terça-feira, 20 de abril de 2010

A Arte Ensina

Durante palestra, universitária questiona: - "Então, inveja e ciúme são equivalentes?" Eu falava sobre Machado de Assis, mas precisamente sobre Dom Casmurro, sua obra magna. Não, inveja e ciúme são coisas diferentes, embora muitas vezes confundidas. Valho-me de Freud, vou ao seu complexo de Édipo. O menino tem inveja do pai e sente ciúme da mãe. No caso do romance de Machado, Bentinho tem inveja de Escobar e ciúme de Capitu. A conversa torna-se ainda mais interessante, o que evidencia ser o ciúme, na contramão do que parece, um sentimento comum ainda hoje, quando a emancipação feminina leva o homem a perder-se, a sentir-se ameaçado pela própria sombra. Um inferno, que felizmente pode ser evitado. É uma questão de vontade, de percepção de que este sentimento é, ao lado da inveja, o que pode haver de mais destrutivo, de mais devastador. A pergunta da estudante enseja outras, o ciúme, o ciúme...

Spinoza, o pensador holandês, estuda a matéria em Ética, no início da terceira parte, Dos Sentimentos e das Paixões. Um primor. Diz ele: "Esse Ódio da coisa amada, aliado à Inveja, é o Ciúme." Curioso, mas onde existe o amor, não raro há o risco do ódio, que se manifesta durante a crise de ciúme. A inveja é o sentimento que move o ciumento contra aquele que deseja o objeto do seu amor. O ciúme, por sua vez, incide sobre a pessoa que se ama. É o que Spinoza chama de 'flutuação de ânimo', vinda, invariavelmente, do amor e do ódio, porque nunca se está seguro do amor do outro, da reciprocidade desse sentimento, e nem da sua duração.

Ocorre-me dar um exemplo extraído da própria arte, o filme Ciúme, o inferno do amor possessivo, de Claude Chabrol, um dos expoentes da Nouvelle Vague, ao lado de François Truffaut e Jean-Luc Godard. A obra explora à exaustão esse sentimento pérfido de que trato ao proferir palestra sobre Machado de Assis, o que, curiosamente, desperta tanto interesse a um público de quase adolescentes. Pode? São as contradições da vida, num tempo em que ninguém parece 'estar nem aí' para isso e a ordem do dia são os relacionamentos passageiros.

Voltemos à cena. Nelly e Paul, um casal apaixonado a protagoniza. Paul interroga Nelly: - "Você não ia almoçar na casa dela (a mãe de Nelly)?" Ia, mas..." A mulher explica ter mudado de plano e ido com uma amiga comer algo em uma loja. Paul insiste: - "E os clientes, enquanto isso?" Nelly quer saber: - "Que clientes?" Ao que Paul, responde: - "Enquanto vocês comiam na loja." O homem vai criando hipóteses, entrega-se ao delírio de todo ciumento: - "Até as três horas?" E a cena desfecha-se de forma genial, quando a mulher dirige-se a Paul: - "Preste atenção, não passo meu tempo de olho no relógio. Espere, olhe um pouquinho para você, venha na luz... Não é possível, mas você está com ciúme." Genial, já disse. A mulher pede que Paul veja-se à luz. É que o ciúme doentio deixa-se ver fisicamente, na deformação do rosto do homem ciumento. Reconhecer a tolice da sua existência (a existência desse sentimento ridículo, quando não controlado), é, por sorte, o caminho único para a sua superação. A arte ensina.

4 comentários:

  1. Texto maravilhoso, que todo homem deveria ler (risos!). Visito seu blog e cada vez mais admiro o que escreve. Parabéns!

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  2. Obrigado pela visita. Mas, que tal se identificar?

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  3. Hum! Arrebentou! É isso aí, que bom se todos percebessem o quanto esse sentimento é mesmo ridículo, como você diz na crônica!

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  4. Obrigado! Volte sempre!

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