-me tanto quanto as imagens chocantes na tevê, tanto quanto a própria dor dos nossos irmãos miseráveis e esquecidos, trucidados impiedosamente pela sanha da Natureza. Elas estavam carregadas de amor ao próximo, de solidariedade humana, coisa rara em nossos dias. Além de tudo o que se tem podido fazer de concreto para diminuir o martírio dos nossos irmãos do Haiti, silenciosa e solitariamente, é hora de chorar com eles.
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