(fragmentos do livro a sair em dezembro)
NUM MOMENTO DE ócio, ocorreu-me escrever um livro de memórias, em que pudesse deixar registrado um pouco do que tem sido a minha história tão comum e desimportante em meio a livros, discos e filmes. Um livro que viesse a constituir um incentivo aos que ainda não se abriram para o milagre da arte ou despertasse alguma curiosidade para aqueles que, como eu, já não sabem viver sem a estreita convivência dos grandes artistas, nomeadamente os escritores a quem devo, por certo, a parte mais interessante dos meus dias. Que guardasse as minhas lembranças das incontáveis viagens que realizei por este país tão grande e tão bonito, e por tantos outros países em que estive mundo afora.
Um livro que revelasse os meus muitos relacionamentos, notadamente os três ou quatro que representaram para mim o que houve de significativo do ponto de vista sentimental. Que socializasse um pouco da minha experiência nesses quase trinta anos de docência, depois que abandonei outras atividades que me garantiram o sustento desde quando, quase menino, comecei a trabalhar.
Principalmente, que contasse a minha vida entre tantos amigos que foram se somando uns aos outros onde quer que tenha estado.
E, finalmente e de modo mais sentido, a minha família, de que sempre me orgulhei e com quem estou e estarei em dívida impagável, pelo muito que me dedicou de afeto, de respeito pelas minhas excentricidades, meus caprichos, meu temperamento irascível e difícil, mas, principalmente, de amor na sua mais plena significação.
Foi assim que procurei algo que traduzisse a minha identidade intelectual e humana, que dissesse da minha essência como homem e como artista tantas vezes silenciado pelo comodismo ou pela crença ingênua de que se podia deixar para amanhã o que de fato tinha de ser feito ontem, e que vê, com serenidade ainda que seja, o futuro se tornar um passado já distante. Razão por que, leitor, quero lhe contar uma história acontecida ao teatrólogo Eugênio Kusnet, e que diz tanto de mim, de como compreendo a vida e de como fiz a opção de vivê-la todos os dias desse mais de meio século de caminhada.
Estando em uma aula de teatro, o artista polonês foi desafiado a interpretar o papel de uma cadeira. Ao final de alguns segundos, expôs ao professor, que lhe propusera tal exercício, uma única condição: Que a cadeira a ser interpretada por ele pudesse nutrir a esperança de, um dia, tornar-se poltrona, que tivesse medo de morrer queimada num incêndio, que sentisse saudade dos tempos em que fora uma cadeirinha de criança, que pudesse se apaixonar por outra cadeira etc. Sem essa condição, que o diretor confiasse o papel à cadeira em que estava sentado, supostamente mais indicada para representar o inusitado papel.
Acho que essa historinha se presta à perfeição para dizer como sempre encarei a vida, de como jamais abri mão de cumprir os muitos papeis que me caíram como desafio ao longo de todo esse tempo. Se tivesse, por essas razões, que dizer com poucas palavras o que foi (e o que estou convencido de que será) a minha vida, não seriam outras essas três palavras: sensibilidade, emoção e paixão em tudo que realizei de bom ou mau, invariavelmente. Por isso, com a maior convicção de que é um homem capaz, é por elas que inicio estas minhas memórias.
Pelo que li, Memórias será o retrato não de um Álder, mas dos Eus que habitam os nós do Álder e, por que não dizer, do Eu coletivo... de certa forma, todos sentimos vontade de nos dizer ao outro, então você estará em uma magnífica sintonia com seus leitores... estou curiosa por lê-lo.
ResponderExcluirUm grande Abraço.
Lu!
Muito obrigado pelo carinho e pelo privilégio de tê-la como leitora. Seu comentário é revelador, intenso e condizente com o que pretendo com este livro, que já vai adiantado e deverá ser lançado em dezembro.
ResponderExcluirAbração!
Álder