Mas, o que há num beijo? Robert Herrick, no século XVII, dizia ser ele "o cimento mais certo e doce, a cola e o visgo do amor." Num livro belíssimo de Julie Enfield, conhecida jornalista canadense, vemos que o "beijo expressa respeito, compaixão e afeição. Nós beijamos os olhos sonolentos dos nossos filhos para dizer boa-noite, e beijamos seus machucados para que sarem logo. O beijo pode ser também um ato de fé: nós beijamos imagens sacras altares e templos em momentos de adoração religiosa. O beijo pode ser um prelúdio, uma promessa, uma provocação." Beleza literária à parte, o certo é que este é seguramente um dos gestos mais ricos em significação, que encerram as mais diferentes mensagens, aqui e além.
Na contramão do que foi um dia, em se tratando de cultura ocidental, é comum hoje que homens troquem beijos nos reencontros ou nas despedidas. Há beijos para todos os gostos, os castos, os esfomeados, os solenes, os sonoros, em todos os lugares, nas mais diferentes estações. Beija-se o derradeiro beijo à beira da sepultura, beija-se na palma da mão, para enviar com um sopro a declaração de carinho; há os beijos tímidos, os indomados. Com um beijo, parte-se rumo ao desconhecido, como quis Musset. O beijo é o acasalamento simbólico, o movimento físico que leva os amantes a juntarem suas almas.
No livro de Enfield, A história íntima do beijo, a percepção iluminada: - "O que torna um beijo irresistível é a sua capacidade de transcender os limites do corpo." Perfeito.
No Antigo Testamento, Gênesis 2:7, o beijo espiritual, ou beijo soprado, faz-se presente na passagem em que Deus infunde o "sopro da vida" nas narinas de Adão, criando com o gesto simbólico o próprio homem. Há no Novo Testamento o beijo traiçoeiro de Judas. O mais amado de todos os Papas, João Paulo II, curvava os joelhos e beijava o chão de cada país visitado, numa sugestiva proclamação da paz e da união entre os povos fiéis. Há o beijo passional, o beijo fraterno, o beijo sexy. Nas Artes Plásticas, na literatura, no cinema, o beijo... O beijo de Rodin.
Beijaram-se Eros e Psiquê, Eco e Narciso, Penélope e Ulisses, Afrodite e Adônis, Helena e Páris, Romeu e Julieta. E nossos beijos, como lembra a pesquisadora, evocam os nossos heróis mitológicos, os nossos ídolos, os protagonistas de nossas sagas mais lendárias.
Em Cinema Paradiso, o cult de Giuseppe Tornatore, vê-se uma das cenas mais bonitas da sétima arte, quando Salvatore, entre a nostalgia e a fascinação, assiste a todos os beijos suprimidos dos filmes que marcaram a sua infância.
O beijo no dedo, bem na marca da aliança, na hora do gol, é muito mais que uma comemoração, é o amor, entre homens, num campo de futebol.