Leitora faz uma reflexão curiosa sobre crônica As palavras de Saramago: - "Você não acha que casar com uma mulher 28 anos mais nova e fazer as declarações de amor que fez, não vai de encontro à racionalidade que Saramago sempre demonstrou ter?" Bem, amiga, se compreendo o que você argumenta, afirmo que não. Sua indagação, que mais constitui uma afirmação, na perspectiva da análise do discurso, reedita uma concepção do "amor romântico", inapropriado, assim, para um homem extremamente racional, como você observa com tanta correção ser o escritor português. Tentarei ser mais objetivo valendo-me do próprio Saramago, se me permite: - "A razão não é inimiga das ilusões, dos sonhos, da esperança, de todas essas coisas que têm a ver com os sentimentos... Porque a razão não é algo frio, não é algo mecânico. A razão é o que é, com tudo o que a gente tem de sentimento, de desejos, de ilusões, disso tudo."
A sua pergunta, que é mesmo um tipo de afirmação, como disse, talvez explique por que os relacionamentos tornaram-se tão vazios, explosivos, intensos... mas fugazes, fogos de palha, para ficar numa expressão. Esse modelo, romântico, idealizado, à Romeu e Julieta, para lembrar Shakespeare, talvez seja hoje demasiado anacrônico para encontrar seu espaço. Ocorre-me lembrar Luis Fernando Veríssimo: Romeu e Julieta permanecem como ícones da paixão "porque morreram e não tiveram tempo de passar pelas adversidades a que os relacionamentos estão sujeitos pela vida afora! [...] Romeu não disse para Julieta que a amava, que ela era especial e depois sumiu por semanas. Julieta não teve a oportunidade de mostrar para ele quanto ficava insuportável na TPM."
Brincadeira à parte, é isso mesmo. As relações duradouras, que são cada vez mais raras, atingem essa condição por que envolvem uma dosagem dominante de racionalidade, de equilíbrio, porque Apolo domina Dionísio em meio às dificuldades comuns a qualquer experiência de vida a dois. Por isso, na contramão do que parece sugerir, não enxergam as diferenças, mesmo as de idade, como no caso de Saramago e Pilar del Río, porque são capazes de compreender o abismo que separa o essencial do supérfluo, o inteligível do sensível, a ideia da aparência, como no 'mito da caverna' de que nos falou Platão.
Não vê, agora, como as palavras de Saramago revelam a atitude do homem movido pela razão? Só assim faz sentido a declaração comovente do seu amor: - "Com 63 anos, quando já não se espera nada, encontrei o que faltava [Pilar del Río] para passar a ter tudo." Pura luz, pura razão.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
O amor e a razão
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
As palavras de Saramago
Admirei o homem tanto quanto o escritor. Poucos grandes artistas terão elevado ao nível da obra a qualidade de sua vida real, a que tínhamos acesso pelas incalculáveis entrevistas, declarações públicas, depoimentos de toda ordem que deu mundo afora. Não sem razão, portanto, li com entusiasmo a coletânea Palavras de Saramago, publicada há pouco, sob a organização impecável de Fernando Gomes Aguilera, pela Companhia Das Letras. Um livro imperdível, afirmo.
A coleção está dividida em três seções, abrangendo o pensamento da pessoa, do escritor e do cidadão, o que constitui um repertório a um tempo profundo e agradável de ideias corajosas, provocativas e engajadas de um dos intelectuais mais completos da língua portuguesa. Do comunista libertário, como gostava de se definir politicamente, ao homem sensível, tomado de amores pela mulher 28 anos mais nova; do cidadão decepcionado com os governantes de sua terra, ao amante da pátria jamais contaminado pelo ufanismo reinante em diferentes momentos da sua história, deparamos com verdadeiras lições de integridade moral, correção intelectual e profundidade filosófica acerca dos mais variados temas. Degustemos.
Sobre a sua coerência, que lhe parece um bem precioso, inalienável, declara: "[...] sempre digo o que penso. Ninguém nunca poderá dizer que eu o enganei. As pessoas têm necessidade de que se fale com elas com honestidade." Humildade: "Amarga-me na boca a certeza de que umas tantas coisas sensatas que pude dizer durante a vida não terão , no fim das contas, nenhuma importância." Equilíbrio: "A nossa vida é feita do que nós fazemos por ela, e do que temos que aceitar que os outros façam." Religião: "Sou um ateu com uma atitude religosa e vivo muito em paz." Caráter: "Nunca cedi às tentações do poder, nunca me pus à venda."
Sobre o amor, seu amor por Pilar del Río, a mulher com quem viveu dos 63 anos até à morte, ocorrida em 2010, aos 88 anos, Saramago faz uma declaração emocionante: "É estranho para mim entender que foi preciso passar 28 anos desde o meu nascimento para que chegasse a pessoa que seria imprescindível em minha vida... [...] Quando a conheci eu tinha 63 anos, era um homem já velho. Ela tinha 36 anos. [...] Agora não posso imaginar minha vida sem ela, não posso conceber nada se Pilar não existisse... Quando ela não está, a casa se apaga. E, quando ela volta, se reativa."
Quando a encontrou pela primeira vez, Saramago parou os relógios da casa. Eram dezesseis horas: "Pilar é o centro da minha vida, desde que a conheci, há dezessete anos. Foi minha a ideia de parar os relógios da casa às quatro da tarde. Isso não significa que o tempo ficou parado ali, mas é como se o relógio marcasse a hora em que começou o mundo." Num tempo de amores vazios, de tantos descalabros no plano ético e humano, ler as 'palavras de Saramago' é reaprender o significado da vida, e procurar vivê-la de modo a poder confessá-la um dia. De cabeça erguida.
A coleção está dividida em três seções, abrangendo o pensamento da pessoa, do escritor e do cidadão, o que constitui um repertório a um tempo profundo e agradável de ideias corajosas, provocativas e engajadas de um dos intelectuais mais completos da língua portuguesa. Do comunista libertário, como gostava de se definir politicamente, ao homem sensível, tomado de amores pela mulher 28 anos mais nova; do cidadão decepcionado com os governantes de sua terra, ao amante da pátria jamais contaminado pelo ufanismo reinante em diferentes momentos da sua história, deparamos com verdadeiras lições de integridade moral, correção intelectual e profundidade filosófica acerca dos mais variados temas. Degustemos.
Sobre a sua coerência, que lhe parece um bem precioso, inalienável, declara: "[...] sempre digo o que penso. Ninguém nunca poderá dizer que eu o enganei. As pessoas têm necessidade de que se fale com elas com honestidade." Humildade: "Amarga-me na boca a certeza de que umas tantas coisas sensatas que pude dizer durante a vida não terão , no fim das contas, nenhuma importância." Equilíbrio: "A nossa vida é feita do que nós fazemos por ela, e do que temos que aceitar que os outros façam." Religião: "Sou um ateu com uma atitude religosa e vivo muito em paz." Caráter: "Nunca cedi às tentações do poder, nunca me pus à venda."
Sobre o amor, seu amor por Pilar del Río, a mulher com quem viveu dos 63 anos até à morte, ocorrida em 2010, aos 88 anos, Saramago faz uma declaração emocionante: "É estranho para mim entender que foi preciso passar 28 anos desde o meu nascimento para que chegasse a pessoa que seria imprescindível em minha vida... [...] Quando a conheci eu tinha 63 anos, era um homem já velho. Ela tinha 36 anos. [...] Agora não posso imaginar minha vida sem ela, não posso conceber nada se Pilar não existisse... Quando ela não está, a casa se apaga. E, quando ela volta, se reativa."
Quando a encontrou pela primeira vez, Saramago parou os relógios da casa. Eram dezesseis horas: "Pilar é o centro da minha vida, desde que a conheci, há dezessete anos. Foi minha a ideia de parar os relógios da casa às quatro da tarde. Isso não significa que o tempo ficou parado ali, mas é como se o relógio marcasse a hora em que começou o mundo." Num tempo de amores vazios, de tantos descalabros no plano ético e humano, ler as 'palavras de Saramago' é reaprender o significado da vida, e procurar vivê-la de modo a poder confessá-la um dia. De cabeça erguida.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Quem ama não fica só
A propósito da crônica No teu deserto, publicada neste espaço há uma semana, leitora faz com propriedade o seguinte comentário: - "Se o amor acaba, as transformações que faz em nós, não. Sendo assim, haverá sempre um pouco do ser amado impregnado em nós!" O que assevera, muito mais que verdadeiro (o que é, indiscutivelmente!), é bonito, com uma inspiração algo poética, quem sabe filosófica, o que não me surpreende, vindo de onde vem.
Escrevi a referida crônica a fim de tecer considerações sobre o romance homônimo do escritor português Manuel Sousa Tavares, uma indicação do acadêmico e amigo Dimas Macedo. Como o livro constituísse a narração de um amor efêmero, mas intenso e belo, a leitura me impulsionou a fazer algumas reflexões sobre o fim dos relacionamentos, mesmo aqueles que foram capazes de fazer desabrochar nos amantes os maiores, mais sinceros e mais bonitos sentimentos, e que, acabados, trazem invariavelmente a dolorosa sensação de que tudo não passara de um logro, um tipo de engano. Afinal, é recorrente, até onde sei, que quase nunca uma relação termina de forma tão equilibrada que possa permitir o restabelecimento do que um dia fora uma simples amizade, quantas vezes nascida do inesperado. Um lado sempre vai sair machucado e a ferida leva um tempo para sarar, quando sara a ponto de não deixar cicatrizes incômodas tempos afora.
Mas a leitora foi fundo, tocou no nervo da questão. De fato, o fim de um amor, quando grande e intenso, a exemplo do que nos comunica o narrador desse belíssimo No teu deserto, jamais significará a morte do objeto amado, que quedará em silêncio no mais profundo da alma, de onde ressurge vez e outra, na música que ouvimos, no lugar onde estivemos juntos um dia, nas mensagens e fotos que ficaram dos momentos bons e felizes vividos a dois. Talvez por isso, não raro, o que parecia morto é capaz de renascer das cinzas, como fênix, talvez uma flor que brotou do inesperado chão e "furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio", como quis Drummond.
Não por acaso reli esta semana, Consolação, o extraordinário romance de Betty Milan. Não estranhe, leitor. Isto mesmo, o belíssimo romance de Betty Milan, que, para quem não conhece como ficcionista, é uma escritora de muito talento. O enredo é simples, o tratamento profundo. Uma viúva brasileira de um marido francês volta a São Paulo para visitar a mãe, velhinha, e o túmulo do pai. Em meio à loucura dessa cidade a um tempo encantadora e desumana, descobre que nem mesmo a morte é capaz de fazer desaparecer a felicidade do amor, a eterna presença de quem 'se foi', em nós. Poucas vezes alguém terá analisado a morte de forma tão leve, com tanta naturalidade e tanta poesia. Um breviário de superação da perda, do luto. Afinal, como se vê na fala de uma personagem, "... O destino tira o que a gente tem. O que a gente já perdeu ele não tira!" O que não se tem mais nos é restituído através da saudade. Quem ama não fica só.
Escrevi a referida crônica a fim de tecer considerações sobre o romance homônimo do escritor português Manuel Sousa Tavares, uma indicação do acadêmico e amigo Dimas Macedo. Como o livro constituísse a narração de um amor efêmero, mas intenso e belo, a leitura me impulsionou a fazer algumas reflexões sobre o fim dos relacionamentos, mesmo aqueles que foram capazes de fazer desabrochar nos amantes os maiores, mais sinceros e mais bonitos sentimentos, e que, acabados, trazem invariavelmente a dolorosa sensação de que tudo não passara de um logro, um tipo de engano. Afinal, é recorrente, até onde sei, que quase nunca uma relação termina de forma tão equilibrada que possa permitir o restabelecimento do que um dia fora uma simples amizade, quantas vezes nascida do inesperado. Um lado sempre vai sair machucado e a ferida leva um tempo para sarar, quando sara a ponto de não deixar cicatrizes incômodas tempos afora.
Mas a leitora foi fundo, tocou no nervo da questão. De fato, o fim de um amor, quando grande e intenso, a exemplo do que nos comunica o narrador desse belíssimo No teu deserto, jamais significará a morte do objeto amado, que quedará em silêncio no mais profundo da alma, de onde ressurge vez e outra, na música que ouvimos, no lugar onde estivemos juntos um dia, nas mensagens e fotos que ficaram dos momentos bons e felizes vividos a dois. Talvez por isso, não raro, o que parecia morto é capaz de renascer das cinzas, como fênix, talvez uma flor que brotou do inesperado chão e "furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio", como quis Drummond.
Não por acaso reli esta semana, Consolação, o extraordinário romance de Betty Milan. Não estranhe, leitor. Isto mesmo, o belíssimo romance de Betty Milan, que, para quem não conhece como ficcionista, é uma escritora de muito talento. O enredo é simples, o tratamento profundo. Uma viúva brasileira de um marido francês volta a São Paulo para visitar a mãe, velhinha, e o túmulo do pai. Em meio à loucura dessa cidade a um tempo encantadora e desumana, descobre que nem mesmo a morte é capaz de fazer desaparecer a felicidade do amor, a eterna presença de quem 'se foi', em nós. Poucas vezes alguém terá analisado a morte de forma tão leve, com tanta naturalidade e tanta poesia. Um breviário de superação da perda, do luto. Afinal, como se vê na fala de uma personagem, "... O destino tira o que a gente tem. O que a gente já perdeu ele não tira!" O que não se tem mais nos é restituído através da saudade. Quem ama não fica só.
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
No teu deserto
Como de costume, durante garimpagem na Siciliano, deparo com o escritor Dimas Macedo. E ficamos os dois, embriagados de literatura, a exemplo do que fazemos sempre, comentando obras e autores que nos apaixonam, sem percebermos o tempo que passa. Num rompante, o amigo levanta-se, quase assustando-me: - "Poeta [é assim que me chama], você não pode deixar de ler um romance..." E retorna, segundos depois, portando um pequeno livro, os olhos brilhando daquele entusiasmo que nos domina sempre que apresentamos a um amigo uma pérola recém-descoberta.
Trata-se do romance No teu deserto, do português Miguel Sousa Tavares, de quem, confesso, apenas conhecia o já renomado Equador, livro com que veio a público no Brasil há coisa de uns poucos anos. Ainda na presença de Dimas, e contaminado do seu entusiasmo, inicio ali mesmo a leitura dessa breve e sedutora narrativa, como havia muito não encontrava na literatura de língua portuguesa contemporânea. Uma belíssima história de amor envolvendo um jornalista maduro e uma garota quinze anos mais nova.
Encontram-se na circunstância de uma viagem ao Saara, que o destino colocara a ambos como projeto individualmente traçado. Tem início, assim, como obra do acaso, do talvez ou do quem sabe, um relacionamento marcado pela força de um amor indômito, indiferente à lógica subjetiva das individualidades. Ele, racional, apolíneo; ela, impetuosa e dionisíaca; ambos, invadidos de motivação para as descobertas do imponderável. Não haveria mesmo melhor ingrediente para se tecer um belo romance. A diferença, no entanto, para-além do ofício e da técnica, com cujo domínio se tecem as belas histórias, está na forma intensamente original com que Tavares construiu esse pequeno-grande livro sobre o amor e suas reverberações na vida de um homem.
A história começa quando, acidentalmente, enquanto procura numa gaveta algo de que, de repente, não é capaz de lembrar, cai às mãos do narrador (o ponto de vista alterna entre ele e ela, ao longo da narrativa) uma fotografia dela tirada durante a viagem: "[...] É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas refletem, não é a felicidade, mas sim a traição - quando mais não seja, a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficamos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade pudesse suspender carregando no botão 'pausa' no filme da vida." No teu deserto, como vemos, é uma intensa, poética e incontornável reflexão sobre a transitoriedade do amor.
Da leitura desse belíssimo romance, vêm, como moscas à ferida, as perguntas que todos fazemos, cedo ou tarde, numa ou noutra circunstância, sempre que o amor acaba: Onde queda, adormecido, o sentimento que nos uniu um dia na 'utópica convicção' da eternidade? Aonde vaga, nebuloso, o 'eu te amo' tantas vezes dito? E os planos que fizemos, diz-me, onde estão? É o que angustia o narrador ao final do livro: "O que fomos nós um para o outro: apenas companheiros eventuais de viagem? Foi só isso, diz-me, foi só isso o nosso encontro?"
Trata-se do romance No teu deserto, do português Miguel Sousa Tavares, de quem, confesso, apenas conhecia o já renomado Equador, livro com que veio a público no Brasil há coisa de uns poucos anos. Ainda na presença de Dimas, e contaminado do seu entusiasmo, inicio ali mesmo a leitura dessa breve e sedutora narrativa, como havia muito não encontrava na literatura de língua portuguesa contemporânea. Uma belíssima história de amor envolvendo um jornalista maduro e uma garota quinze anos mais nova.
Encontram-se na circunstância de uma viagem ao Saara, que o destino colocara a ambos como projeto individualmente traçado. Tem início, assim, como obra do acaso, do talvez ou do quem sabe, um relacionamento marcado pela força de um amor indômito, indiferente à lógica subjetiva das individualidades. Ele, racional, apolíneo; ela, impetuosa e dionisíaca; ambos, invadidos de motivação para as descobertas do imponderável. Não haveria mesmo melhor ingrediente para se tecer um belo romance. A diferença, no entanto, para-além do ofício e da técnica, com cujo domínio se tecem as belas histórias, está na forma intensamente original com que Tavares construiu esse pequeno-grande livro sobre o amor e suas reverberações na vida de um homem.
A história começa quando, acidentalmente, enquanto procura numa gaveta algo de que, de repente, não é capaz de lembrar, cai às mãos do narrador (o ponto de vista alterna entre ele e ela, ao longo da narrativa) uma fotografia dela tirada durante a viagem: "[...] É por isso que não gosto de olhar para fotografias antigas: se alguma coisa elas refletem, não é a felicidade, mas sim a traição - quando mais não seja, a traição do tempo, a traição daquele mesmo instante em que ali ficamos aprisionados no tempo. Suspensos e felizes, como se a felicidade pudesse suspender carregando no botão 'pausa' no filme da vida." No teu deserto, como vemos, é uma intensa, poética e incontornável reflexão sobre a transitoriedade do amor.
Da leitura desse belíssimo romance, vêm, como moscas à ferida, as perguntas que todos fazemos, cedo ou tarde, numa ou noutra circunstância, sempre que o amor acaba: Onde queda, adormecido, o sentimento que nos uniu um dia na 'utópica convicção' da eternidade? Aonde vaga, nebuloso, o 'eu te amo' tantas vezes dito? E os planos que fizemos, diz-me, onde estão? É o que angustia o narrador ao final do livro: "O que fomos nós um para o outro: apenas companheiros eventuais de viagem? Foi só isso, diz-me, foi só isso o nosso encontro?"
Professor de Estética, História da Arte, Literatura Dramática e Comunicação e Linguagem.
Escreve contos, crônicas e artigos de análise literária.
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